Alberto e Maria Emília subiram a pulso para criar o império têxtil em Barcelos, que se especializou em roupa interior para homem, mas já alargou ao feminino e ao vestuário de trabalho e desportivo.
Corria o ano de 1973, quando Alberto Figueiredo e a mulher Maria Emília, ainda na flor da idade, se aventuraram no negócio têxtil de confeção de roupa interior “com 250 escudos emprestados” – a moeda da época -, numa casa de um familiar, na Apúlia, distrito de Braga. “Fazíamos coisas disparatadas, como roupa interior nas cores mais berrantes que possa imaginar para um cliente em Inglaterra”, começa por lembrar, entre risos, o empresário. Nessa altura, mal sonhavam que iriam desbravar mundo e viriam a comandar uma das empresas líderes no setor têxtil nacional e internacional.
Um ano antes de “estalar” o 25 de Abril, o casal começou a confecionar a roupa interior de homem, em poliamida. “E com aquelas cores garridas, desde amarelo até laranja, para um inglês que o nosso padrinho de casamento nos apresentou”, lembra Alberto Figueiredo, enquanto a mulher acrescenta “as noitadas de trabalho” com as seis costureiras e quatro máquinas de costura para conseguirem entregar as encomendas dentro do prazo. “De manhã cedo, carregávamos o Fiat 127 com os produtos em direção ao Aeroporto Sá Carneiro, para seguirem num voo para Inglaterra para exportação”, começa a desfiar a história da empresa. O marido sorri e confirma que se lembra bem da azáfama desses tempos. “Fazia de tudo na empresa. Era o homem dos sete ofícios”, conta.
Poucos acreditavam que o casal vingaria com seis costureiras e quatro máquinas de costura. Principalmente quando, meses depois, por altura da Revolução dos Cravos, se viriam a braços com um prejuízo de 300 mil euros em encomendas em stock encaixotadas. “Quando chega o 25 de Abril é tudo cancelado. A maioria dos importadores da Europa cortou relações com Portugal. Foi muito difícil”, recorda o empresário. Passava os dias a matutar o que iria fazer a tanta cueca amontoada na empresa, mas acabaria por vendê-las. Não se livraram, contudo, do susto e das perdas nos cofres da empresa.
“Sempre que ia ao café, ouvia rumores de que iríamos falir”, lembra o empresário, admitindo que isso o irritava. Mas seguiram os dois em contrarrelógio. Ergueram a cabeça e não baixaram os braços. Recomeçaram o negócio com a confeção de roupa interior, ainda naquela pequena casa na Apúlia, onde tudo começou. “A cozinha era o armazém, na sala tínhamos confeção, e num quarto guardávamos os acessórios”, descreve Alberto Figueiredo.
Apesar de lhes ter dado um abanão no negócio e causado um rombo nas contas, o empresário considera que o 25 de Abril foi, por outro lado, “vantajoso”, porque trouxe aumentos salariais que “explodiram” o consumo interno. O casal ainda chegou a trabalhar, durante três anos, para o mercado nacional, até que em 1987 voltou a exportar roupa interior. “Empregava, então, 60 pessoas. Atualmente são perto de 900 no grupo Impetus”, calcula Alberto Figueiredo.
“Em 2021 faturámos 40 milhões de euros e este ano temos em carteira encomendas para atingir os 52 milhões de euros.
Nessa altura, o casal já tinha saído da casa, onde inicialmente montou o negócio, e continuou noutro espaço nas proximidades. “Arrendámos uma loja para a confeção e na cave metemos os teares para fazer a própria malha. Ainda hoje a fazemos. Só compramos o fio”, nota. “A empresa ia crescendo todos os anos. Agora somos considerados líderes de mercado na produção de peças de underwear e nightwear”, sublinha. O grupo Impetus, sediado em Barqueiros, no concelho de Barcelos, é uma das empresas líderes mundiais no setor têxtil. Em 2021 faturou 40 milhões de euros e este ano tem em carteira encomendas para atingir os 52 milhões de euros, adianta Figueiredo.
Uma vida a erguer um “império” têxtil
Agora, com 72 anos (ele) e 74 anos (ela), continuam diária e religiosamente a deslocar-se ao “império” que construíram. Ao passarem em revista os quase 50 anos de “muita luta, esforço e suor”, sorriem com nostalgia. “Foram tempos difíceis. Só pensamos que isto [Impetus] foi toda a nossa vida”, frisa Maria Emília, que chegou a tomar as rédeas da empresa quando o marido foi, durante uma década, presidente da Câmara de Esposende. “Ainda hoje vamos na rua e o cumprimentam com um ‘boa tarde, senhor presidente'”, atira, bem-disposta.
A empresa continua a crescer. O atual edifício está a ser alvo de obras de requalificação, num investimento de cerca de um milhão de euros para melhoria do espaço, construção de um showroom e escritórios, além da criação de espaços verdes. Entretanto, o grupo adquiriu uma empresa de Fafe, que ia fechar e onde já subcontratava a produção de algumas peças e prossegue a confeção com os mesmos funcionários. “Não se consegue angariar trabalhadores e temos de assegurar empresas que já tenham funcionários”, explica Alberto Figueiredo. Lamenta, por isso, a dificuldade em angariar mão-de-obra e admite que precisaria de mais 300 ou 400 colaboradores para dar resposta às encomendas que tem em carteira.
A Impetus está distribuída por vários polos, entre os quais uma unidade produtiva em Fão e uma tinturaria e estamparia em Barcelos, esta última com 190 colaboradores. Tem também uma empresa comercial em Espanha e outra em França. O empresário orgulha-se de ter “uma das mais completas estruturas verticais integradas da Europa, apoiada por diversos departamentos, que contemplam I&D, design, qualidade e logística”. Aliás, completa, “o aperfeiçoamento desta estrutura garante a flexibilidade e capacidade de oferecer aos clientes um serviço da mais alta qualidade e ajustado às suas necessidades”.
Passámos bem a pandemia, mas tenho receio que a guerra na Ucrânia afete no futuro, porque com a inflação que está a haver, os preços sobem, os salários não acompanham os preços e vamos ter uma redução de consumo.
Em média, 95% da faturação é internacional. Os mercados externos mais relevantes da marca e no private label são Espanha, França, EUA, Suíça, Alemanha, Noruega, Dinamarca, Suécia, Finlândia, Bélgica e Reino Unido.
Alberto Figueiredo assegura ainda que as crises e a pandemia não beliscaram a saúde financeira da empresa, mas receia pelas consequências da guerra na Ucrânia. “A Impetus é vista como empresa líder no setor e temos uma boa situação financeira. Passámos bem a pandemia, mas tenho receio que a guerra na Ucrânia afete no futuro. Com a inflação que está a haver, os preços sobem, os salários não acompanham os preços, e vamos ter uma redução de consumo”, sustenta.
“Se os nossos clientes não venderem, pode ser complicado para o ano. Já há casos de empresas que, a partir de setembro, vão ter alguma dificuldade porque o aumento de preços foi considerável”, avisa o empresário, adiantando que a Impetus assume um papel importante no desenvolvimento da região, uma vez que grande maioria dos colaboradores é gente da terra. “Tenho muitas famílias cá dentro, várias gerações e isso traz uma enorme responsabilidade social”, realça.
Aposta na sustentabilidade
O know-how adquirido permitiu à empresa alargar o portefólio de underwear e loungewear para vestuário de trabalho e desportivo, com e sem costuras. Assim como investir cada vez mais em novas tecnologias, na sustentabilidade e na economia circular.
“A grande diferenciação do grupo é ser uma empresa vertical, pois fazemos e controlamos tudo na empresa, desde o desenvolvimento do produto, passando pela produção do tecido, de elásticos, até à tinturaria e estamparia”, prossegue. Alberto Figueiredo sempre teve os olhos postos no tema da sustentabilidade, dando um contributo para a redução da pegada ecológica e no consumo de energia.
“A sustentabilidade sempre foi uma preocupação da empresa e também estamos a trabalhar com tecnologia em três dimensões (3D) para diminuir as amostras e, por consequência, poupar matéria-prima, tendo ainda a vantagem de conseguirmos mudar texturas e cores antes de aprovarmos o produto final”, descreve.
Mas a inovação não fica por aqui. “Queremos fazer uma revolução, dentro de pouco tempo, ao nível da tinturaria, pois queremos tingir a 30 graus e não a mais de 100 graus, como se faz agora. Vamos ter uma máquina que tinge, num dia, tanto como as 20 que temos e com um menor consumo de água”, avança o empresário.
Outra das novidades é o desenvolvimento de um fio reciclado que é feito com o próprio desperdício têxtil. Segundo o grupo têxtil, esta matéria-prima é composta por 30% de fibra reciclada pós-industrial e 70% de Ecovero da Lenzing”. A Impetus juntou-se à Belba Lloréns para produzir fios reciclados e 100% rastreáveis a partir de resíduos industriais da própria empresa.
“O nosso objetivo principal é contribuir para a economia circular e para o movimento zero waste, garantindo uma maior transparência e autenticidade em todo o processo produtivo”, afirmou Ricardo Figueiredo, administrador da Impetus. É filho do casal e a segunda geração da família na empresa. Integra a administração, a par de André Rodrigues e Tércio Pinto.
Uma das últimas cartadas da marca portuguesa é a gama ecocycle. Consiste numa nova linha constituída por dois “produtos-estrela”: as cuecas menstruais, de tecido, reutilizáveis, com um custo de cerca de 32 euros cada; e as daily ecopanties, que são cuecas que substituem o penso diário, com um custo unitário de 24,50 euros. Produtos que vêm dar resposta a uma nova tendência de mercado.
Outro trunfo da marca passa pela coleção que recorre a uma tecnologia seamless que se adapta à movimentação corporal, garantindo o fit perfeito. Outra mais-valia apontada pela própria empresa é a parceria com universidades e centros tecnológicos, que lhe permite inovar. As próximas novidades ainda estão guardadas a sete chaves. Não fosse o segredo a alma do negócio.
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Das cuecas garridas ao fio reciclado, casal Figueiredo pôs Impetus no mapa têxtil
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