“Se existisse uma saída abrupta de imigrantes, a hotelaria estaria em risco”
A falta de habitação e a urgência da integração foram os dois grandes temas que marcaram o debate do ECO Local em Faro sobre os desafios e oportunidades da imigração em Portugal.
Depois de passar por Coimbra e pelo Porto, o ciclo de conferências ECO Local chegou a Faro, para discutir os desafios e as oportunidades da imigração em Portugal, num contexto de crescimento significativo e rápido do fluxo de chegada de cidadãos de outras nacionalidades.
Rogério Bacalhau, presidente da Câmara Municipal de Faro, sublinhou a importância da discussão deste tema, principalmente, para a capital algarvia, o segundo distrito do país com maior número de estrangeiros residentes. “Somos o epicentro de uma mudança que exige respostas inovadoras e humanistas”, diz o autarca.

Apesar de reconhecer as oportunidades inerentes à imigração, o autarca alerta para os riscos crescentes, nomeadamente o tráfico de pessoas concentrado na exploração laboral, que, segundo disse, aumentou 158%, sobretudo em setores como a agricultura intensiva e a restauração.
Rogério Bacalhau salientou várias vezes ao longo do seu discurso a importância do olhar sobre o outro, sem esquecer a sua própria humanidade. “É nosso dever, enquanto cidadãos e responsáveis públicos, olhar para cada pessoa imigrante como olhamos para nós mesmos, pessoas livres, responsáveis, solidárias e participantes do bem comum”, afirma.
O Presidente alertou ainda para o facto de existirem “vozes radicais que procuram erguer muros de intolerância e xenofobia” e afirmou que “faltava apenas manter viva uma visão partilhada que transforme os desafios da imigração em oportunidades de futuro, com mente aberta, responsabilidade coletiva e respeito público”.
Será a falta de habitação a principal responsável?
A falta de habitação é um dos maiores entraves na contratação e também na integração. Este é um problema que é muito comum na agricultura, mas que também é transversal a outros setores, como é o caso do turismo. Rosário Ribeiro, diretora de operações do grupo Vila Galé, cadeira hoteleira onde, na época alta, 30% dos colaboradores são estrangeiros, aponta precisamente a habitação como grande entrave à retenção de mão-de-obra. “Este ano foi um pouco mais fácil do que no ano passado, porque houve uma maior atenção nos salários”, diz. A diretora de operações defende a necessidade de apostar na qualificação e dar condições para reter a mão-de-obra, que continua a ser um problema neste sector.
"Tememos que as empresas que nos fornecem mão-de-obra possam estar, de alguma forma, a caminhar paralelamente à lei”
Na agricultura, o panorama não é muito diferente. José Oliveira, presidente da AlgarOrange, destaca igualmente a falta de habitação como um dos principais desafios. “No nosso setor, recorremos a empresas de trabalho temporário, não conseguimos arranjar habitação para os trabalhadores”. O responsável questiona: “como iremos conseguir trazer as pessoas de forma organizada?”
O gestor deixou ainda um alerta sobre as empresas de recrutamento. “Tememos que as empresas que nos fornecem mão-de-obra possam estar, de alguma forma, a caminhar paralelamente à lei”.
Para além desta preocupação, José Oliveira dirigiu-se ao poder local, levantando dúvidas sobre o uso do solo. “Há terrenos que têm todas as condições, mas estão caraterizados como rústicos. Será que faz sentido nos tempos que correm e, de acordo com as necessidades que temos, não se permitir uma solução rápida para aqueles terrenos”, questiona.

Juntamente com a questão da falta de habitação, José Oliveira sublinha a inexistência de mão-de-obra portuguesa disponível. “Não conseguimos encontrar portugueses para trabalhar e não é por uma questão de vencimento, porque a agricultura paga de forma idêntica ao turismo”, explica.
Isa Alves Dias, diretora de recursos humanos da Madrefruta, secunda a ideia da dificuldade em atrair trabalhadores. “Não há técnicos qualificados dentro desta área. Podemos procurar em outras universidades do país, mas depois entra o problema da habitação”, explica.
Apesar de nunca ter recebido queixas diretamente de trabalhadores, admite ter conhecimento de situações em que estas pessoas não vivem em condições dignas. “Se eu consultar a base de dados, consigo ver várias pessoas com a mesma morada. Somos nós empresas que temos de fiscalizar isto? Acho que não”, diz.
Questionado sobre o impacto de um eventual decreto de expulsão de imigrantes, José Oliveira diz que seria a “falência do sector”. Na mesma linha, Rosário Ribeiro sublinhou que “se existisse uma saída abrupta de imigrantes, a hotelaria estaria em risco”.
Integração dentro e fora das empresas
Marta Feio, vogal do Conselho Diretivo da AIMA, destacou a necessidade de garantir a dignidade de quem chega ao país, e realçou a importância da resposta local. Para a vogal, é necessário existir comunicação entre a administração pública e o setor social.
Na perspetiva das empresas, a integração começa por dentro. Marcelo Nico, diretor-geral da Tabaqueira, nota que a empresa disponibiliza cursos de português, e defende ser necessária uma troca de sinergias entre setores público e privado. A Tabaqueira emprega atualmente 500 colaboradores, dos quais 10% são estrangeiros, representando 37 nacionalidades. Na área tecnológica, a diversidade é ainda mais evidente: entre os 220 engenheiros do centro de desenvolvimento de software em Portugal, 20% são estrangeiros.

Isabel Jonet, presidente da Federação Portuguesa dos Bancos Alimentares Contra a Fome, recordou que Portugal foi sempre um país de acolhimento, recebendo ao longo das últimas décadas imigrantes dos países de língua oficial portuguesa e da Ucrânia. “Grande parte dos imigrantes não entraram em Portugal de forma clandestina e, na verdade, o número de imigrantes que chega não compensa o número de portugueses que emigra”, afirma.
De acordo com os números da Agência para a Integração Migrações e Asilo (AIMA), o país tem 1,5 milhões de imigrantes registados.
A responsável sublinhou ainda que criar barreiras à imigração agrava os problemas, alertando para uma perceção pública que nem sempre corresponde à realidade. “Não é por estes imigrantes terem uma cultura diferente que vamos marginalizá-los”, acrescenta.
Isabel Jonet refere que Beja é o terceiro concelho do país com mais pessoas em situação de sem-abrigo, resultado da falta de respostas de habitação para trabalhadores da agricultura, muitos deles contratados à jorna. “Quando não têm trabalho, e como não têm água e luz em casa, ficam na rua. E não é que estas pessoas sejam uma ameaça, estão a sobreviver”, explica.
Para a dirigente, o país enfrenta desafios como a barreira linguística e a ausência de redes de apoio para quem chega sozinho, mas a tradição portuguesa de acolhimento deve predominar, e deve existir uma mudança de perceção.
Um novo enquadramento político
No encerramento da conferência, António Leitão Amaro, ministro da Presidência, reforçou a necessidade de reorganizar a política de imigração do país. “Estávamos num lugar feio em termos de política e prática de imigração. Feio, desde logo, para os próprios imigrantes”, realça, por questões como “não conseguirem registar-se no centro de saúde, ou não conseguirem contratos de trabalho com a mesma dignidade”.

O ministro da Presidência refere que a “política das portas escancaradas” contribuiu para alguns destes problemas e sublinhou que a necessidade de o país “precisar de mão-de-obra para trabalhar não pode ser justificação para tudo.”
António Leitão Amaro afirma ser necessário limitar algumas destas entradas com reorientação para o trabalho qualificado que traga valor económico para o país. “A entrada de mais de 10% da população, com origens e características diferentes, pode ter um resultado extraordinariamente diferente à produtividade da economia, para o efeito dos salários, para a criação de riqueza, no perfil de qualificações e no ajustamento rápido para os processos económicos das empresas. Injetar no mercado, de repente, muita mão-de-obra adicional, não tem um efeito inequivocamente de adição de valor, se o perfil de qualificações não for o ideal para a economia”, alerta.
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