Ruinart: o primeiro dos champanhes à procura de novas fórmulas
A Ruinart chama a si o título de maison mais antiga do mundo, fará 300 anos em 2029, e é uma história de adaptação - às leis, à guerra, às alterações climáticas. Viagem a Reims, ao coração da marca.
O tom amarelado da vinha e o frio dizem que é outono em Reims. Estamos na vinha da Ruinart, a 25 minutos de Reims, e perto da aldeia de Taissy. Nesta e em outras – poucas e selecionadas – propriedades crescem as uvas Chardonnay que, desde os anos 40, se tornaram a marca desta marca. “Cerca de 50% das uvas utilizadas para produzir Ruinart vêm de vinhas próprias, o restante é da produção de vinhas com quem a marca tem contratos”, explica Ingrid Jacquelin. Um dia antes, esta guia de origem venezuelana conduzia-nos pelos corredores escuros, e carregados de história, da caves Ruinart. A prensagem das uvas é feita ainda nas vinhas, e só o sumo chega aqui: Rue des Crayères, 4.

A sede da Ruinart, no centro da cidade de Reims, capital de Champagne e do champanhe (a região e a bebida), está aqui desde 1877, é património da UNESCO e tem, desde há um ano, um novo, e sustentável, edifício da autoria do arquiteto japonês Sou Fujimoto, para receber quem queira saber mais sobre a marca e os seus vinhos – recolhe água da chuva para regar o jardim, consome menos eletricidade. A Ruinart, parte do grupo LVMH desde 1987, reclama também o título de mais antiga maison de champanhe. Fazem três séculos em 2029.
Uma lei que mudou a história do champanhe
Uma garrafa grande de vidro, verde escura, versão aumentada das atuais garrafas bojudas da Ruinart, resiste à passagem do tempo na Rue des Crayères. Tem quase tantos anos como a maison, feita no tempo em que cada uma era soprada. Ninguém resiste a tomar-lhe o peso. E como pesa! Ingrid Jacquelin explica a sua importância. Foi das primeiras a receber o champanhe Ruinart. “Tudo começa aqui”. E com uma mudança na lei.
No século XVII, o imposto sobre o vinho era pago segundo o recipiente que o transportava. Quanto maior o barril mais barato o imposto por litro. Em 1728, a história mudou. A lei promulgada pelo rei permite o transporte de contentores de 50 a 100 garrafas. Via livre para o vinho com bolhinhas!
Oito quilómetros de corredores, silêncio e giz
A 20 metros de profundidade, o ar muda, fica mais frio. Estão uns 11-12 graus, constantes. O subsolo calcário mantém a temperatura e a humidade no ponto certo. As crayères reúnem condições ideais para o champanhe há séculos. Pedreiras escavadas pelos romanos e abandonadas na Idade Média, foram abrigos durante os bombardeamentos que destruíram Reims durante mais de mil dias na Primeira Guerra Mundial. Estes túneis estavam unidos aos túneis de outros produtores de champanhe e a vida seguia. Nas caves da Ruinart existia uma igreja, nas caves da Taittinger uma escola…

Estes túneis, onde cerca de 40 pessoas trabalham as várias declinações de Ruinart, são hoje também um local aberto ao público e uma galeria de arte que documenta as muitas vidas da maison fundada por Nicolas Ruinart, sobrinho de Dom Thierry Ruinart, o monge beneditino que inspirou um dos vinhos.
No interior das caves, grades de garrafas à espera do seu momento e obras de arte conversam. Do traço art noveau do artista checo Alphonse Mucha, autor do primeiro poster da Ruinart, ainda no século XIX (1896), ao brasileiro Vik Muniz, passando pelas instalações em contagem decrescente para os 300 anos da Ruinart da dupla Mouwad Laurier e do franco-suíço Julian Charrière, cuja instalação sonora nas crayères é também uma homenagem ao passado. O som que vibra na escuridão evoca o mar num local que foi mar há mais de 40 milhões de anos.

O terroir que vem do mar
“A história da vinha é uma história de adaptação”. É uma frase que se repete. Victor Gandon, gestor de projeto da Ruinart e anfitrião desta visita à vinha de Taissy, vai dizê-la mais de uma vez enquanto explica ao ECO e a outros jornalistas como a Ruinart se quer manter Ruinart e como pensa o futuro. A conversa decorre numa sala no primeiro andar com janelas amplas com vista para a vinha. Estamos em outubro, os tons são amarelados e terra, chove e faz vento. Mas estes são outonos dos mais quentes de que há memória e, nos gráficos atrás dele, Victor mostra os dados e dá a conclusão: nunca começámos tantas vezes a vindima tão cedo. Várias vezes ainda em agosto.
Nesta vinha histórica, com 45 anos de vida, entre filas de videiras, Victor Gandon mostra as condições únicas do terroir de Champagne para a produção do seu protegido ex-libris. Ao fundo, a montanha de Reims com os seus 400 metros de altura. As vinhas são plantadas até um máximo de 240, nunca mais. Dois metros abaixo da superfície começa o giz, “capaz de absorver até 700 litros de água por metro quadrado”, nota. As raízes das videiras descem até três metros para encontrarem essa reserva. Mantêm a frescura e a água mesmo nos verões mais quentes. Isso é o que não se vê. Na vinha de Champagne, as videiras são baixas, pois, segundo diz o especialista, cada centímetro de sol conta.
A frase pode envelhecer mais depressa do que se pensava. O clima já não é o mesmo. “Em 2021, pela primeira vez, senti que devia estar a cultivar mangas”, diz Victor Gandon, meio a brincar. “O verão parecia o sudoeste asiático”. No final, era muito bom. “As uvas que sobreviveram eram muito boas. Em menor quantidade mas de melhor qualidade”.
Para responder a este mundo novo, a Ruinart plantou 22 mil árvores em redor das vinhas. São cinco quilómetros de biodiversidade: abrigo para pássaros e insetos, sombra, equilíbrio. “A produção de vinho é uma história de adaptação. E o tempo está a mudar”. O desafio, porém, é o mesmo: como manter a frescura, ‘aquela’ frescura que faz do Ruinart esta bebida?
Tradição, experiência e inovação
Singulier é uma das respostas da Ruinart às alterações climáticas, como explica Victor Gandon. Uma produção pequena composta que já conheceu edições em 2017, 2018, 2019, 2020 e “vamos ver como corre 2022” e é combinada com a “reserva perpétua” da Ruinart, iniciada em 2017 combinando vinhos envelhecidos em casco antigo e outros em tanques de aço.
Concretamente, o Blanc Singulier Edition 19 que se prova testemunha um novo recorde de temperatura em Champagne, 42,9 °C em julho, o valor mais alto de que há registo. “Estas condições também resultaram num ciclo da vinha excecionalmente curto, com apenas 51 dias entre a floração e a vindima – um dos mais curtos de que há registo (2003: 39 dias). Apesar destes extremos, os indicadores climáticos médios do ano alinham-se com a média de longo prazo, sublinhando a natureza singular de 2019, que mais uma vez levou a “uma expressão aromática inédita nos nossos chardonnays”, disse sobre ele o chefe de cave Fréderic Panaïotis, que morreu prematuramente em junho de 2025, aos 60 anos, mas deixou uma marca profunda na maison nos seus 12 anos de trabalho (e é sucedido por uma pessoa da sua equipa, Caroline Fiot).
Dom Ruinart, uma homenagem ao monge que inspirou o fundador da casa, tem também a marca do enólogo. Em vez da cápsula metálica, decidiu fechar o vinho com rolha em vez da cápsula metálica durante o envelhecimento. A experiência vinha com a pergunta de sempre: manteria a frescura? Esperaram dez anos, em 2008 deram a conhecer os resultados dessa experiência que se prolonga desde então.
Sustentável da vinha à garrafa
Inês Machado, marketing e communications director da Empor Spirits, que representa a Ruinart em Portugal, diz que há um paralelismo “entre o início da maison e a evolução
da marca em Portugal”. “Ambas nasceram de uma forte ligação ao tecido empresarial. Nicolas Ruinart, era comerciante têxtil antes de se dedicar ao champagne e utilizou a sua rede de contactos para expandir o negócio. Em Portugal, a Empor Spirits iniciou o trabalho de marca focando em consumidores de elevado poder de compra que procuravam champanhes exclusivos para consumo privado”.
Hoje, garantem, Portugal é um dos melhores mercados da Ruinart a nível mundial. “A procura por Ruinart tem crescido de forma consistente, superando a oferta disponível. Isto resulta, por um lado, das limitações naturais que a região de Champagne enfrenta devido às alterações climáticas e, por outro, do aumento significativo da desejabilidade da marca. Ruinart é reconhecida como a ‘jóia do champagne’, graças à sua reputação de exclusividade, qualidade e consistência.”
Desde o início do ano 2000 que a Ruinart trabalha “sobre os impactos das alterações climáticas na região de Champagne — onde o aumento de temperatura e a antecipação das vindimas são uma realidade”, afirma Inês Machado. Os esforços veem-se nos 11 anos que levam sem transporte de avião ou na embalagem Second Skin de papel.
“Em Champagne estamos todos juntos a trabalhar para ajudar o champanhe no futuro”, diz Victor Gandon, referindo-se ao Comité de Champagne, de que faz parte o VDC (Viticulture Durable en Champagne), que tem procurado levar práticas mais sustentáveis às vinhas e à produção de champanhe.
Alguns hectares da vinha Ruinart, por exemplo, estão destinados à plantação de vinhas de variedades distintas com as quais vão fazendo experiências. “É bom experimentar, mas não vamos encontrar em lojas”. Chardonnay, PinotNoir e Meunier (as três variedades mais usadas) e Arbane, PetitMeslier, Chardonnay Rose, PinotBlanc e Pinot Gris são as variedades que fazem do champanhe, champanhe. Apenas 10% pode ser de outras variedades.
Victor Gandon tem uma convicção: “Champanhe será apenas aqui. Adaptamo-nos, mas aqui”.
A jornalista viajou a convite da Empor Spirits
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