ECO da campanha. E quase tudo o Orçamento levou

No vendaval das contas que inundou o penúltimo dia na estrada, ficou de pé a ambição socialista de reconquistar Porto e Lisboa, e do Chega fechar o guarda-chuva do bipartidarismo nas autarquias.

Joaquim Miranda Sarmento ainda se preparava para sair do Terreiro do Paço para ir ao Parlamento entregar a proposta de Orçamento do Estado (OE) para 2026 a José Pedro Aguiar-Branco, e já José Luís Carneiro andava no Mercado do Bolhão a pregar a “liderança cosmopolita” de Manuel Pizarro em oposição a “um Porto acanhado e pequeno” que resultaria da liderança de Pedro Duarte.

No penúltimo dia da campanha e três meses após assumir a liderança do PS, o secretário-geral assumiu a reconquista do Porto e de Lisboa como “um objetivo político fundamental” nestas eleições, em que sente um “amplo movimento da sociedade civil” em torno do partido. Para Carneiro, o PS “vai reencontrar-se com os portugueses” e “voltar a ser a grande casa da democracia” do país.

Com Luís Montenegro focado no OE e ausente da campanha até à noite, André Ventura andou igualmente pelo distrito do Porto a antecipar a “quebra do bipartidarismo” também nas eleições de domingo: “Desde o 25 de Abril nunca tivemos nenhum partido a ameaçar também o domínio territorial autárquico de outros”.

Na feira semanal de Gondomar, ao lado do candidato Rui Afonso, avisou que os autarcas que venham a ser eleitos terão de ter “tolerância zero à corrupção”, pois “serão o modelo da governação do Chega”.

Já em Lisboa, a candidata do PS, BE e Livre teve direito a dois apoios de peso. O ex-autarca Fernando Medina, que há quatro anos perdeu para Carlos Moedas, foi ao bairro da Boavista, em Benfica, dramatizar o voto útil – “se há experiência que tenho da minha passagem autárquica é que todos os votos contam” – e dizer que “uma câmara liderada pela Alexandra Leitão terá menos tiktok e mais obras”.

Depois de ter passado a manhã no distrito de Setúbal, Rui Tavares deslocou-se até Lisboa para a já tradicional “pedalada”, um passeio de bicicleta que percorreu as freguesias do Areeiro, Alvalade e Avenidas Novas. Foi aí que o porta-voz do Livre rejeitou que o partido possa ser vítima de um “abraço de urso” do PS ao coligar-se com os socialistas nas suas maiores apostas nas autárquicas, apelando ao “voto responsável” no domingo.


Via redes sociais, o anterior líder socialista Pedro Nuno Santos começou por elogiar a “mulher inteligente, qualificada e com o coração no sítio certo” que escolheu para enfrentar “um mau presidente, [que] não resolveu nenhum dos problemas que herdou e agravou vários”.

O antigo ministro, que vai suspender o mandato de deputado a partir de 24 de outubro, acabou a avisar para os riscos da dispersão do voto neste campo político, advertindo que “o pior que poderia acontecer ao PCP era a coligação Viver Lisboa perder para Moedas por menos votos que os que o PCP e João Ferreira terão”.

“O eleitorado de esquerda de Lisboa não iria perdoar ao PCP”, vaticinou.

Do Instagram para o X e de Lisboa para Cascais, a candidatura de João Maria Jonet, antigo militante social-democrata que avança como independente para afrontar o sucessor de Carlos Carreiras, enquanto o PS tenta descolar de Judas, publicou uma fotografia com Mário Centeno, ex-governador do Banco de Portugal e antigo ministro das Finanças socialista, descrevendo “uma visita simpática” à campanha “para falar de contas certas”.

Tema quente

Líderes na campanha a fazer contas ao Orçamento

A apresentação da proposta de Orçamento do Estado para 2026, um dia antes do prazo previsto, acabou por eclipsar parcialmente o penúltimo dia da campanha eleitoral para as autárquicas, levando o presidente do PSD, Luís Montenegro, a realizar apenas dois comícios noturnos, em Lisboa e Sintra, e os líderes partidários na oposição a concentrar-se na leitura e na reação ao documento.

José Luís Carneiro abriu a porta à viabilização ao sublinhar que a proposta “correspondeu às exigências colocadas pelo PS, nomeadamente em relação às questões laborais, ao Serviço Nacional de Saúde, à segurança social pública e ainda ao tratamento fora do orçamento das questões de natureza fiscal”. Assegurou mesmo que honrará a palavra dada aos portugueses de “contribuir para a estabilidade política”.

André Ventura preferiu concentrar as dúvidas na tributação dos combustíveis, embora não haja novidades sobre a redução gradual do desconto no ISP com que o Executivo terá de avançar para satisfazer Bruxelas. Só acontecerá quando o preço do crude baixar, assegurou Miranda Sarmento, ao passo que pode haver mexidas na portaria a publicar no final do ano com a atualização das taxas de carbono. “O Chega não tolerará, na Assembleia da República, nenhum aumento sobre os combustíveis”, advertiu.

Ao lado do ex-ministro das Finanças e ex-autarca lisboeta Fernando Medina, Alexandra Leitão identificou um Orçamento do Estado com “algumas medidas que obviamente têm um objetivo eleitoralista”. Algo apontado igualmente pela porta-voz do PAN, Inês de Sousa Real, que advertiu que este “não pode servir como arma de propaganda eleitoral” nem para desviar as atenções.

Pela voz da líder parlamentar Paula Santos, o PCP manifestou “total oposição” à proposta orçamental com a qual acusou PS e Chega de estarem comprometidos, considerando que agrava as injustiças fiscais e particularizando a redução do IRC. Já a deputada do Livre, Patrícia Gonçalves, falou num documento antecipada para tentar “condicionar” o debate autárquico, com “pouca ambição política” e pensado para uma “aprovação mais facilitada” no Parlamento.

A figura

Manuel Pizarro no carinho do líder com direita ‘pegada’

Ao penúltimo dia de campanha, Manuel Pizarro teve finalmente o secretário-geral do PS ao seu lado, numa ação perto do Bolhão. Mostrou concordar com o apelo ao voto útil lançado pelo rival social-democrata Pedro Duarte, mas os pontos de contacto ficaram por aí. Aliás, o “candidato com os dois pés no Porto” acusou o ex-ministro de “parecer mais um delegado do Governo às eleições do Porto, em vez de ser representante do povo do Porto”.

Em sentido contrário, o líder da coligação PSD/CDS/IL, que de manhã percorreu a Rua de Serpa Pinto, atirou ao programa socialista, resumido em seis ficheiros powerpoints no site da campanha com medidas para a habitação, segurança, mobilidade, educação, cultura e inclusão. “O que conhecemos da parte do PS é muito pouco. Reduz-se a cinco mil casas [de rendas moderadas] e duas mesquitas”, criticou Pedro Duarte.

Longe dos favoritos, como mostrou a sondagem da Pitagórica publicada pelo ECO, Miguel Côrte-Real encontrou-se com André Ventura à porta fechada. Sem apontar metas para a noite eleitoral, disse esperar um “excelente resultado” neste que tem sido um concelho de difícil implantação para o partido.

Hélder Sousa quer o Livre a afirmar-se “não como quarta, mas como terceira força política” na cidade para “a partir do Porto [dar] uma lição de democracia ao país, deixando para trás a força da extrema-direita e tendo um papel fundamental nos destinos” da governação.

Côrte-Real, que até ao ano passado liderou a bancada municipal do PSD, tem acusado Pedro Duarte de imitar o discurso do Chega em matérias de segurança e de imigração. Ora, confrontado com o facto de a maioria dos portuenses considerar a imigração positiva para o município, o social-democrata reconheceu que “o Porto sempre foi uma cidade que gostou de acolher e integrar toda a gente”.

“Coisa diferente é acharmos determinados comportamentos toleráveis [por parte de] determinados grupos dentro da comunidade imigrante”, alegou.

De saída do poder está Rui Moreira, que optou por não declarar apoio a nenhum dos candidatos, embora todos queiram ficar com os votos que já foram seus – e alguns deles, como Filipe Araújo, que foi seu vice na Câmara e concorre como independente, até tenham dito que “intimamente” sentem o seu apoio.

Esta quinta-feira, na véspera de ceder um terreno ao FC Porto no último dia à frente da Câmara, Rui Moreira escreveu na sua página pessoal no Facebook que não apoia “nem pública nem intimamente” qualquer candidatura e mantém a “posição de neutralidade e independência”.

Os números

Os municípios vão receber 3.227,6 milhões de euros através do Fundo de Equilíbrio Financeiro, que representa a parte que cabe a estas autarquias nos impostos cobrados pelo Estado, de acordo com a proposta de Orçamento do Estado para 2026. Subvenção estabelecida na lei das finanças locais, equivale a 19,5% da média aritmética simples da receita do IRS, IRC e IVA cobrada pelo Estado.

Relativamente à participação de 5% no IRS dos contribuintes com domicílio fiscal no respetivo território, verba que os municípios podem escolher devolver na totalidade ou em parte aos munícipes, em 2026 as autarquias receberão 759,1 milhões de euros. Encaixam ainda 127,5 milhões relativos a uma participação de 7,5% na receita do IVA, de acordo com a lei das finanças locais.

A proposta atribui ainda uma subvenção de 296,4 milhões para o Fundo Social Municipal (FSM), que se destina especificamente a financiar competências exercidas pelos municípios na educação pré-escolar e do primeiro ciclo do ensino básico, assim como transportes escolares, assumidas antes do recente processo de descentralização.

Segundo o documento entregue esta quinta-feira no Parlamento, a participação de cada município nos impostos do Estado tem um crescimento nominal mínimo de 2,74% face ao valor do ano anterior.

 

A frase

"Íamos fazer o quê? Trair toda aquela gente com que estamos a lidar nos bairros, que exige transporte, habitação, as pessoas que sabem que não precisamos de hotéis, precisamos é de mais casas em Lisboa? João Ferreira deu a cara [como vereador] durante estes quatro anos por essa gente toda. Lisboa precisa da resposta da alternativa. Não precisa de derrotar Moedas e manter a política de Moedas.”

Paulo Raimundo

Secretário-geral do PCP, justificando a recusa de uma coligação pré-eleitoral com o PS em Lisboa

 

A surpresa

24 horas sem parar em Sintra

Na disputa autárquica com Marco Almeida (coligação PSD/IL/PAN) e Rita Matias (Chega), Ana Mendes Godinho cumpriu esta quinta-feira uma maratona de 24 horas de campanha. A protagonista da coligação “As Pessoas Sempre”, que junta o PS e o Livre, arrancou a iniciativa à meia-noite no Palácio de Queluz, na companhia de João Soares, número 1 à lista da Assembleia Municipal, e do eurodeputado Bruno Gonçalves.

A caravana percorreu depois a A16 com balões iluminados, a lembrar a promessa de acabar com as portagens nesta via, seguindo-se encontros com equipas de higiene urbana, polícias, bombeiros, profissionais de saúde e padeiros.

Depois de estar “junto destas pessoas que todos os dias trabalham para garantir que tudo funciona”, na estação de Algueirão Mem-Martins recebeu o apoio do ex-ministro Duarte Cordeiro. À hora do almoço encontrou-se com o porta-voz do Livre, Rui Tavares, em Negrais, onde comeu uma sandes de leitão na Tia Alice.

A ex-ministra socialista visitou ainda uma escola, clubes recreativos e desportivos, empresas do concelho, e assinou um protocolo com Pedro Santa Clara, diretor do TUMO Portugal, para levar este projeto para Sintra. Concluída a maratona de 24h, na sexta-feira de manhã vai encontrar-se com o líder do PS na estação de Queluz/Belas.

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