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“A televisão tem uma oportunidade em 2023 de se reinventar”, defende Rui Freire, managing director da Initiative

Carla Borges Ferreira, Hugo Amaral,

Rui Freire, managing director da Initiative, aponta as tendências e os desafios para os media em 2023, ano em que as plataformas de streaming devem entrar como concorrentes no mercado publicitário.

Rui Freire, Managing Director da Initiative Portugal, em entrevista ao ECO - 30NOV22

Em Portugal mais de metade do investimento publicitário ainda é canalizado para o meio televisão. Com as audiências cada vez mais fragmentadas, e as plataformas de streaming a posicionarem-se numa corrida até agora era disputada sobretudo pelos meios ditos tradicionais, Rui Freire, managing director da Initiative, agência de meios mais premiada no mercado em 2022, acredita que “há aqui um desafio grande para os publishers locais, nomeadamente televisões, mas até diria que é transversal a todos os meios, para mais do que nunca investirem em produto com qualidade”.

“Essa é a mais-valia de uma plataforma de streaming e é a mais-valia de um canal de televisão tradicional”, diz, acrescentando que “não vai haver um impacto direto das plataformas de streaming com publicidade naquilo que é investido numa RTP, SIC ou TVI”. Quanto aos canais por cabo, pela tipologia de telespectadores, a ameaça é maior.

Lembrando que “o nosso negócio é comprar audiências da melhor forma possível para as nossas marcas”, Rui Freire aponta o vídeo e o áudio como duas das tendências para a comunicação em 2023. “Diria que na última década a rádio tem-se sabido reinventar, atualizar, tem sido dos meios que tem tido um trajeto mais interessante a esse nível e acho que vai continuar a sua tendência de crescimento”, refere sobre o meio cuja morte já tantas vezes foi anunciada.

Em sentido contrário, a imprensa, “um meio que tem estado a cair e vai continuar, na nossa perspetiva”. A boa notícia? “Acho que há aqui uma oportunidade para publishers de DNA mais digital, ou publishers mais tradicionais que se alavanquem nas suas plataformas digitais, para encontrarem estas audiências e o seu espaço”, diz. As audiências de televisão, o Twitter e o Mundial no Qatar são outros dos temas abordados.

Quais são as grandes tendências, e os desafios, para 2023?

Uma das grandes tendências, que começou a concretizar-se este ano, será a publicidade nas plataformas de streaming. Tanto nas locais como o OPTO, da Impresa, como nas mais globais como o Netflix ou Prime Video. No OPTO já vai ser possível fazer, o Netflix já arrancou com publicidade em vários países, nomeadamente Espanha. Não há uma data para arrancar em Portugal, mas acreditamos que pode ser no próximo ano e claramente vai ser algo que pode fazer a diferença para algumas marcas.

Claramente o grande desafio dos canais de televisão mais tradicionais, dos FTA (free to air), é investir em produção qualitativa para combater as connected TV

E vão conseguir ter acesso aos dados?

Sim, vamos conseguir ter acesso a dados nessa plataforma, quando estiver disponível. Já estive a ver com os nossos colegas de Espanha, que já estão a fazer campanhas com o Netflix – as outras plataformas hão-se ser similares. Os dados que conseguimos extrair são bastante relevantes e dão-nos indicações claras sobre se as campanhas estão a correr bem, se não estão. Dão-nos insights que nos permitem depois otimizar as campanhas. Não me queria limitar às plataformas de streaming, diria que a televisão tem uma oportunidade em 2023 de se reinventar.

Temos uma procura muito grande dos nossos clientes pelo meio televisão, chamemos-lhe assim, numa perspetiva de connected TV. A televisão hoje em dia é um dispositivo que nos dá várias possibilidades, já não é só para vermos um canal especifico de televisão, podemos abrir uma app como o YouTube e navegar. E nós conseguimos servir publicidade na app do YouTube na televisão.

Está a falar do dispositivo, não dos canais tradicionais.

Exatamente, estou a falar do hardware televisão, que tem uma oportunidade de comunicação muito grande para as marcas, porque hoje em dia praticamente todas as televisões são smart TV. A nossa indústria já começou a investir nestas áreas e até os canais mais tradicionais têm aqui uma oportunidade grande de investir em produção de conteúdo qualitativo, porque é isso que depois também prende e leva as audiências aos seus canais.

Claramente o grande desafio dos canais de televisão mais tradicionais, dos FTA (free to air), é investir em produção qualitativa para combater as connected TV, nesta perspetiva de poderem ser concorrentes das apps onde é servida publicidade no hardware televisão.

Existe alguma sensibilidade, de clientes e agências, para o facto de se tratar de operadores locais, que produzem informação e conteúdos locais, ou a necessidade comprar audiência sobrepõe-se?

O nosso negócio é comprar audiências da melhor forma possível para as nossas marcas. As marcas querem estar onde a audiência está, daí usarmos meios diferentes, muitas vezes temos audiências diferentes em meios diferentes, outras temos audiências que se complementam. As plataformas de streaming na nossa perspetiva não vêm canibalizar nada do que são as audiências de televisão mais tradicional, são audiências diferentes. Talvez tenham algum impacto mais numa perspetiva de cabo, aí sim, não nos FTA.

Claramente achamos que não vai haver um impacto direto das plataformas de streaming com publicidade naquilo que é investido numa RTP, SIC ou TVI.

Neste momento o cabo está a crescer e o FTA tem um ligeiro decréscimo.

Certo. Os FTA estão praticamente estáveis, o cabo continua a crescer. Achamos que as plataformas de streaming, a nível de audiência, são mais similares ao que podemos ter hoje no cabo. Claramente achamos que não vai haver um impacto direto das plataformas de streaming com publicidade naquilo que é investido numa RTP, SIC ou TVI.

Acho que há aqui um desafio grande para os publishers locais, nomeadamente televisões mas até diria que é transversal a todos os meios, para mais do que nunca investirem em produto com qualidade, em termos conteúdos muito qualitativos. Essa é a mais-valia de uma plataforma de streaming e é a mais-valia de um canal de televisão tradicional.

Quando fala em “muita qualidade” quer dizer que atraia audiência ou que atraia audiência mais qualificada?

Ambos.

Um produto ter muita qualidade não é sinónimo de ter muita audiência…

Mas há produto com qualidade para todos os tipos de audiência. O que para uma tipologia de consumidor é algo que tem qualidade, para outro pode não ser, são consumidores diferentes, personas diferentes, têm gostos distintos. Cada um procura coisas diferentes, se um produto tem muita audiência, acredito que quem lá está é porque o valoriza.

Apostar então em produtos que atraiam audiências.

Exatamente, esse é o grande trigger dos publishers locais, sejam eles televisão ou imprensa. Têm que investir nos produtos certos, investir bem, e procurar esta vertente qualitativa. Quando olhamos para as plataformas de streaming, há conteúdos de qualidade e outros que eu pessoalmente, Rui Freire, considero que não têm qualidade. Mas estão lá e são muito vistos.

Mas considera então que as plataformas de streaming não representam uma grande ameaça para os meios locais? Grandes anunciantes nacionais têm dito, até em defesa dos publishers locais, “com o Netflix não consigo trabalhar”. Se para o ano passam a conseguir…

Acho que as plataformas de streaming – não quero particularizar no Netflix, porque mais cedo ou mais tarde todas vão ter publicidade – serão mais um meio. Hoje fazemos planeamento de estratégias multimeios, na busca de impactarmos audiência da forma mais eficaz possível.

O Netflix será mais um meio, pode ter audiências mais similares com alguns canais cabo e com algumas áreas digitais, porque tipicamente são audiências mais jovens. Mas depois vamos ter capacidade de segmentar, há aqui uma série de condicionantes que me levam a acreditar que não vão ter grande impacto nos FTA.

A rádio tem-se sabido reinventar, atualizar, tem sido dos meios que tem tido um trajeto mais interessante a esse nível e acho que vai continuar a sua tendência de crescimento.

E o podcast? No próximo ano vai crescer?

O podcast acho que já é um sucesso. As marcas têm criado alguns e nós temos investido em publicidade em alguns podcast, estamos presentes com algumas marcas. O áudio claramente é uma tendência real, que já está a acontecer, e terá um papel importante nas nossas estratégias e planeamento. Não só podcast como tudo o que é áudio.

Inclusive rádio, que está a crescer na casa dos dois dígitos?

Sim, inclusive rádio, que está a crescer. Diria que na última década a rádio tem-se sabido reinventar, atualizar, tem sido dos meios que tem tido um trajeto mais interessante a esse nível e acho que vai continuar a sua tendência de crescimento.

Ao contrário de outros meios, como a imprensa que, infelizmente, e acho que é algo que está correlacionado com a cultura dos povos latinos, de lerem menos do que outros. Claramente a imprensa é um meio que tem estado a cair e vai continuar, na nossa perspetiva.

Rui Freire, Managing Director da Initiative Portugal, em entrevista ao ECO - 30NOV22Ainda investem alguma coisa em imprensa, em print? Os títulos também têm presença digital. Aí são interessantes enquanto suporte?

Vai ao encontro do que temos estado a falar, da qualidade. Esta entrevista está a ser dada a um meio que não considero imprensa, é um meio ou uma plataforma digital. O ECO e o Observador são claramente publishers digitais e acho que cada vez mais o caminho passa por aí. Quando falamos de duas das grandes tendências serem o vídeo e o áudio, vejo com alguma dificuldade o papel da imprensa nesse futuro.

Tenho uma opinião diferente a nível pessoal, porque gosto muito de ler e continuo a ler jornais, mas tenho que olhar para aquilo que os consumidores consomem. A busca do Santo Graal é encontrar as nossas audiências e maximizá-las. Efetivamente, elas não estão na imprensa. Há exceções, como alguma imprensa especializada, ou o Expresso, que é um excelente exemplo de exceção à regra, estão com resultados, mesmo no papel, bastante positivos.

Mas acho que há aqui uma oportunidade para publishers de DNA mais digital, ou publishers mais tradicionais que se alavanquem nas suas plataformas digitais, para encontrarem estas audiências e o seu espaço. Temos o bom exemplo do Observador e do ECO, acreditamos que para os outros publishers nacionais isso também seja fazível e possa acontecer.

Quando falamos de duas das grandes tendências serem o vídeo e o áudio, vejo com alguma dificuldade o papel da imprensa nesse futuro.

Em outubro existiram buscas à GFK, empresa que mede as audiências de televisão…

Não estamos minimamente preocupados. Sabemos que tudo o que é feito é auditado, há empresas externas e credíveis que auditam, estamos a falar de multinacionais, de empresas cotadas em bolsa. Não nos parece que seja um assunto, para nós não é tema.

E o Twitter, é tema? Há uma série de grandes anunciantes que já anunciaram que vão deixar a plataforma.

O impacto no nosso mercado é completamente residual. O Twitter não é propriamente uma plataforma em que os nossos clientes invistam massivamente. É uma plataforma que em Portugal tem investimentos relativamente residuais, a audiência não é o equivalente a outras plataformas, como o Instagram, Facebook ou TikTok. Claramente o Twitter é um tema nos Estados Unidos. A IPG Mediabrands foi o primeiro grupo a suspender a publicidade no Twitter, neste momento sei que estão a existir conversas entre toda a delegação do Elon Musk e da indústria, portanto isso há-de ficar resolvido, acredito eu.

Uso o Twitter para me informar, é um excelente meio de informação. Em termos de plataforma de publicidade não nos preocupa, pelo menos localmente. Agora, preocupa o que está por trás, como é óbvio. O direito à informação verdadeira, as questões de privacidade, as questões de brand safety que se levantam. Isso sim preocupa-nos, mas não apenas com o Twitter. Preocupa-nos com o TikTok, com o YouTube, o Facebook, todo o universo da Meta e do Google. Mas é transversal a tudo o que fazemos, damos uma importância muito grande a tudo o que é brand safety e a questões de privacidade.

E o Qatar? Como é que vê a associação das marcas a este Mundial?

Sou um pouco prático em relação ao tema do Qatar. Acho que as marcas, se querem estar associadas ao futebol, é um pouco indiferente se o mundial é realizado no Qatar. Há quatro anos foi na Rússia, sabemos o que está a acontecer com a Rússia na Europa e no mundo. As marcas têm os seus objetivos. Não tivemos qualquer tipo de questão.

Pode haver marcas que queiram de alguma forma fazer um voto de protesto contra o Qatar e não estar presentes, mas sendo muito prático e transparente… Falámos nesta conversa de audiências, de objetivos de negócio, estamos numa altura em que a maior parte das marcas e das grandes empresas estão a fechar o seu ano, é uma época do ano importante para as marcas….

Tipicamente o mundial é muito importante, para alguma tipologia de marca, não para todas. Aqui na Initiative não temos nenhum patrocinador oficial da seleção ou do mundial, mas as nossas marcas estão presentes junto aos jogos, a patrocinar programas de análise, sem qualquer tipo de problema. Mais uma vez, a par do Twitter, em Portugal é um falso tema.

Em Portugal impacta mais ser no inverno e a horas menos simpáticas para ver os jogos…

Eu teria preferido que fosse no verão, temos clientes como Super Bock e tenho a certeza que o impacto na venda de cerveja iria ser maior, iríamos ter um maior gerador de negócio para o nosso cliente.

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