É preciso clarificar o papel do auditor. “Função principal não é ser whistleblower”, defendem especialistas
Há um "desalinhamento de expectativas" no mercado sobre qual a função concreta dos auditores, dizem especialistas, defendendo que é preciso perceber que a sua função não é evitar a fraude.
Há, hoje, ainda um “desalinhamento de expectativas” entre os agentes de mercado sobre qual é efetivamente a função do auditor. Especialistas defendem que tem de haver um esforço para “melhor comunicar as responsabilidades”, apontando que o papel destas entidades que fiscalizam as contas das organizações “não é ser um whistleblower”. Esta clarificação, dizem, pode ajudar a valorizar a profissão e, com isso, captar os recursos necessários para enfrentar os desafios que enfrentam atualmente, nomeadamente os elevados investimentos em novas tecnologias.
“Há alguma frustração por parte dos agentes de mercado relativamente à capacidade de os auditores corresponderem àquilo que é considerado que deve ser o seu contributo para o bom funcionamento do mercado”, afirmou Cristina Casalinho, administradora executiva da Fundação Calouste Gulbenkian, num webinar organizado pela CMVM sobre a atividade de auditoria. Isto num contexto marcado pela existência de vários casos polémicos, tanto em Portugal como no resto do mundo, que acabaram nos últimos anos por penalizar a confiança nas auditoras e na qualidade do seu trabalho.
De acordo com a ex-presidente do IGCP, “há muitas vezes a convicção de que os auditores serão responsáveis por evitar a fraude. Não é o caso. Os auditores devem fazer a avaliação correta do risco de fraude e da continuidade do negócio. A responsabilidade de evitar a fraude cabe à gestão. Se a gestão não desenvolver as medidas necessárias para evitar a fraude, não é uma melhor ou pior auditoria que evita isso”. É preciso perceber “porque há este desalinhamento de expectativas”, disse.
“Quem são os responsáveis pela qualidade da auditoria? Normalmente, pensamos logo nos auditores, mas há um conjunto de outras entidades que têm um papel importante, como, por exemplo, os órgãos de fiscalização, os reguladores, supervisores, quem prepara a informação financeira e os investidores”, referiu Ana Isabel Morais, presidente do comité de auditoria do Banco Santander e professora do ISEG.
“Tem de haver um esforço de melhor comunicar responsabilidades. A função principal não é ser um whistleblower”, reforçou Cristina Casalinho, defendendo que é “preciso valorizar a função de auditor”. Sem essa valorização, “dificilmente se conseguirá obter os recursos de que se necessita”, num período em que é preciso fazer investimentos avultados em tecnologia, mas também em pessoas, de forma a atrair e a reter talento nesta área. É preciso “começar a dizer aos clientes que têm de pagar preços mais altos pelo serviço”, referiu.
Novas competências para enfrentar o futuro
Os auditores “têm de aprender novas competências”, mas também tem de haver uma “mudança nas práticas de recrutamento nas firmas de auditoria”, ao procurar-se candidatos com formações mais diversificadas, e tem de se desenvolver “estratégias de retenção de talento”, indicou, por outro lado, Ana Isabel Morais, notando que hoje “falasse muito de IA, de análise de dados, mas o aspeto mais crítico em tudo isto é o impacto que isto tudo tem no comportamento humano e na própria cultura das empresas”.
Também Kara Stein, presidente do grupo de trabalho sobre a qualidade de auditoria do International Forum of Independent Audit Regulators (IFIAR), apontou, no mesmo evento, que “abraçar novas técnicas e ferramentas vai ser vital para os auditores de amanhã”. “Liderar uma empresa de auditoria nunca foi tão desafiante. A liderança deve promover a formação, encorajar os jovens a falar, mas não pode parar aí. Os líderes devem olhar para o futuro e saber navegar em águas difíceis”, acrescentou, frisando a importância de haver uma “cultura de ceticismo profissional” dentro das empresas.
Falhas persistem na auditoria
As auditoras têm feito um esforço para reforçar os controlos internos e a qualidade da verificação, mas, tal como tem sido apontado pelos reguladores, as falhas persistem. “A raiz das falhas está na relação entre o auditor e as empresas” por haver um “problema de agência única”, afirmou a presidente do comité de auditoria do Santander, isto porque os “auditores são contratados para auditar as entidades que lhes pagam os honorários, mas os auditores têm o dever de atuar no melhor interesse público”. Esta situação, referiu, pode “fazer com que haja incentivos para se diminuir a qualidade da auditoria”.
“Há um conflito de interesses notório”, reforçou Cristina Casalinho, apontando que “vai ser impossível eliminar todas as falhas de auditoria”. Para a administrativa executiva da Fundação Calouste Gulbenkian, a “única coisa que pode facilitar uma redução destas falhas é a regulação em termos da melhoria da qualidade da informação ao nível do auditor”.
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