Pitches: sim ou não? Discussão volta a aquecer entre responsáveis de agências
Os pitches são inimigos ou aliados das agências? Uma carta de uma agência brasileira voltou a trazer o tema a lume, provocando a reação de diversos responsáveis de agências de marketing e publicidade.
Talvez relacionado com as altas temperaturas que se têm sentido, o tema dos pitches voltou a aquecer junto dos responsáveis de agências do mundo do marketing e da publicidade.
O gatilho da “discussão” foi uma carta publicada pela agência brasileira Bullet, que disse ter declinado um convite para um concurso. Em primeiro lugar, a Bullet aponta o facto de serem 12 as agências concorrentes, o que “significa mais de 200 pessoas a trabalharem de graça“, algo que “não é humano e vai contra todas as práticas de ESG“.
Além disso, a agência aponta que “quantidade não é qualidade” e que “a etapa comercial terá maior peso na decisão”, o que “faz com que a parte técnica perca importância no processo”, pelo que seria mais fácil “pedir orçamento para as agências e contratar a mais barata”.
“Este processo vai contra o relacionamento com colaboradores e parceiros, ética nos negócios e compras sustentáveis“, observa ainda a agência.
Em Portugal o tema de discussão foi de novo colocado em cima da mesa com a partilha de Miguel Moreira Rato, CEO da Adagietto, que escreveu no LinkedIn que a sua agência “subscreve (muito) esta carta da Bullet a propósito de (mais) um pitch em que se ‘convidam’ ‘n’ agências a apresentarem aquilo que nunca irá ser implementado a um preço que irá depois ser esmagado”.
Os comentários por parte de vários profissionais do setor – maioritariamente de concordância e apoio – não tardaram a chegar.
“Isto é o que se chama uma má prática de gestão“, referiu Manuela Botelho, que esteve durante 18 anos à frente da direção da APAN (Associação Portuguesa De Anunciantes), recomendando “à empresa que teve esta iniciativa a leitura atenta do Guia de Boas Práticas para Concurso de Agências, um documento já com muitos anos, e elaborado em conjunto pela APAN e APAP”.
A agência Miligrama Comunicação em saúde também corroborou esta opinião, referindo que “seria muito mais ético e transparente começar por um simples pedido de orçamento, e só avançar para o pedido de uma proposta (que infelizmente não é paga e como diz a carta é trabalho de graça) quando realmente existe essa possibilidade”.
Quanto ao que considera ser “uma velha questão”, Miguel Bacelar, founder e managing director da Saint Pirate, diz que “dar de graça o que temos para vender é celebrar uma mentira“, fazendo ainda uma analogia: “Experimentem jantar em cinco restaurantes e só pagar no que gostaram mais.”
“Absolutamente de acordo com a resposta! Porém, há sempre agências a aceitarem este tipo de concursos. Batem-se pelo preço, sacrificam-se a qualidade e a inovação. Nivela-se pela marca menor. No final do dia, ninguém ganha“, comenta, por sua vez, Ana Paula Salgueiro, managing director da InfluenceSuite em Portugal.
Já no ano passado, no +M, o tema gerou discussão com artigos de opinião de responsáveis em agências como Diogo Anahory, Mariana Galindo, Frederico Roquette, Piedade Guimarães, Nuno Presa Cardoso ou, na perspetiva do cliente, com a opinião de Catarina Barradas.
Nuno Presa Cardoso, partner e chief creative officer da Nossa, por exemplo, defendeu que é num pitch que se é desafiado “a condensar a nossa visão, estratégia e criatividade num período limitado de tempo”. “Muitos podem pensar que são apenas apresentações de ideias incríveis, mas encaramo-los como oportunidades extraordinárias de demonstrar o nosso valor e entusiasmo aos potenciais novos clientes”, escreveu.
“A tentação de fugir à frustração e desperdício que os concursos proporcionam é grande, mas pessoalmente nunca viro a cara a um bom pitch. Claro que fazemos filtros: quatro agências são mais do que suficientes para que um concurso seja competitivo (devem é ser bem escolhidas numa long list), nem tudo deve ser alvo de um concurso, e principalmente o briefing e os critérios de avaliação devem ser claros para todos”, argumentou num artigo de opinião publicado no +M.
Cerca de uma semana depois, Diogo Anahory, cofundador e diretor criativo da DJ, abordou “uma outra perspetiva“, praticamente “respondendo” a cada argumento do responsável da Nossa. Segundo Anahory, o talento, “precisamente por valer muito, não devia ser oferecido”.
“Ao aceitar participar em concursos não remunerados, não estaremos a desvalorizar o nosso trabalho? Não estaremos a passar a mensagem de que é fácil ter ideias e de que nos é indiferente que elas possam ir parar à gaveta? Uma boa ideia pode criar, impulsionar, fortalecer ou mesmo salvar um negócio. Pode haver ‘um antes e um depois’ de uma grande ideia. Oferecê-las é, de alguma forma, retirar-lhes valor, é menosprezar a importância e o contributo que podem ter na construção das marcas“, defendeu.
Em resposta aos dois, e sobre este tema, Mariana Galindo, fundadora e planning partner da TTouch, referia em novembro que “o que ainda ninguém disse sobre os concursos foi a leviandade com que tantas vezes são pedidos pelos clientes“, afirmando que muitas vezes as ideias e projetos não acabam por ficar na gaveta por ser caro, arriscado ou precisar de ajustes mas porque “o cliente enganou-se”.
“Há qualquer coisa de errado aqui. Se nada disto acontecesse e se o mercado respeitasse mais o trabalho das agências, e se pagasse o valor real do tempo para se criar boas ideias – já nem falo do valor real das ideias, que esse ficou lá atrás, nos anos 90, quando se deixou de cobrar pelas ideias e se passou a cobrar comissões sobre a media – não tenho uma dúvida que as nossas equipas se iriam sentir muito mais inspiradas e unidas, porque imagine-se (!) levam para casa um ordenado digno do trabalho que fizeram e que até dá para pagar as contas ao final do mês”, afirmou, acrescentando que “se não há mais inspiração ou união, os responsáveis são os clientes, mas sobretudo das agências que deixam e promovem este sistema“.
Piedade Guimarães, COO e partner da Hill & Knowlton, concordou com este pensamento. “A ideia que algumas empresas têm de que um concurso de prestação de serviços de marketing ou comunicação pode ser um mero pró-forma para cumprir calendário, e não um meio para chegar a um fim (uma avaliação séria do mercado), é um cancro que nos rodeia a todos. Um cancro que necessita de ser liquidado. Totalmente liquidado. Temos de acabar com todos aqueles que já sabem com quem querem trabalhar à partida, mas que apenas por questões de compliance pedem propostas a outras agências. Isto deve tirar-nos do sério”, disse.
Os pitches “são o ‘combustível fóssil da agência’: sim, arranca o motor, dá para andar e viajar, mas acaba por poluir o (bom) ambiente que precisamos na criatividade”, escreveria mais tarde Frederico Roquette, fundador e diretor Criativo da Alfred, que defendeu também que mais do que dizer mal, é preciso “convocar todos – sem exceção – para começar a Fazer Bem”.
Dando a cara pelo “outro lado”, o do cliente, Catarina Barradas, diretora global de marca da EDP, argumentou que “marcas como a EDP seriam ‘chacinadas’ na praça pública se fizessem ajustes diretos”, pelo que “a única saída” passa precisamente pelos concursos.
“Concursos que, se para as agências são um martírio pela necessidade de alocação de recursos para um final que pode ser nada, para as equipas de marketing são um processo igualmente desgastante”, escreveu ainda responsável da EDP.
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