O caderno de encargos das televisões para o próximo Governo e os desafios do setor
Acabar com a publicidade na RTP, adotar ações em relação às big tech que "roubam" receitas publicitárias e conteúdos ou rever as leis da rádio e televisão são algumas das reivindicações.

Os líderes dos três canais televisivos em sinal aberto — RTP, SIC e TVI — apontaram esta quinta-feira o seu “caderno de encargos” para o Governo que saia das eleições legislativas de 18 de maio. As ideias foram defendidas no painel “Posicionamento dos Media no Futuro Global”, durante o 10º Encontro de Produtores Independentes de Televisão, organizado pela APIT, e que decorreu esta quinta-feira, em Lisboa.
Francisco Pedro Balsemão, CEO do grupo Impresa, começou desde logo por responder que o novo governo deve “encontrar uma forma executiva para conseguir impor que a RTP deixe de ter publicidade“.
O CEO do grupo dono da SIC e do Expresso defendeu ainda uma ação por parte do Governo em relação ao impacto das big techs e da inteligência artificial generativa, nomeadamente no que diz respeito à usurpação da propriedade intelectual, defendendo que “há formas de o governo poder trazer estes players para a conversa e, não só de uma forma executiva mas também tecnológica, conseguir chegar a acordo com estes players” e, assim, proteger o ecossistema mediático português.
Sobre a questão da RTP, Nicolau Santos, presidente do conselho de administração do operador público, defendeu que o problema da publicidade em televisão se resume ao facto de o investimento ter passado de 400 milhões há 15 anos para 200 milhões atualmente, dos quais a RTP capta “apenas” 25 milhões. “Pergunto se [os canais privados] vão resolver os seus problemas com 25 milhões e se esta publicidade vai sair da RTP vai para esses operadores? Não, vai sair para as big techs. A publicidade que saia da RTP não vai para os operadores privados“, argumentou.
Em relação à RTP, Pedro Morais Leitão defendeu a necessidade de uma “visão a longo prazo” quanto ao futuro do canal público de televisão português, observando que em 2004 já se falava que a publicidade na RTP ia acabar e que passados 20 anos a situação é a mesma. “Estamos aqui a discutir o futuro, quando não sabemos o que é o futuro da RTP e em que medida isso afeta os canais privados“, argumentou o CEO da Media Capital.
Continuar o apoio do Estado à produção é também “muito importante”, particularmente no que diz respeito a “produção que possa viajar, ou seja produção que não seja só para Portugal mas que possa viajar pelo menos para todo o mercado de língua portuguesa”, apontou o responsável do grupo dono da TVI.
Além disso, Pedro Morais Leitão sugeriu ainda que o próximo Governo considerasse fazer parcerias público-privadas na produção de conteúdos. “Nós estamos a fazer a nossa quota-parte de investimento para promover a produção nacional, mas achamos que isso é um desígnio nacional e que devia ser apoiado pelo Governo”, argumentou.
Encarando como positivo o regime de incentivos e de linha de apoio à produção audiovisual já existente, Francisco Pedro Balsemão apontou também, no entanto, que os valores em causa ainda não são os ambicionados. Tal como Trump defende a máxima “make Hollywood great again“, em Portugal devia-se apostar em “make produtores great again“, defendeu perante uma plateia de profissionais do setor e na qual também estava Carlos Abreu Amorim, o ainda secretário de Estado com a pasta da comunicação social.
“Não somos de estender a mão, mas o mais importante é que o Governo perceba e tome este tipo de decisões”, percebendo a importância que os media têm para o país, para a democracia, para a cultura e para economia, defendeu.
Nicolau Santos apontou ainda que o Governo conseguiu avançar com a celebração de um novo contrato de concessão da RTP, além de estar a trabalhar na revisão da lei da rádio e televisão. “Penso que estávamos num bom caminho, veremos o que acontece nas eleições, mas acho que faz todo o sentido manter aquilo que estava planeado“, afirmou.
Media Capital aponta investimento de 100 milhões em cinco anos na produção audiovisual
Pedro Morais Leitão disse ainda no debate que as empresas da Media Capital planeiam investir 50 milhões de euros na área da produção audiovisual até 2030 e que, e em cima disso, os acionistas da Media Capital vão investir também cerca de 50 milhões de euros no “Media City”, espaço para onde o grupo vai transferir as suas instalações.
“Na prática vamos investir, até 2030, 100 milhões de euros no que é essencialmente produção audiovisual, algo que é concorrente com os produtores independentes, mas que acredito que reverterão também a favor de todos os que estão aqui presentes. Achamos que isso vai trazer infraestrutura, meios, que possibilitarão projetos com escala, que é uma das tendências importantes em relação aos projetos audiovisuais”, afirmou no evento promovido pela Associação de Produtores Independentes de Televisão (APIT).
“Quando temos 120 esquemas de apoio à produção audiovisual espalhadas pelo mundo inteiro, não podemos acreditar que Portugal irá ganhar muitos mais ‘Fast and Furious’ e outras produções dessas de Hollywood, sem ter um esquema de apoio a essas produções muito competitivo. Essas produções virão para cá se o nosso esquema for mais competitivo que os outros, ou seja, se dermos mais dinheiro a essas produções para virem para cá. E nós achamos que esse dinheiro será melhor utilizado se investirmos em projetos de produção local“, acrescentou.
Esta é assim encarada como uma “grande aposta na produção audiovisual independente dos grandes streamers, que é quem está a consolidar todo o investimento em produção audiovisual a nível mundial“.
Plataforma de streaming conjunta não convence privados
Sobre a parceria que a TVI tem com a Prime Video, Pedro Morais Leitão disse que o grupo está “muito contente” mas que tem “consciência que está a dormir com o inimigo”. “Estamos a correr riscos ao alimentar a presença aqui de alguém que tem capacidade para consolidar todo este setor“, disse.
Nicolau Santos apontou também que a RTP Play foi a primeira plataforma de streaming a surgir em Portugal, sublinhando que a mesma é gratuita [graças à contribuição audiovisual] e que atraiu 9,8 milhões de visitantes no ano passado. “Isto quer dizer que existe mercado, que têm potencial, e que estas plataformas têm de ser rentabilizadas“, sendo essencial adequar os preços à capacidade e interesse das pessoas em Portugal.
A ideia de criar uma plataforma de streaming conjunta entre as três televisões, o que “não é fácil” mas permite “ganhar dimensão e alguma massa cinzenta”, foi novamente defendida por Nicolau Santos. “Ganharemos todos mais se conseguirmos uma plataforma conjunta para nos apresentarmos lá fora do que se cada um tentar trilhar o seu caminho. Não é fácil, mas acho que é algo que faz sentido. Cada um tem êxito com as suas parcerias internacionais, mas são êxitos que se calhar acabam por ficar limitados por não estarmos em conjunto”, defendeu o presidente do conselho de administração RTP.
Isto até porque a concorrência das televisões já não é interna mas sim com as plataformas internacionais, como a Netflix ou a Amazon, mas também com outras plataformas como o TikTok, que capta a atenção de milhões de pessoas, ou a Google que utiliza os conteúdos produzidos pelos media. “O nosso problema é a concorrência destas plataformas de streaming que estão a entrar no nosso negócio, transmitindo eventos musicais e desportivos, e isto representa um grave risco, porque temos de continuar a dar as nossas histórias”, observou.
Francisco Pedro Balsemão não considerou, no entanto, que as plataformas de streaming sejam o inimigo, argumentando que o maior concorrente das televisões é, na verdade, o YouTube, estando-se a viver uma “guerra entre o long-form e short-form“. “A concorrência é global, mas neste caso estamos mais do mesmo lado das plataformas de streaming“, disse, avançando que a Impresa é a única empresa de media em Portugal com uma plataforma de streaming paga — a OPTO –, a qual já conta com um “número significativo” de assinantes, numa ordem superior a 35 mil.
Em relação à OPTO, o grupo tem apostado nas séries, “mas é importante dizer que a novela não deve ser vista como o parente pobre da ficção“, defendeu também o CEO da Impresa. “E vemos agora este interesse por parte das plataformas de streaming pelo género de novela. A estratégia destas plataformas passa por atrair mais assinantes e utilizadores, mas também por reter os que já lá estão e isso passa por estes conteúdos que têm mais episódios, pelo que é importante quando se falar em linhas de apoio à operação audiovisual, que também se valorize este produto“, argumentou.
Pedro Morais Leitão também não pareceu deixar-se convencer com a ideia de uma plataforma de streaming comum entre as três televisões, argumentando desde logo que Portugal sofre de um “problema de escala”, o que torna “quase uma perda de tempo” concorrer por publicidade com as grandes plataformas, as quais “estão sempre dois passos à frente a nível tecnológico”
“E nas plataformas de streaming é igual. É estarmos sempre dois passos atrás porque os concorrentes internacionais estão sempre mais avançados tecnologicamente e têm essa maior capacidade de investimento em tecnologia. Mesmo que estejamos os três juntos“, disse o CEO da Media Capital.
Sobre a compra dos direitos televisivos dos jogos do Moreirense por parte da TVI, e sem avançar se avançaria para acordos idênticos com outros clubes, Pedro Morais Leitão disse que aquilo que “parece uma loucura para a maior parte das pessoas” foi feito para “perturbar o estado de coisas que se tinha cristalizado na televisão paga em Portugal e que, na prática, está a prejudicar socialmente o desporto e o futebol, em favorecimento de um congelar da evolução do mercado da televisão paga”.
Recorde-se que a TVI chegou a acordo com o Moreirense Futebol Clube em novembro passado para transmitir nos canais do grupo os jogos em casa do clube minhoto. Este acordo marca o regresso do campeonato de futebol à televisão em sinal aberto já a partir da próxima época desportiva e por um período de três anos.
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