Albuquerque tenta recuperar maiorias do “jardinismo” e Cafôfo cobiça indecisos em nova batalha eleitoral na Madeira
Neste domingo tem lugar uma das mais importantes eleições na Madeira. Em ano e meio, terceira ida às urnas para as regionais. Albuquerque sem pontes visíveis, Cafôfo e Sousa discutem quem mandará.

Dez anos depois da primeira eleição para presidente do Governo Regional, Albuquerque tenta a terceira reeleição num espaço de três anos, nenhuma delas em maioria. Paulo Cafôfo, cujo percurso coincide com a do rival na obtenção da presidência da câmara do Funchal — onde provou conseguir acordos, salienta –, não desiste do projeto de liderança da região, à qual se candidatou pela primeira vez em 2019, ano em que o PSD se estreou nas vitórias sem maioria e Cafôfo saiu da câmara do Funchal para provocar o primeiro grande abanão no PSD.
O socialista chega às urnas com uma ratificação da sua liderança a 31 de janeiro, quando as eleições internas do partido na região lhe deram 98,3% dos votos. O opositor que se adivinhava desistiu por considerar que não havia tempo para campanha interna. Recorde-se que a 17 de dezembro existira a primeira moção de censura validada no Parlamento contra um Governo PSD. Na ocasião, vozes de dentro do PSD chegaram a exigir um ato eleitoral para escolha do líder social-democrata, mas o incumbente, Miguel Albuquerque, nunca o permitiu.
Albuquerque traçou um percurso eleitoral de constante queda desde a primeira vitória, em 2015, a única saldada por uma maioria, mas agora, uma sondagem da Intercampus para o Jornal da Madeira perspetiva a segunda maioria para o sucessor de Alberto João Jardim. PSD em 38,4% e o 24.º mandato, que lhe escapa desde 2015, num parlamento com 47 lugares, são hipóteses assumidas nesta sondagem. Em segundo, o PS, com 16,7% e perda de um deputado (para 10), enquanto o Juntos Pelo Povo vem em terceiro com 10,7% e perda de dois lugares, para seis, o dobro daqueles que a sondagem “dá” ao Chega, partido que já assegurou não apoiar o PSD na formação de um Governo (ao contrário do que fez há um ano) se o líder continuar a ser Albuquerque. Partidos de assento único deverão ser o CDS, a Iniciativa Liberal e o PAN, com o PCP a raiar essa fasquia, depois de ter saído do Parlamento em 2024.
Se o PSD vencer, nada indica que a política se altere de forma substancial. O que o seu líder tem destacado é o excelente percurso da economia da região. Já a governação preconizada pelo socialista apostará na tecnologia, nas eólicas offshore, reforço da aquacultura e em usar o dinheiro devido pelas empresas da Zona Franca (na sequência de decisão judicial de Bruxelas) para construir habitação pública.
O PS tenta recuperar a dinâmica vivida em 2019. Depois da humilhante derrota de 2015, em coligação com PTP, PAN e MPT, com apenas 11,4% e seis mandatos, menos um que os centristas e apenas mais um que o debutante Juntos Pelo Povo, floresceu a candidatura de um independente, Paulo Cafôfo, que levaria o PS a mais que triplicar os deputados regionais.
O resultado quase “secou” a esquerda e dividiu votos com a direita, para um resultado final de 21 mandatos para PSD e 19 para PS, com o CDS a ser chamado a socorrer os social-democratas como garante de Governo de maioria a Albuquerque.
Entretanto, Cafôfo deixou a liderança do PS regional após as autárquicas de 2021 e entrou no Executivo de António Costa em 2022. Um ano depois, o PS foi a votos na Madeira com Sérgio Gonçalves e caiu de 19 para 11 deputados. É então que Cafôfo regressa à região onde nasceu e em 2024 vai de novo a eleições regionais, mas perdeu a onda de 2019, mantendo o PS os 11 deputados com que saíra da anterior legislatura, enquanto o JPP se reforçava de cinco para nove mandatos.
A proximidade de mandatos patrocinou um desentendimento, expresso nos meses antes destas eleições, entre Paulo Cafôfo e Élvio Sousa, líder do JPP, sobre quem deveria liderar uma solução governativa. Se se entenderem, poderão contar com a disponibilidade de vários partidos para conversar, incluindo o CDS. Já o Chega só admite equacionar dar a mão ao PSD, mas desde que Albuquerque se exclua do Governo saído das eleições de domingo.
Neste dia, a única solução clara para Albuquerque será procurar restituir ao PSD a maioria, apesar das acusações da oposição relativas aos casos judiciais em que o líder social-democrata e membros dos seus governos viram os seus nomes envolvidos. Em janeiro de 2024, o líder do Governo decidiu mesmo abandonar o lugar, mas acabaria por se recandidatar e ganhar eleições meses depois.
Cafôfo, por seu turno, acredita no poder de mobilização dos indecisos — 18%, segundo a sondagem da Intercampus — e dos que têm andado arredados das eleições para impedir o regresso às maiorias que o Jardinismo “instituiu” e que o sucessor de Alberto João Jardim conseguiu apenas nas primeiras eleições em que o PSD não teve à frente o carismático líder.

O líder regional socialista diz ao ECO/Local Online que “o grande desafio é diversificar” a economia, para lá do turismo e construção, ainda que se os pôr em causa. A solução é adicionar setores com maiores qualificações e salários mais elevados.
Por seu turno, o ex-presidente do Governo defende que o PIB da região está em alta desde 2015, tendo passado de 4 mil milhões de euros para os 7,1 mil milhões de 2024, A Madeira tornou-se a segunda região mais rica do país, afirmou à Rádio Renascença.
O adversário socialista admite a rota ascendente do produto da região, mas diz ao ECO/Local Online que tal não tem reflexo na qualidade de vida dos madeirenses. Quase 30% da população está em risco de pobreza ou exclusão social, denuncia, e a inflação aprofunda as dificuldades, elevando-se a um patamar de 3,6%, mais alta do que no continente e os Açores. Já os salários médios são “os mais baixos do país”, salienta, 94 euros abaixo do continente e 59 euros abaixo dos Açores.
“O modelo está errado. Queremos outro modelo económico”, diz, e aponta à baixa do IVA e do IRC, contando com a autonomia a lei das finanças regionais, que permite reduzir impostos em 30% relativamente ao continente.
Aqui na região, temos uma posição mais pragmática, reconhecendo a importância das receitas e da criação de emprego. Neste momento, são mais de 3.000 pessoas bem remuneradas e emprego qualificado. O pragmatismo será a cola que permitirá proteger o CINM. Este é o centro de negócios do país. Não estamos a fala de benefícios ilegais, estamos a falar de benefícios fiscais a empresas que criam valor e emprego.
Defesa da Zona Franca
Ponto comum a Albuquerque e Cafôfo, potenciais vencedores das legislativas regionais — considerando o histórico eleitoral dos seus partidos — é a defesa do Centro Internacional de Negócios da Madeira (CINM). O ex-presidente do Governo tem-se manifestado contra a posição da justiça europeia, que, no âmbito do regime de auxílios da Zona Franca, considerou terem sido violadas regras concorrenciais dentro do espaço comum. O Executivo interpôs um recurso, que o Tribunal de Justiça da União Europeia negou em janeiro.
Já Paulo Cafôfo, que preconiza um acordo entre o PS e os partidos à esquerda, não teme que a Zona Franca, criticada pela esquerda em São Bento, provoque desentendimentos numa possível coligação regional. “Aqui na região, temos uma posição mais pragmática, reconhecendo a importância das receitas e da criação de emprego. Neste momento, são mais de 3.000 pessoas bem remuneradas e emprego qualificado. O pragmatismo será a cola que permitirá proteger o CINM. Este é o centro de negócios do país. Não estamos a falar de benefícios ilegais, estamos a falar de benefícios fiscais a empresas que criam valor e emprego”. Cafôfo salienta que se forem hostilizadas, “as empresas que aqui estão sediadas fogem para outros países”.

A posição é comum ao PSD, tanto da estrutura local, quanto nacional. São de julho de 2023, era primeiro-ministro António Costa, estas palavras de Luís Montenegro: “se nós não formos competitivos e previsíveis, não damos segurança aos investidores e vamos perder investimentos para outras geografias. Será que achamos que a estratégia para Portugal é assistir impávidos e serenos à deslocalização de empresas para a Holanda ou para o Luxemburgo, para Malta ou Chipre?”
A importância da Zona Franca passa por vários quadrantes, defende Paulo Cafôfo ao ECO/Local Online, designadamente no negócio de shipping, ponto em que a Madeira ganhou dimensão europeia e onde o PS pretende reforçar a digitalização, mais-valia tecnológica a expandir à exploração do mar. Isso passará, desde logo, pela minimização de impactos estéticos da aquacultura, com jaulas submersas, defende o candidato às eleições de domingo, que pretende contrariar o ruído visual que colide com a atividade turística. Outro negócio a explorar, as eólicas offshores, as quais “podiam ser vantagem para a região”, considera o ex-secretário de Estado das Comunidades. Situação em que a geografia não é determinante, a economia digital, que já tem na ilha uma centralidade de startups, será aprofundada com o PS.
Ainda que a posição de defesa manifestada para com o CINM seja de inequívoco apoio — “somos absolutamente intransigentes” no apoio, diz o socialista –, o PS já tem destino para o produto da coima europeia aplicada sobre as empresas que receberam incentivos a que não tinham direito: a habitação pública. Para ela, o programa eleitoral do PS prevê arrendamento com direito de preferência. O partido vê duas fontes de financiamento para a construção, o orçamento regional e as centenas de milhões de euros a que a justiça europeia condenou as empresas a devolver ajudas indevidas. Dos 839 milhões, as finanças arrecadaram apenas 66 milhões, explica o candidato. Sobram mais de 750 milhões para ajudar a resolver este problema de dimensão nacional.
“Temos muita habitação a ser construída na região, mas é de luxo”, diz Cafôfo, afastando uma decisão de “limitar ou restringir” a construção de luxo. “A única forma é a construção e reabilitação massiva por parte do Governo regional, fazendo com que a valorização de preços possa baixar, e a habitação seja acessível à classe média e mais baixa”. Para já, são 4.000 as pessoas que procuram ajuda do Governo regional para ter um teto, diz. Com o Funchal sob pressão urbanística, a localização desta nova habitação poderia ser os concelhos a norte, territórios de baixa densidade e mais despovoados, explica.
“Madeirenses e porto-santenses, cuidado com as promessas”, diz por seu turno o líder social-democrata num dos vídeos de campanha, apresentando “quatro maravilhosas casas” junto ao farol de São Jorge, “investimento do Governo de 520 mil euros”. Noutro vídeo: “antes de o Governo ter sido deitado abaixo sem qualquer razão, estava previsto lançarmos um concurso para ceder terrenos perto do Tecnopolo, ao pé da Universidade da Madeira, para desenvolvimento de 220 fogos no regime de habitação cooperativa […] colocados no mercado 30% abaixo do valor”. Também no Facebook, aparece de binóculos em punho, “a tentar ver as casas que foram construídas pela JPP em 12 anos de mandato… nem com estes binóculos se consegue ver nenhuma”, diz, jocoso.

PSD em queda constante desde final do Jardinismo
Cafôfo adverte para uma potencial “bomba relógio” da vitória laranja, considerando os casos na justiça. Albuquerque responde com a incapacidade dos socialistas em se entenderem com o JPP, exposta, diz o social-democrata, no momento em que empurraram o seu Executivo, mas não conseguiram chegar a um consenso sobre qual dos dois partidos ficaria a liderar um Governo de coligação.
A história da liderança de Albuquerque tem sido feito em rota descendente. No domingo se saberá se inverte, com a maioria que a sondagem da Intercampus admite.
Em 2019, depois da última maioria absoluta do PSD, alcançada pelo atual líder apenas nesse primeiro ato eleitoral sem Alberto João Jardim, o PSD caiu 200 votos e o CDS perdeu mais de metade da base eleitoral, mas ainda assim somaram 24 mandatos e governaram.
Veio setembro de 2023 e com esse mês uma instabilidade governativa que em pouco se distingue das quedas de Executivos na República. A AD, em coligação pré-eleitoral, ficou a um mandato da maioria, com 58.399 votos, valendo-lhe a deputada do PAN, que poucos meses bateria com a porta. O PS, já com Cafôfo ministro no Governo de António Costa, perdeu mais de 40% dos seus eleitores, ficando-se pelos 21,3%, e o JPP quase triplicou votos, para 11,03%. Uma possível “geringonça” de esquerda com PS, JPP, PCP, BE e PTP era ainda curta: teria 19 deputados.
Foi exatamente esse o número alcançado pelo PSD em 26 de maio de 2024, oito meses após aquela que tinha sido a terceira eleição de Albuquerque desde 2015. Há um ano, o PSD tinha pouco mais de 49 mil eleitores, quase dez mil menos que em 2015 e 2019, e bem longe dos 71.500 da última eleição de Alberto João Jardim. A juntar à perda interna, o PSD ficava abaixo dos 20 deputados da soma de PS e JPP.
À direita contavam-se 26, mas bastaram seis meses e umas semanas para que o resultado final fosse a queda do Governo no parlamento regional em dezembro, no seguimento de uma moção de censura.
Se a sondagem da Intercampus estiver correta e o PSD alcançar a maioria, será uma reedição da vitória de 2015, a primeira sem Jardinismo.
Ainda assim, uma nota aritmética: em 2011, última candidatura de Alberto João Jardim, dos 147.344 madeirenses e porto-santenses que foram às urnas, 71.556 votaram no histórico líder. Em 2024, entre 135.909 votantes, a direita na sua totalidade, incluindo PSD, CDS, Chega e IL, somou 70.510.
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