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A tentar criar motivação para a reciclagem, Ricardo Sacoto Lagoa, da Sociedade Ponto Verde, na primeira pessoa

Rafael Ascensão,

Ricardo Sacoto Lagoa, coordenador de marketing e comunicação da SPV, quer criar motivação para a mudança de comportamentos. Benfiquista ferrenho, faz viagens com os amigos em função dos restaurantes.

Depois de passar por marcas como a Mars ou Longa Vida (da Nestlé), Ricardo Sacoto Lagoa assumiu o marketing e comunicação da Sociedade Ponto Verde (SPV) em maio do ano passado, desafio que decidiu abraçar desde logo por uma questão de propósito.

É de facto muito mais interessante e impactante poder trabalhar por um propósito – neste caso, no sentido de os portugueses reciclarem, cuidarem mais do planeta e terem um comportamento mais sustentável — do que trabalhar pela venda de um produto”, diz em conversa com o +M.

“Nada contra isso, foi a minha vida durante muito tempo e um dia até poderá voltar a ser. Mas de facto, neste momento, o trabalho com propósito da Sociedade Ponto Verde e o seu impacto na nossa sociedade e naquilo que somos enquanto cidadãos torna-se mais sedutor”, acrescenta.

As palavras-chave para concretização deste desafio são “criar motivação”, funcionando a “gamificação” e o “incentivo” como uma das “alavancas” neste processo de envolver a população e incentivar à reciclagem, explica o coordenador de marketing e comunicação da SPV.

Isto porque a SPV tem apostado numa lógica de gamificação, nomeadamente através da sua app “Acerta e Recicla”, para o envolvimento das pessoas no seu propósito. “Não passa só por aqui mas pensamos que passa necessariamente também por aqui“, diz Ricardo Sacoto Lagoa.

Através da sua app, a SPV disponibiliza conteúdos relacionados com a reciclagem e como a fazer mas, em determinados momentos do ano, aposta também numa estratégia de gamificação, tal como está precisamente agora a acontecer, a propósito do Natal.

Desafiando os utilizadores a testar o seu conhecimento, a marca vai oferecer prémios num valor superior a 30 mil euros aos jogadores que acumularem mais pontos na app. Além de 100 cartões de supermercado — os 15 primeiros classificados ganham 500 euros em cartão e os 85 classificados seguintes recebem 270 euros — são ainda distribuídas 40 bicicletas elétricas ao longo das quatro semanas de campanha, sendo oferecidas 10 por semana.

Percebemos que não podemos viver apenas de incentivos e de prémios, mas estes momentos servem para chamar à atenção, para mobilizar, para que as pessoas interajam. Umas mais pelo propósito, outras mais atrás dos prémios, mas o que interessa é que fiquem com mais conhecimento e mais propósito. Podem ter entrado pelos prémios, mas acredito que no final do jogo e da campanha vão ter uma sensibilidade maior para o tema. É fundamental criarmos motivação e incentivos para a mudança de comportamento. A gamificação acaba por ser o incentivo mais racional e mais direto“, explica o coordenador de marketing e comunicação de 38 anos.

Segundo o profissional, também faz sentido trabalhar outros tipos de incentivos, numa vertente ligada à motivação emocional. “Cabe-nos a nós fazer este caminho de educação e por isso trabalhamos a Academia Ponto Verde, onde ensinamos as crianças a reciclar nas escolas, mas fazemo-lo também através de outras campanhas que pretendem criar impacto emocional, chamar à atenção, colocar o tema no top of mind”, diz.

A comunicação da SPV acaba por ser desde logo marcada pelo seu target, que “é toda a gente”, no sentido em que engloba todos os portugueses mas também os parceiros que trabalham consigo no sistema de gestão da reciclagem das embalagens ou outras entidades como as Câmaras Municipais ou as Juntas de Freguesia.

Mas, em resumo, explica Ricardo Sacoto Lagoa, o trabalho da SPV em termos de comunicação acaba por assentar em alguns “pilares fundamentais”. Desde logo, o da proximidade que necessita de ter com os cidadãos, com a rua e com a operação, criando formas de ter uma conversa direta com os cidadãos — seja através da comunicação, do site ou das redes sociais — e sendo capaz de ter um impacto direto com ações de proximidade feitas através de parceiros, que são um “veículo para chegar ao cidadão”.

Outra “dinâmica muito forte”, passa portanto pelas lógicas de incentivo e de motivação, seja incentivo direto com a entrega de prémios ou através de “outros projetos de motivação mais emocional”.

Existe ainda outro pilar relacionado com a inovação. “Apoiamos diversos projetos de inovação”, diz o responsável de marketing, exemplificando com o Ponto Verde Lab ou o Pack4Sustain. “Acreditamos muito no papel da inovação como um grande enabler de proporcionar um melhor serviço à população, de facilitar o acesso à separação e à reciclagem“, acrescenta Ricardo Sacoto Lagoa, exemplificando com um projeto que se encontra a decorrer em Mafra, com um conjunto alargado de parceiros, no âmbito do qual os ecopontos permitem detetar as embalagens que lá são colocadas e dar um prémio direto para compras no comércio local.

“É um projeto local, ainda apenas na região de Mafra, mas mostra um pouco os pilares que deve haver para poder funcionar: ser feito em parceria, recorrer a inovação, estar colocado no terreno e recompensar o comportamento e incentivar a reciclagem de embalagens”, sintetiza.

Na concretização desta estratégia, Ricardo Sacoto Lagoa, que lidera uma equipa composta por outras cinco pessoas, conta com o apoio de um conjunto de agências, nomeadamente a Tux&Gill e Winicio (em termos de criatividade), a Nova Expressão (planeamento de meios), a LPM (comunicação e assessoria de imprensa) e a Dmp (ativações).

Mas antes de integrar a SPV, Ricardo Sacoto Lagoa começou a sua carreira nas telecomunicações, na Vodafone e na PT, experiências que, embora tenham sido de curta duração, lhe trouxeram aprendizagens que levou para o resto da sua carreira.

Abraçou depois um desafio na Mars, em FMCG (fast-moving consumer goods), para gerir uma marca (a Uncle Ben’s, de arroz), tendo na altura a ideia de que “gerir uma marca é exatamente como ter uma pequena empresa, que tem um portefólio, uma rentabilidade, produtos, pricing, vendas e publicidade para gerar vendas mas também para alavancar o posicionamento da marca”.

Acabou por estar vários anos na Mars, tendo feito o “percurso mais ou menos natural quando se trabalha numa multinacional”, trabalhando em trade marketing e passando depois para brand manager. Enquanto brand manager a nível ibérico, trabalhou em Barcelona durante dois anos, com marcas como M&M’s, Twix ou Snickers.

Voltou depois para Portugal para trabalhar na Lactalis, da Nestlé, que em Portugal é conhecida como Longa Vida. Depois de uma experiência de dois anos em Barcelona já queria regressar e viver em Portugal, mas também queria a “possibilidade de viver um bocadinho o sonho do marketeer” de, com o tipo de marcas e de autonomia que a Longa Vida tinha no país, poder fazer desenvolvimento de produto, de packaging e de comunicação, também localmente.

“Passei de uma realidade como a da Mars, que é uma empresa extraordinária para se trabalhar — com toda a potência de uma multinacional, com um marketing muito organizado e muito focada nas pessoas e bem-estar –, para uma experiência mais local onde tive a oportunidade de desenvolver uma quantidade de coisas que podia ser eu próprio a fazer”, explica.

Foi também nessa altura que passou a ter um foco na gestão de equipas e pessoas. A este propósito recorda uma “lógica engraçada”: “Depois de alguns anos, deixamos de estar felizes porque alguma coisa nos correu bem e passamos a estar felizes porque alguém fez alguma coisa muito bem e a nossa alegria é vivida através de outras pessoas que fazem parte da equipa“, diz.

Após uma experiência de cerca de cinco anos na Lactalis, abraçou então o desafio de dirigir o marketing e comunicação da Sociedade Ponto Verde.

Sendo “solteiro e bom rapaz”, Ricardo Sacoto Lagoa vive na Penha de França (Lisboa), embora seja do Montijo, onde viveu a maior parte da sua vida e terra à qual tem uma ligação “muito próxima”.

Praticou judo durante alguns anos e fez depois equitação. Tinha uma “vivência muito ligada a um lado mais rural“, uma vez que a maior parte da sua família, tanto do lado do pai como da mãe, trabalhou, em algum momento, ligada à agricultura e à pecuária, pelo que ter uma quinta e animais por perto sempre fez parte da sua realidade. Ou seja, teve efetivamente alguns anos de aulas de equitação, mas a verdade é que viveu a vida toda perto de cavalos e a montar de uma forma “um pouco mais selvagem”.

Foi uma infância feliz, perto da família e de amigos, com alguma atividade desportiva, ligada principalmente ao mundo dos cavalos“, resume.

Quando começou a “fazer a viagem de barco” e a desdobrar-se entre as duas margens, vivendo numa e frequentando a faculdade noutra, ficou com amigos dos dois lados do Tejo. “O que é bastante interessante é que entretanto membros dos dois grupos juntaram-se e o meu grupo de amigos hoje em dia já é uma mistura entre os da altura da faculdade e os do Montijo”, relata.

Atualmente faz ginásio “frequentemente” e joga “miseravelmente” padel. É “benfiquista ferrenho“, assistindo a todos os jogos “em casa” e a alguns jogos “fora”, mas acaba por acompanhar também muito desporto para lá do futebol, como basquetebol ou futebol americano. “Tenho uma paixão por desporto, do lado do praticante, mas se calhar até maior do lado de quem observa“, diz.

Viajar é outra das paixões tendo, relacionada com isso, uma “dinâmica engraçada” com o seu grupo de amigos. “Nós gostamos todos muito de comer e de conhecer restaurantes, pelo que há momentos em que marcamos viagens escolhendo onde vamos almoçar e jantar e, depois sim, decidimos onde vamos dormir em função disso. Nessa perspetiva fazemos umas road trips para conhecer restaurantes em Portugal e também em Espanha, servindo a viagem em si e as cidades um bocadinho de acessórios, a prioridade são os restaurantes”, explica.

Conseguir encontrar um equilíbrio entre o grau de desafio que o trabalho tem que dar para que não seja rotineiro e aborrecido, mas para que também não seja algo que consuma e esgote a energia de viver o “outro lado da vida”, é o grande desafio de Ricardo Sacoto Lagoa.

“O trabalho é uma parte, mas o resto acaba por ser o mais importante. O grande desafio é conseguir encontrar um trabalho que seja um desafio e onde haja bem-estar, para que este acabe por ser uma fonte de energia e não uma fonte de desgaste, porque o resto da vida é aquilo para que temos de ter energia para viver, aproveitar, estar com a família, com os amigos. Ou seja, [o desafio é ter um] trabalho nos dê as condições para viver a nossa melhor versão e aproveitar o outro lado”, explica.

Ricardo Sacoto Lagoa em discurso direto

1 – Que campanhas gostava de ter feito/aprovado? Porquê?

De âmbito nacional, “Um amanhecer diferente”, da Nescafé. Eu era muito miúdo mas quis muito viver dentro daquele carro e ambiente, acho que criou um envolvimento com o produto e o momento de consumo muito forte. Curiosamente, ou não, hoje tenho um daqueles carros.

A nível internacional destaco a “No AD”, da TBWA para a Pague Menos. Há algum tempo que tinha na cabeça a ideia, quase uma piada, de comprar espaço no YouTube e criar uma pequena campanha com uma mensagem muito curta e com o benefício de permitir ao utilizador chegar mais rápido ao conteúdo. Esta campanha pega nesse insight e leva para outro patamar, patrocinando conteúdos/canais de YouTube sobre primeiros socorros para que estes retirem a publicidade e assim acelerando o acesso a conteúdos que salvam vidas.

2 – Qual é a decisão mais difícil para um marketeer?

Decidir o que é essencial numa marca e numa campanha, e o que tem de ser deixado para segundo plano. Ser capaz de traduzir isso numa execução eficaz.

3 – No (seu) top of mind está sempre?

Como colocar a reciclagem de embalagens no top of mind dos portugueses.

4 – O briefing ideal deve…

Ser claro, completo, racional, nunca deixando de ser motivador para quem o vai trabalhar.

5 – E a agência ideal é aquela que…

Se torna parte da equipa e está focada em resolver o desafio. Uma agência que rompe barreiras criativas mantendo o foco no insight e no desafio de negócio.

6 – Em publicidade é mais importante jogar pelo seguro ou arriscar?

O mais importante é construir uma marca e uma empresa segura, se chegamos a este patamar temos de arriscar e fazer a diferença.

7 – O que faria se tivesse um orçamento ilimitado?

Teria de ter orçamento, mas também um scope de atuação mais alargada do que hoje. Mas teria Portugal cheio de soluções tecnológicas para recolha de embalagens ligadas aos sistemas de incentivos para o cidadão. Começando com ecopontos com sensores e tecnologia e acabando em drones a recolher porta a porta.

8 – A publicidade em Portugal, numa frase?

Estamos numa fase de procura do equilíbrio entre ser criativo e impactante, resolver desafios de negócio e não ter problemas (ou seja, ser política e socialmente correto). Há espaço para se ser mais aventureiro e bem-disposto (sem medo de algum comentário negativo numa rede social, que vai sempre acontecer). Mas também há espaço para ideias criativas onde a piada não roupa eficácia a resolver o desafio de negócio.

9 – Construção de marca é?

É um exercício científico, em grande medida, em que se procura estudar o que o target pensa de nós. Depois, criativo para encontrar forma de fazer chegar o nosso posicionamento e benefícios racionais e emocionais (do nosso produto ou serviço) ao target. E repetir, estudar, procurar ter impacto, medir e voltar a procurar ter impacto.

10 – Que profissão teria, se não trabalhasse em marketing?

Difícil responder, quis ser médico, advogado e até professor de história. Tendo o tal orçamento ilimitado da pergunta anterior, ficaria mais fácil e estaria a fazer criação de cavalos.

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