“As redes sociais tornaram-se um centro de maldizer”
"As marcas têm que se adaptar, se há novos territórios, novos espaços de comunicação com as pessoas, temos que lá estar", defende João Epifânio, CMO da Altice.
“É fundamental as marcas assumirem que são seres vivos, ajustarem-se e continuarem a ser relevantes na vida das pessoas. O que está a acontecer a algumas dessas marcas é que, mesmo tendo nascido digitais, estão a perder relevância na vida das pessoas”, refere João Epifânio, a propósito de redes sociais como o Facebook, a perder tração junto da população.
A propriedade do TikTok, da chinesa ByteDance, não é tema. “Não podemos diabolizar tudo o que vem de determinada zona do mundo, tem que haver aqui bom senso. Até porque, práticas conhecidas de violação de dados, foi o Facebook, com o tema Cambridge Analytica“, contrapõe.
O metaverso, onde já estão, o 6G ou tecnologias como o wi-fi motion, em desenvolvimento, e a evolução do consumidor são outros dos temas abordados em conversa com o chief marketing officer da Altice.
Foram a primeira marca de telecomunicações a lançar-se no metaverso. Porquê este movimento?
É verdade. É um dos aspetos que corrobora o que digo sobre marcas. As marcas têm que se adaptar, se há novos territórios, novos espaços de comunicação com as pessoas, temos que lá estar. É o caso do metaverso.
Metaverso que, sobretudo quando se começou a falar do ChatGPT, parece ter ficado esquecido.
Quando algum fenómeno atinge uma grande notoriedade a sociedade parece ficar monotemática. Foi o caso na pandemia, só havia um tema. Quando começou a guerra, era a guerra.
Agora é o ‘caso Galamba’…
Agora os temas políticos têm dominado a agenda, e têm sido vários, mas o caso do metaverso corrobora tudo aquilo que estava a dizer. Há de facto um novo território onde as marcas e as pessoas se encontram e nós, enquanto líderes de mercado, temos que lá estar. Se me perguntar o que é que vai ser o metaverso no futuro, não sei responder.
E já pareceu que teria potencial para ser mais?
Não. Acho que está a fazer o seu caminho. Quando vejo marcas como a Coca-Cola fazer uma campanha em Portugal sobre o metaverso, quando vejo a Louis Vuitton fazer uma campanha em Portugal sobre o metaverso… Tenho a certeza que estamos a fazer o que deve ser feito. Não quisemos foi fazer o que muitas das nossas congéneres europeias fizeram, que foi abrir lojas no metaverso. Não me parece a melhor abordagem.
Como é que tem corrido?
Bastante bem, crescente. Com vários milhares de pessoas todos os meses a passarem no nosso espaço, a aumentar a interação. Mas é uma atitude de marca e é uma atitude de líder, nenhum dos nossos concorrentes deu este passo, apenas alguns o fizeram na Europa. Queremos ter a experiência de aprender com a própria evolução do contexto e daquele ecossistema, porque só assim é que vamos perceber o caminho que este ponto de encontro digital está a fazer. Queremos perceber a evolução, para podermos antecipar o futuro.
Como é que se distingue o que é moda e o que é evolução?
A moda está muito assente em epifenómenos que tipicamente têm uma elevada notoriedade, mas por um curto período de tempo. Quando referia as lógicas do monotemático, tem muito a ver com isto. Temos, por vezes, pouca capacidade de nos dispersar por diferentes temas. Focamos muito naquilo que é mais imediato, mas o imediato hoje amanhã já ficou debaixo de outros temas que entretanto foram surgindo. O que também quer dizer que não são coisas determinantes na nossa vida.
Não é fácil separar o trigo do joio, há muitos fenómenos que parecem ser passageiros e acabam por perdurar no tempo e outros que não pareciam e que têm o efeito contrário.
Isto tem muito a ver com a dificuldade de antecipar o dia de amanhã, porque pode acontecer qualquer coisa em qualquer parte do mundo, daqui a poucos segundos, que altera completamente a dimensão da nossa atenção.
Se no 11 de setembro existisse a penetração de internet de hoje, a facilidade e o imediatismo com que hoje partilhamos conteúdos, teria sido seria ainda muito mais esmagador e significativo. A tecnologia facilitou imenso a amplificação de tudo o que acontece, por isso dizemos que os fenómenos ficam virais. A velocidade de propagação faz um bocadinho o efeito mancha de óleo e durante algum período de tempo só falamos naquele tema.
E as redes sociais, como o é que as vê? O Facebook está a perder expressão, temos uma rede que, desde que comprada por Musk, está a seguir um caminho no mínimo discutível, outra – que se não é já a preferida dos jovens anda lá perto -, sobre a qual recaem uma série de suspeições e foi proibida por diversas entidades…
E temos outros fenómenos, o Roblox, por exemplo, e o tema do gaming e metaverso, a proliferação de aplicações de dating. Isto é exatamente aquilo a que chamava alterações de contexto, de hábitos, mudanças na forma como as pessoas se relacionam.
Acho que as empresas não precisam só de gestores, de engenheiros, de data scientists. Precisam também de sociólogos, de psicólogos, precisam da área das ciências sociais para ajudar a perceber todos estes fenómenos. E este é um aspeto para o qual as empresas não estão ainda suficientemente atentas. Perceber a realidade implica termos também diversidade de conhecimento nas organizações. Em muitas empresas não existe. Estou a falar de empresas grandes, naturalmente.
Quando algum fenómeno atinge uma grande notoriedade a sociedade parece ficar monotemática. Foi o caso na pandemia, só havia um tema. Quando começou a guerra, era a guerra.
Mas, entender estes fenómenos é ter a capacidade de antecipar mercado, de perceber o que é que as pessoas vão querer amanhã. Não podemos, com o lead time que temos de desenvolvimento de produtos e serviços, estar a pensar no que é que as pessoas precisam hoje.
Aquilo que temos de entregar hoje tem que ter sido antecipado há dois, três ou quatro anos. Os ciclos de inovação são relativamente longos e precisam de tempo para amadurecer.
Mas tudo isso são alterações de hábito de consumo. O Facebook, se for uma marca que se mantém igual a si própria, que não evolui, não acompanha a dimensão do tempo, naturalmente vai progressivamente perder interesse, perder fãs, tornar-se progressivamente menos relevante. Mas isto é válido para o Facebook e para qualquer marca.
É fundamental as marcas assumirem que são seres vivos, ajustarem-se e continuarem a ser relevantes na vida das pessoas. O que está a acontecer a algumas dessas marcas é que, mesmo tendo nascido digitais, estão a perder relevância na vida das pessoas.
Por vários fatores, é verdade. Uns controlam-se melhor e outros pior. As redes sociais tornaram-se um centro de maldizer, as pessoas estão sempre a criticar e raramente a dar os parabéns a alguém –a não ser nos aniversários — ou elogiar. Há muita negatividade à volta da utilização das redes sociais.
Os jovens querem divertir-se, querem rir. Tiveram um período terrível durante a pandemia, poucos escapes tinham que não fosse a utilização destes serviços digitais, e agora procuram outro tipo de conteúdos. Não é por acaso. Há muitas marcas que já não têm Facebook, algumas não têm Facebook nem Instagram e estão só, por exemplo, no TikTok ou concorrentes que começam a surgir.
Acho que as empresas não precisam só de gestores, de engenheiros, de data scientists. Precisam também de sociólogos, de psicólogos, precisam da área das ciências sociais para ajudar a perceber todos estes fenómenos. E este é um aspeto para o qual as empresas não estão ainda suficientemente atentas.
A propriedade do TikTok é tema? Preocupa-o?
Preocupa-me tudo o que possa de alguma forma violar direitos das pessoas. Agora, não podemos diabolizar tudo o que vem de determinada zona do mundo, tem que haver aqui bom senso. Até porque, práticas conhecidas de violação de dados, foi o Facebook, com o tema Cambridge Analytica.
Investigam, e tentam prever, como vai ser o consumidor no espaço de dois/três anos. Na pandemia dizia-se que todos os estudos tinham perdido a validade, tão grandes eram as alterações. E hoje, como é que antecipam o consumidor?
Temos vários desafios. Temos o desafio demográfico, em que infelizmente somos um país de pirâmide invertida, o segmento de população jovem é muito pequeno face ao segmento acima dos 50 anos, que vai continuar a crescer e isso vai de alguma forma determinar a tendência.
Não quer dizer que não se tenha que desenvolver a oferta de produtos e serviços para o segmento mais jovem. Mas, o facto do segmento dominante em termos de número de pessoas, e poder de compra, estar claramente acima dos 50 anos vai seguramente determinar muito sobre a evolução de produtos e serviços no nosso futuro.
Por outro lado, temos que perceber as dinâmicas de consumo. Estas populações que até há cinco anos, antes da pandemia, tinham uma taxa de iliteracia digital na casa dos 30 a 35%, hoje estará abaixo dos 20%.
Esse foi um salto positivo que a pandemia acabou por deixar. E, por isso, temos que pensar cada vez mais na disponibilização de serviços digitais para estas pessoas.
Mas, por outro lado, sabemos que a idade também traz algumas limitações físicas, e também temos que ter isto em linha de vista.
E acompanhamos o que vão ser as casas do futuro. Vão ser maiores, mais pequenas, com mais ou menos espaço exterior? Tudo isto influencia os serviços que disponibilizamos.
Temos a Altice Labs a trabalhar no 6G, ainda agora lançamos o 5G, estamos a trabalhar em tecnologia do wi-fi motion, que é conseguir importar pela propagação das ondas de rádio do wi-fi se está a entrar um intruso em minha casa ou o batimento cardíaco de cada uma das pessoas que está no raio de ação.
Ou seja, estamos a trabalhar hoje em projetos que seguramente vão ser importantes no futuro.
Quando falamos dos segmentos, do que vem com a idade, sabemos que vêm as preocupações na área a saúde, por isso lançamos o Meo Care, um plano de descontos na área da saúde. O wi-fi motion vai ser importante para monitorar um conjunto de indicadores na nossa performance física.
Tudo isto são dinâmicas que temos em estudo, estamos a trabalhar, e queremos em algum momento produtizar e colocar no mercado.
É claro que não deixam se ser relevantes os temas que também são relevantes para os jovens, não só da dinâmica relacional, o metaverso ou a componente de gaming.
Temos que trabalhar para os diferentes segmentos da população, sabendo que o que serve uns segmentos muito dificilmente consegue ser relevante para os outros. Pelo menos naquele momento da vida. É exigente, mas temos que saber exatamente para onde estamos a caminhar e acho que temos sido capazes de o fazer.
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