Marketing

“Comunicar com propósito não pode significar aborrecer as pessoas”, diz Susana Albuquerque

Rafael Ascensão,

O "cross-fire" da APAN contou também com Teresa Burnay (media director da Unilever), Ricardo Domingues (senior marketer no Betclic Group) e Nuno Jerónimo (fundador e diretor criativo d’O Escritório).

Ricardo Domingues, Nuno Jerónimo, Ricardo Torres Assunção, Teresa Burnay e Susana Albuquerque.

Comunicar com propósito não pode significar aborrecer as pessoas”, afirmou Susana Albuquerque, diretora criativa da Uzina e presidente do Clube da Criatividade de Portugal, acrescentando que “se o propósito aposta em definirmos a nossa marca em função do que as pessoas querem, quando vamos comunicar não as podemos aborrecer“.

A ideia foi defendida num “cross-fire” no Better Marketing, conferência organizada pela Associação Portuguesa de Anunciantes – APAN, onde Susana Albuquerque e Teresa Burnay (media director da Unilever) foram convidadas a defender a ideia de que a comunicação fica chata quando o tema é o propósito. Ricardo Domingues (senior marketer no Betclic Grou) e Nuno Jerónimo (fundador e diretor criativo d’O Escritório) tiveram de sustentar a ideia contrária.

Ainda segundo Susana Albuquerque para uma marca ter um propósito, isso significa sobretudo ser relevante para os consumidores: “A única coisa que o propósito de uma marca quer dizer é que é muito clara a razão pela qual a marca existe segundo as pessoas“.

Concordante com esta ideia, Teresa Burnay defendeu que “colocar em primeiro lugar as pessoas como foco é fundamental para definir um propósito que seja relevante“. E isso passa por “conhecê-las a fundo, as suas necessidades, o que as entusiasma, e para isso é preciso colocarmo-nos [marketeers] num contexto exterior”, que é de onde vêm “as melhores soluções e as melhores ideias”, argumentou.

Segundo a media director da Unilever, para ter escala e relevância, a marca não se pode focar em “problemas de nicho”, pois aí sim, “torna-se chato”. “Temos que encontrar um propósito – que até pode ser individual – mas que atinja várias pessoas diferentes, para ter a certeza que quando comunicamos estamos a ter a escala suficiente”, disse.

É importante apaixonarmo-nos pelo problema, e não partir logo para as soluções. Só percebendo o problema é que vamos conseguir falar a linguagem dessa audiência a que nos queremos dirigir e só assim chegamos a um propósito que seja relevante”, defendeu ainda Teresa Burnay, acrescentando que foi isso que aconteceu há 20 anos com a Dove, quando a marca percebeu que apenas 2% das mulheres se consideravam bonitas, o que levou a uma aposta num propósito de fazer da beleza uma fonte de confiança e não de ansiedade.

No entanto, um propósito não tem de ser necessariamente sinónimo de uma causa, “não tem de estar ligado a um flagelo”, disse, referindo que pode ser tão simples quanto promover o bem-estar individual ou das famílias, algo que a Ikea tem vindo a fazer. O propósito não tem de ser comunicado de forma “séria” mas pode ser comunicado de forma “divertida”, acrescentou.

Já Nuno Jerónimo quis fazer a distinção entre “marketing de causas” e propósito, referindo que são coisas diferentes e que para se desenvolver este último é preciso consistência, acrescentando que por vezes as marcas se apropriam de causas para fazer conversa.

Um princípio não é um princípio até custar alguma coisa”, foi a frase de Bill Bernbach que Nuno Jerónimo escolheu para defender a ideia de que as marcas têm realmente de fazer alguma coisa e não apenas dizerem que têm um propósito quando comunicam. Por vezes o que as marcas comunicam não são princípios ou propósitos, mas sim “coisas que ficam bem”, defendeu.

A marca não pode só falar, tem de ter ações consequentes”, concordou Teresa Burnay, ao que Nuno Jerónimo acrescentou que “tem de ser sempre consequente”.

Susana Albuquerque fez ainda menção a uma “distorção” que tem acontecido nos últimos anos, onde as agências recebem briefings por parte das marcas para a criação de um propósito.

O propósito ou existe na empresa desde a sua essência, nas suas decisões fundamentais, ou é uma coisa postiça que não serve para nada. Ou pior, serve para ficar igual aos outros e para ser ainda mais invisível, que é aquilo que andamos todos a lutar contra“, afirmou a também presidente do Clube da Criatividade de Portugal.

Concordante com esta ideia, Ricardo Domingues defendeu que quando o propósito surge através de um pedido para uma agência, este “nunca pode ter consistência porque é fabricado”. “Ou está na génese da empresa e é consistente, ou é algo acrescentado para tentar vender mais“, referiu, acrescentando ainda que “o propósito custa dinheiro”.

Teresa Burnay rebateu, dizendo não concordar com a ideia de que uma marca tenha de nascer com propósito e referindo que isso tem a ver com evolução. Segundo a media director da Unilever, no século XIX as marcas fundamentavam-se na funcionalidade dos produtos, enquanto no século XX começaram a ser um sinónimo de estatuto social, sendo que “só desde há duas décadas é que o propósito começou a ganhar uma grande relevância e a ser comunicado pelas marcas”.

“Isto tem a ver com a evolução dos tempos e das pessoas. As pessoas estão cada vez mais informadas, há uma transparência cada vez maior, os consumidores esperam que as marcas tenham uma razão de investir e que intervenham na sociedade. Hoje em dia, o propósito já não é uma escolha, este tem de existir. Podemos é chamar-lhe outra coisa. Tem de haver uma razão de existir, se não [as marcas] não são aceites pelo público“, afirmou.

Nuno Jerónimo concordou, mas disse que a diferença está em as pessoas exigirem que as marcas façam e não que digam que fazem. “Acho que todas devem ter propósito. Se devem comunicar é que por vezes levanta dúvidas”, acrescentou.

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