Investimento na Defesa representa “5 ou 6 AutoEuropas” para economia nacional

Há que promover uma maior ligação entre indústria e defesa nacional e tirar partido das contrapartidas em futuras compras de equipamento militar.

Portugal já viu vários comboios passar, mas no caso da defesa não pode ficar na estação. Há que acelerar a ligação entre defesa e indústria portuguesa para tirar o maior potencial das compras de equipamento previstas para os vários ramos das Forças Armadas para a economia nacional, mesmo correndo o risco de Portugal ser o ‘mau aluno’ no que toca às decisões de compra do programa SAFE. Investimento no setor representa “5 ou 6 AutoEuropas” para a economia nacional.

“Quando discute, seja o programa SAFE, sejam outros programas europeus, o político português é sempre visto como um bom aluno”, atira José Neves. “Tem que ser um compromisso político que vamos ser piores [alunos] do que todos os outros, mas que vamos trazer o máximo retorno para Portugal”, atira o presidente da AED Cluster Portugal.

“Temos que ser muito mais agressivos, não podemos cumprir as regras, porque as regras… Na Holanda, antes de qualquer aquisição na área de defesa, primeiro assina o Ministro da Economia e depois assina o Ministro da Defesa, para ter a certeza que há economia e que há compromisso industrial no país”, exemplifica.

O presidente do AED Cluster dá o exemplo de Espanha, a propósito do programa SAFE. “Estava no Dubai e estava a falar com colegas meus de Espanha, que me diziam, ‘olha, eu hoje não posso ir à feira porque nós estamos a fazer propostas para o nosso Ministério da Defesa porque estão-nos a pedir cotações até ao final do mês de novembro’. E eu pergunto quantas cotações é que o Ministério da Defesa portuguesa está, neste momento, a pedir às empresas portuguesas?”, questiona durante o debate “Defesa, aeronáutica e espaço: de Bruxelas às fábricas e centros de engenharia em Portugal”, na conferência de lançamento do eRadar.

Até ao final de novembro o Governo português terá de enviar a Bruxelas uma ‘lista de compras’ onde vai aplicar os mais de cinco mil milhões de euros que o país tem disponível no âmbito do programa SAFE. Nuno Melo, ministro da Defesa, diz que em qualquer aquisição de equipamento o impacto multiplicador na economia nacional e o envolvimento da indústria local será “fator decisivo”.

José Neves, presidente do AED Cluster Portugal.Hugo Amaral/ECO

Para Adolfo Mesquita Nunes o “foco está certo”. Para o partner da Pérez-Llorca, há que “perder algum medo ou algum pudor de dizer ‘temos de utilizar esta capacidade aquisitiva para algo muito mais do que meramente adquirir, quer para o cluster da defesa, mas também quer para a economia nacional'”.

Majorar o contributo para a economia portuguesa no critério da adjudicação dos critérios de aquisição, faz “todo o sentido e isto é uma novidade, porque houve sempre em Portugal, tradicionalmente, um certo pudor em utilizar este género de afirmação”, argumenta o partner da sociedade de advogados. O que, lembra, contrasta com o que sucede em Espanha, “onde o discurso é este, mas que é este há muito tempo”.

Quando olha para a oportunidade que o setor de defesa pode trazer para a economia, Adolfo Mesquita Nunes compara com a AutoEuropa. Mas em muito maior escala. “Aqui estão mais do que umas 5 ou 6 AutoEuropas, a possibilidade do que há. E Portugal é ótimo para ter uma AutoEuropa. Mas nunca foi bom para generalizar o regime que permitiu a AutoEuropa”, diz.

Lançamento da nova marca do jornal ECO, o eRadarHugo Amaral/ECO

“Somos ótimos em casos de exceção. Somos péssimos na generalização. Convivemos muito bem com ‘vamos lá relaxar regras, vamos lá ser mau aluno, porque vamos buscar um investimento aqui. Ok, então vamos fazer isto possível para todos? Ah, isso é que não'”, crítica.

“Quando queremos majorar o impacto para a economia nacional, e devemos majorá-lo, isso é uma ciência”, diz. “Ou seja, não são critérios que vamos ao ChatGPT e ‘diz lá como é que eu majoro’. E há países, e Espanha é um caso desses, que tem décadas e décadas de erros e de acertos, que permitiu afinar e apurar de que forma é que isso acontece”, exemplifica.

Assista aqui ao vídeo do debate “Defesa, aeronáutica e espaço: de Bruxelas às fábricas e centros de engenharia em Portugal”:

Uma visão partilhada por José Neves. Para o presidente do AED Cluster falta uma estratégia que defina como se faz a cooperação industrial. “Em cada ramo das Forças Armadas, temos visto que há visões diferentes do que é a cooperação industrial. Essa estratégia — é algo que nós temos estado a falar com uma consultora para criar — falta a Portugal ainda”, considera.

“A Marinha, mais do que ninguém, sabe escolher as fragatas. A Força Aérea, mais do que ninguém, sabe escolher os caças. E o Exército, mais do que ninguém, sabe escolher os seus veículos blindados. Eu não quero comentar isso. Só posso comentar a outra parte: como é que nós envolvemos a economia e temos o maior potencial. E aí, repito, nós devemos querer ser os piores alunos europeus”, defende.

E há que monitorizar as contrapartidas. “A nossa Lei de programação militar define que tem de haver 30% de incorporação nacional quando fazemos a adquisição de um bem fora de Portugal. Mas alguém está a medir isso? Eu não estou a medir isso. Sinceramente, acho que é muito inferior isso. Mas isso é importante mensurar” e, defende, “acompanhar ao longo do ciclo” e, “se for necessário”, atuar.

Francisco Vilhena da Cunha, CEO da GEOSAT.Hugo Amaral/ECO

Francisco Vilhena da Cunha lembra um caso, que revela o efeito multiplicador, que essa lógica de trabalho tem na economia e na dinamização do setor de defesa. Mas não só. “Como é que há 15 anos as contrapartidas militares da Agusta Westland criaram uma semente de engenharia aeronáutica que há 10 anos foi utilizada para entrar de forma determinante no KC-390, que hoje, cada dia em que um é vendido, vêm vários milhões para Portugal?“, questiona.

“Leva tempo, mas de facto o efeito está ali. A tecnologia é um promotor de soberania. E aquilo que nós vemos com a própria Geosat é que passamos a ter um ator relevante no contexto internacional em que o centro de decisão está em Portugal”, aponta o CEO da Geosat, empresa que atua na área de satélites, envolvida no projeto Constelação do Atlântico, destacado por Ursula von der Leyen no discurso do Estado da União.

O gestor destaca a mais-valia das parcerias entre empresas privadas e o setor de defesa, ajudando a tecnologia a sair do protótipo. “E a defesa é muito pedagógica a este nível, porque tem de funcionar, não há outra hipótese”, frisa.

E dá vários exemplos do que pode ser implementado para agilizar e acelerar essa colaboração, como no Reino Unido o “Forward Looking Procurement”. “É uma lei de programação militar, mas bastante consequente, ou seja, não é preciso que nos paguem o desenvolvimento, digam-nos só o que é que vai ser preciso e nós avançamos”, explica. Mas não só. Mecanismos de compras condicionais — “ou seja, não é cheques em branco, se isso funcionar, for preciso e for a opção correta no mercado, compramos” — ou de whitelisting — “temos mecanismos de blacklisting, quando não cumprimos, então se cumprimos sustentadamente durante X anos, se calhar vamos ter um processo de escrutínio exante simplificado, com verificação a posteriori totalmente completo e exaustivo” — podiam ser implementados.

“Temos uma enorme pressão das forças armadas para entregar equipamento completamente operacional”

Há 50 anos ligada ao setor militar português como fornecedor, mas também à indústria de defesa nacional, a Lockheed Martin fez um retrato do atual momento geopolítico e da pressão que isso está a colocar do lado da indústria.

“Há um aumento dramático na defesa nas nações NATO e os países da UE procuram alcançar uma maior autonomia estratégica”, constata Tehmur Khan Galindo, global business development & strategy da Lockheed Martin Espanha e Portugal. “E toda a gente está a fazer isso em simultâneo. Isso está a criar enormes tensões na cadeia de abastecimento onde temos uma enorme pressão das forças armadas para entregar equipamento completamente operacional”, reconhece.

Themur Khan Galindo, corporate director Espanha e Portugal, Global Business Development & Strategy da Lockheed Martin.Hugo Amaral/ECO

“Como resultado, a Lockheed Martin está a tentar uma colaboração mais estratégica com nossos parceiros aqui na Europa, além de aumentar a produtividade em nossas fábricas internacionalmente por meio de IA, automação, robótica e modelos preditivos para reduzir os tempos de produção e aumentar a capacidade”, adianta.

“Por que Portugal é tão importante para a Lockheed Martin? Bem, acho que a resposta é bastante simples. Operamos em Portugal há mais de 50 anos. Temos uma relação de longa data com as Forças Armadas. Já entregamos diversas aeronaves aqui, várias plataformas, como o C-130, o P-3 e o F-16”, diz. “Também estabelecemos uma relação de longa data com a OGMA, que é um centro de serviços para o C-130 e fornecedora de componentes para o C-130 desde o primeiro ano de produção. Portanto, Portugal tem sido muito importante para a Lockheed Martin no passado”, destaca.

Assista aqui ao vídeo da intervenção “A Economia da Industrialização”:

Continua a ser muito importante para a Lockheed Martin e esperamos que continue a sê-lo no futuro”, diz o o responsável da fabricante que se está a posicionar como potencial fornecedora dos futuros caças para a Força Área portuguesa.

E na carteira tem o F-35. “Gostaria também de salientar que o F-35 possui uma cadeia de suprimentos global e é um caça europeu. Mais de 25% do valor da aeronave é proveniente de fabricação na Europa”, destaca, num acenar de cabeça ao atual momento geopolítico onde no velho continente o foco é apostar na indústria da região.

“Portugal é um aliado fundamental e a Lockheed Martin está empenhada em ser parceira de longo prazo de Portugal na construção de capacidades, tecnologias e indústria que definirão a próxima geração da defesa”, disse.

Veja na íntegra o lançamento do eRadar.

 

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