Vinda do Brasil para liderar a comunicação da Repsol em Portugal, Beatriz Giacomini, na primeira pessoa
Trocou o foco industrial do negócio da Repsol pelo da relação com o cliente, e o Rio de Janeiro por Lisboa, onde encontrou segurança. Estuda italiano e está atenta ao panorama cultural português.
Com mais de 25 anos de experiência profissional, Beatriz Giacomini já dedicou quase metade (13 anos) à Repsol. A trajetória na marca de energia e petroquímica começou a ser construída no Brasil até que, há quase um ano e meio, atravessou o Atlântico para vir liderar a comunicação e relações externas da marca em Portugal.
Depois de 12 anos de Repsol no Brasil, e numa altura em que era responsável pela comunicação, relações institucionais e governamentais e sustentabilidade da marca no país, Beatriz Giacomini começou a desenhar o seu plano de carreira “de uma maneira diferente”, pensando no futuro e em ampliar o seu horizonte e experiência dentro da empresa.
“Não foi difícil perceber para onde é que a empresa também apontava as suas apostas. O Brasil tem projetos muito importantes dentro do portfólio da Repsol, mas são projetos de longo prazo. É uma experiência que difere muito dos países onde há um negócio de clientes, que é muito mais dinâmico, ativo, e que tem outras exigências e tempos de comunicação“, diz ao +M, explicando que as operações da Repsol no Brasil são de exploração e produção de petróleo e gás, não trabalhando atualmente a área de clientes, detendo assim um perfil industrial e diferente daquele que a marca tem em Portugal.
Isto tendo também em conta que a Repsol começava a diversificar-se e a investir, por exemplo, no negócio de eletricidade e em negócios de baixas emissões de carbono, sendo que a Península Ibérica “correspondia, no plano estratégico da Repsol, a 60% dos seus investimentos”.
“Para alguém que estava a pensar como desenvolver a sua carreira dentro da empresa, foi fácil perceber que era nesse território que havia uma perspetiva interessante não só de negócio, mas também de carreira. Portugal e Espanha pareciam-me igualmente interessantes, mas em Portugal temos o benefício da língua, o que é uma facilidade para fazer uma mobilidade internacional“, afirma.
Beatriz Giacomini apontou assim a vinda para Portugal como objetivo de carreira, até que chegou um momento em que o responsável pela área em Portugal se iria aposentar, pelo que se candidatou à sua vaga. Com o apoio da empresa, tornou-se assim a responsável pela comunicação e relações externas da Repsol em Portugal há quase um ano e meio.
Foi então que se deparou com um “contexto de negócio realmente diferente“, pelo que, num misto de surpresa e curiosidade, passou por um “processo de adaptação” à nova fase da sua carreira. “Mas são riscos e tomadas de decisão interessantes para se ter numa carreira dentro de uma empresa como a Repsol. Acho que é uma sorte poder fazer esse tipo de movimento“, sublinha a diretora de comunicação de 47 anos.
A maior diferença na mudança entre os dois países e, no fundo, áreas de negócio, são mesmo “os tempos“, aponta. Num ambiente de negócios da área industrial, tratam-se projetos de longo prazo que exigem outros tempos, mas que também requerem outras necessidades de comunicação. “Havia um contexto muito maior, mais estratégico de comunicação institucional e governamental, de relação com stakeholders, que não só o Governo e instituições, mas também públicos de áreas de influência, comunidades, ONG, universidades ou centros de pesquisa, e a comunicação interna, que tem sempre bastante importância”.
“Já em Portugal deparo-me com um portfólio de negócios que exige uma comunicação constante com os clientes e que começa, obviamente, nas estações de serviço, que são um dos nossos principais pontos de contacto”, mas exigindo também presença na media e nas redes sociais, explica a responsável.
As redes sociais são, na verdade, um dos projetos “mais exigentes ao nível estratégico dentro da gestão da comunicação” na Repsol. “A nossa presença nas redes sociais é relativamente recente e tem-se tornado cada vez mais importante como local de diálogo e de formação dessa comunidade digital da Repsol. E nos últimos anos temos conseguido avançar de uma maneira bem interessante neste território”, observa.
Recentemente, a marca lançou-se no TikTok, sendo que já estava presente no Facebook e Instagram. Neste trabalho desenvolvido no âmbito das redes sociais, a Repsol conta com o apoio da agência Esta Pasando. Beatriz Giacomini conta também na sua equipa com outras três pessoas e com o apoio da LLYC, como agência de comunicação.
Em junho, a Repsol apostou na evolução da sua marca, reforçando a sua “estratégia multienergética centrada no cliente“. A referência que existia da Repsol “sempre foi muito forte como vendedora de combustíveis, de estações de serviço, e também na área industrial. Nos últimos anos, a empresa tem vindo a fazer uma transformação de oferta de produtos e serviços e nós achámos que a imagem da marca precisava refletir e fazer jus ao que a Repsol se tornou, que é afinal uma empresa multienergia, que oferece diferentes soluções energéticas para diferentes necessidades”, explica Beatriz Giacomini.
“Houve sempre uma preocupação de que a marca fosse a mesma, não mudámos a nossa marca mas atualizámo-la. Tem agora um novo visual e um novo slogan — “Com toda energia” –, que procura esse sentido de ter várias soluções energéticas, mas também a alegria e entusiasmo que sugere uma mudança como esta“, acrescenta.
A diretora de comunicação e relações externas diz mesmo que foi feita uma “transformação” na marca. Estando o cliente “no centro de tudo”, houve uma “grande preocupação de que a marca pudesse sobreviver no ambiente digital, ser mais flexível e dinâmica, e proporcionasse uma conversa mais fluida e mais próxima das pessoas — algo que passa pelo ambiente digital e redes sociais –, para fortalecer a nossa comunidade e criar conversas autênticas com os clientes, que são a nossa audiência“, aponta.
A chegada do Guia Repsol a Portugal, enquanto conteúdos de oferta de lazer, viagem, bem-estar e comida, também abriu um “espaço de diálogo muito interessante“. “São espaços e territórios de conversa que têm sido estratégicos e importantes para nós”, diz a responsável, que aponta ainda o MyRepsol, programa de fidelização que se materializa numa app que concentra a oferta e benefícios para os clientes, como outro elemento central na estratégia da marca.
Recuando até aos primeiros passos da sua carreira, Beatriz Giacomini começou por se formar em Comunicação com especialização em Publicidade, tendo começado o seu percurso profissional no departamento de comunicação da SESC São Paulo Serviço Social do Comércio, instituição com a missão de proporcionar lazer e bem-estar aos empregados do comércio e serviços com atividades educativas, culturais e desportivas.
Foi aí que se “encantou” pela área cultural, migrando da comunicação para a gestão cultural, nomeadamente nas artes visuais, tendo depois feito uma pós-graduação em Gestão Cultural e um mestrado em Arte.
Depois de quase dez anos no SESC, Beatriz Giacomini queria uma nova oportunidade. O facto de ter conhecido o seu atual marido — músico e do Rio de Janeiro — alimentou a vontade de uma mudança para o Rio de Janeiro, que aconteceu no final de 2009. Pelo seu percurso no SESC São Paulo — “que é uma referência muito importante no Brasil” — não foi difícil encontrar uma “porta aberta”, através da qual entrou para a Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa do Rio de Janeiro, para assumir o cargo de coordenadora de projetos culturais na Casa França-Brasil.
Cerca de um ano depois, foi convidada pela Repsol para participar num processo de seleção para o cargo de gestora de comunicação e relações externas. “Eu não tinha muitas referências sobre a Repsol, mas ir para um universo corporativo chamou-me à atenção. Mas foi a minha experiência na cultura e em instituições com um caráter social que fizeram com que eu fosse uma candidata interessante para a Repsol naquele momento e que fez com que eu também achasse que podia aportar algum valor à empresa”, recorda.
Passou então, dentro do departamento de comunicação da Repsol, a ser responsável pela atividade de gestão de responsabilidade social, “um tema que estava a começar a nascer nas empresas”. Naquela altura, a atividade de responsabilidade social “ainda era um misto de patrocínio com caridade e voluntariado”.
“A empresa tinha uma boa vontade de fazer as coisas bem, de fazer coisas boas e de dar retorno às comunidades, mas ainda estava a tentar encontrar um caminho. E eu acho que cheguei num momento importante para fazer com que a responsabilidade social ganhasse aqui um viés mais estratégico”, afirma.
Acabou por também se apaixonar pelo tema, pelo que procurou fazer outra especialização, nomeadamente com um MBA em Economia e Gestão da Sustentabilidade. “Muito envolvida com essa gestão das ações de sustentabilidade” da empresa, Beatriz Giacomini sente-se orgulhosa de “ter feito parte do grupo que levou à adoção dos objetivos de desenvolvimento sustentável na Repsol, com o ISO 26000, que continua a ser o referencial da empresa neste tema”.
Durante esse período foi assim responsável pela gestão da sustentabilidade da Repsol no Brasil, mas também pela gestão de projetos de investimento comunitário e de patrocínios, tudo dentro da área da comunicação. “Ou seja, nunca perdemos de vista a importância que estes investimentos e ações, que eram completamente voluntárias, também acrescentavam valor à nossa imagem, à nossa reputação, ao nosso relacionamento“, diz.
Pouco depois assumiu a gestão da área, como um todo, passando a dedicar-se à comunicação “de uma maneira ainda mais estratégica”, ficando responsável pela comunicação, relações institucionais e governamentais e sustentabilidade da empresa no Brasil, até que veio depois para Portugal.
Já no país, é na Quinta do Lambert, no Lumiar (Lisboa) que Beatriz Giacomini vive com o marido e o filho de 11 anos. Giacomini já tinha visitado Portugal mas, vivendo agora no país, confessa que a questão da segurança foi o que mais a impactou.
“Sou de São Paulo e vivi no Rio de Janeiro cerca de 14 anos. Nunca me aconteceu nada, mas havia sempre aquela apreensão de ter de haver muito cuidado com tudo. A questão que mais me chama a atenção é esta sensação de segurança, onde não é preciso ter tanta preocupação ao fazer coisas básicas, como andar na rua com o telemóvel ou andar com o carro de vidro aberto”, diz.
Também pelo seu histórico e gosto pessoal, tem estado muito atenta ao panorama cultural em Portugal, achando “muito interessante” o que tem sido feito em Lisboa em termos de festivais — até porque é também uma área onde a Repsol tem investido em termos de patrocínios — e tentando perceber como a cultura está a ser apresentada e quais são as pessoas que começam a ganhar voz.
António Zambujo é um artista que considera que trabalha a música tradicional portuguesa “de uma maneira muito interessante e mais contemporânea, misturando muitas referências, incluindo brasileiras”. Mas também outros artistas lhe chamam a atenção como Selma Uamusse ou Dino D’santiago, achando “incrível” a forma como este último traz para a discussão “temas super contemporâneos como a africanidade, a política e a migração”.
“Todos esses atores vão trazer um resultado e um impacto interessante para a cultura portuguesa, nesse caldeirão de misturas que se está a formar“, afirma.
Beatriz Giacomini destaca também “como se vive bem em Lisboa”, exemplificando com o Fnac Live, um festival aberto ao público que decorreu a 7 de junho e que foi patrocinado pela Repsol. “Foi uma experiência incrível, com uma paz, uma calma, um saber viver, um saber estar. Acho que foi um momento super agradável de convivência e de desfrute da cultura”, recorda.
Sendo também italiana, Beatriz Giacomini tem procurado aprimorar a língua, através de estudo, aulas e leitura de livros em duas versões (português e italiano).
Em termos de leituras, aprecia particularmente José Eduardo Agualusa, sendo que um dos poucos livros que trouxe do Brasil foi “Nação Crioula”. “O multiculturalismo é um tema que me chama sempre muito a atenção e que é um aspeto da questão social muito positivo. Embora haja muitos desafios, e isso tem que ser muito bem cuidado, mas do ponto de vista cultural vejo como super interessante“, explica.
Analisando-se a si mesma, define-se como uma “líder colaborativa“. Embora desempenhe um papel que envolve “mostrar caminhos e em que é preciso assumir responsabilidades”, procura, “acima de tudo, ser uma pessoa muito próxima e muito colaborativa“.
Além disso, considera-se também uma pessoa que arrisca, apresentando como prova disso mesmo as mudanças que fez ao longo da sua vida, nomeadamente o movimento que fez de São Paulo para o Rio de Janeiro, antes de cruzar o Atlântico, para Lisboa. “Nunca vamos ter o melhor momento e todas as respostas para tudo, acho que é preciso tomar algum risco para se vivenciar algumas coisas na vida. Então tenho corrido riscos e acho que é isso que me tem proporcionado emoção e movimento na minha carreira e na minha vida pessoal“, conclui.
Beatriz Giacomini em discurso direto
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1 – Qual é a decisão mais difícil para um responsável de comunicação?
Com um leque cada vez mais amplo de exigências, equipas reduzidas e profissionais multifacetados, acredito que a decisão mais difícil para um responsável de comunicação é justamente a priorização de assuntos a gerir. É um desafio constante identificar quais necessidades devem receber atenção imediata porque terão maior impacto e saber abrir mão de iniciativas ou ideias que precisarão ser adiadas. Essa decisão nem sempre é fácil, pois pode gerar frustração ao confrontar o que gostaríamos ou achávamos que deveríamos fazer com aquilo que realmente é possível executar.
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2 – No (seu) top of mind está sempre?
A responsabilidade de cuidar da reputação da empresa, garantindo que a mesma é percecionada como transparente, confiável e relevante no mercado. Entendo que a publicidade é uma ferramenta poderosa e sedutora para promover uma marca, mas sozinha não basta para construir uma imagem sólida. A imagem corporativa é resultado de uma comunicação integrada, que envolve relações-públicas, comunicação institucional, relacionamento com stakeholders e ações consistentes no tempo. Por isso, no meu horizonte está sempre essa visão integrada.
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3 – O briefing ideal deve…
Ser claro, concreto, transparente e resumir-se ao essencial.
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4 – E a agência ideal é aquela que…
Vai muito além de executar uma única tarefa ou uma campanha pontual e demonstra disponibilidade em compreender a marca e a cultura da empresa. Por estar do lado de fora da organização, a agência tem um papel fundamental em trazer novas perspetivas, ideias inovadoras e desafios que ajudem o cliente a expandir a sua visão e a renovar a sua comunicação.
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5 – Em comunicação é mais importante jogar pelo seguro ou arriscar?
Na comunicação corporativa, acredito que a base deve ser sempre a atuação preventiva e estratégica, ou seja, agir por antecipação para evitar crises e fortalecer a reputação. Contudo, para realmente conquistar corações e mentes — gerar impacto e engagement — é necessário, sim, estar aberto a correr certos riscos, inovar e explorar abordagens criativas. Vejo essa combinação entre segurança e ousadia fundamental para construir uma comunicação eficaz e relevante.
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6 – Como um profissional de comunicação deve lidar e gerir crises?
A experiência mostra-nos que um profissional de comunicação deve agir de forma rápida, transparente e coordenada ao lidar com crises. Ter um processo interno de gestão de crise bem estruturado é fundamental, assim como promover formações e simulações periódicas para preparar toda a equipa. Essa preparação permite compreender melhor a real dimensão do problema, quando e se ele acontecer, identificar os riscos reputacionais, tomar as decisões necessárias e agir com celeridade e eficácia. Contudo, o mais importante é evitar que as crises ocorram, ou seja, ter a capacidade de antecipar problemas e evitá-los antes que se transformem numa crise.
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7 – O que faria se tivesse um orçamento ilimitado?
Se eu tivesse um orçamento ilimitado investiria cada vez mais na criação de conteúdos próprios e autênticos sobre a marca. Acho que as marcas de luxo no mundo da moda descobriram um modelo muito interessante ao contar as suas histórias através de séries envolventes, como a Chanel, Dior e Balenciaga. Assumir a narrativa da marca de forma genuína e emocional é uma estratégia certeira para conectar profundamente a marca com o público, gerar engagement e construir relacionamentos duradouros.
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8 – A comunicação em Portugal, numa frase?
Tenho visto que a comunicação em Portugal parece navegar entre o tradicional e o exclusivo — como o pastel de nata e o pastel de Belém. É curioso como, num país tão pequeno, existem tantas particularidades culturais para descobrir. Percebo também uma linguagem bastante literal, menos inventiva, talvez porque muitas vezes se diz “As pessoas não vão perceber”. Sinto que, em algumas ocasiões, subestima-se a inteligência do público.
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9 – Construção de marca é?
Consistência, conexão e emoção.
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10 – Que profissão teria, se não trabalhasse em comunicação?
A minha formação multidisciplinar em comunicação, cultura, artes e sustentabilidade proporciona-me uma grande flexibilidade profissional. Arrisquei-me a estudar e a vivenciar diferentes áreas no meu percurso. Mesmo que o meu dia a dia atual seja focado em competências específicas da comunicação, valorizo muito todas essas áreas e lanço mão desse conhecimento sempre que necessário, pois, de certa forma, procurei uma relação entre elas. Eu seria muito feliz a liderar projetos e equipas em qualquer uma dessas áreas, mas mantenho sempre a porta aberta para novos conhecimentos, acho que é o melhor dos riscos que podemos correr.
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