Cancelem-se

  • José Bourbon-Ribeiro
  • 31 Outubro 2023

Sempre achei mau caminho alinhar nos “cancelamentos”. Resultam quase sempre de julgamentos precipitados e não raro escondem agendas mascaradas.

A cultura do “cancelamento” é uma praga, é a forma como hoje se apresentam a censura e a intimidação. O “cancelamento” é a Inquisição da Era Moderna, que em nome do combate ao discurso de ódio e à discriminação silencia todos os que não seguem o pensamento dominante.

Esta é mais uma manifestação de tirania. Como as estratégias desenvolvidas por inúmeros ditadores que tinham o objetivo de controlar as populações e legitimar o seu poder, esta arma do totalitarismo moderno alimenta-se da falta de profundidade de analise e de estudo, e floresce com os resumos de 130 carateres de enunciado de conceitos e da fundamentação de decisões complexas.

O “cancelamento” é uma das piores sentenças dos dias que correm. É sumária e injusta, e não admite direito de defesa ou recurso. Desterra todos os que desafinarem ou que não sejam capazes de demonstrar um alinhamento perfeito com o politicamente correto e fofinho.

O medo de ser “cancelado” está a levar a que, pouco a pouco, se desperdice a liberdade de discutir, de questionar, de errar, de acertar e de defender causas. Ignoram-se e recusam-se as referências históricas porque aquilo que pretende a nova Inquisição é o mesmo que pretendia a sua antecessora medieval: forçar todos a um pensamento e a um comportamento único.

Esta prática não é exclusiva de um grupo ou de outro, todos “cancelam” e todos podemos ser “cancelados”. “Cancelam” os da esquerda e os da direita, “cancelam” os progressistas e os conservadores, “cancelam” os loucos e os bons da cabeça.

E cancela-se o secretário-geral das Nações Unidas por não repetir trinta vezes a primeira frase antes de saltar para a segunda. Cancela-se também Paddy Cosgrave porque diz disparates sobre coisas que não conhece, arriscando assim a realização de um evento que junta dezenas de milhares de pessoas e onde se discutem coisas totalmente alheias aos disparates que ele mesmo escreveu.

Poderíamos tentar explicar ao fundador do Web Summit o erro colossal que comete qualquer gestor ou empresário que tenha responsabilidades sobre um conjunto grande de clientes, de parceiros e de colaboradores quando alinha em polémicas que desconhece ou quando dá palpites sobre temas que não domina. Além de ser verosímil a ideia de que já o tenha percebido à custa do duplo” cancelamento” – alheio e próprio, porque foi obrigado a demitir-se -, não deveria ser necessário defender publicamente a ideia de que todos (todos, todos, todos!) temos o direito de exercer a liberdade de expressão e, no limite, de exercer o direito de dizer, escrever e defender disparates.

Mas não acaba aqui. A cultura do “cancelamento” limita o pensamento critico e impede a liberdade individual de formular juízos. Perde-se a independência de refletir e julgar ideias e opiniões quando, sem que ainda as tenhamos lido ou escutado, aquilo que nos chega é o barulho do “cancelamento”, o grito do procedimento inquisitorial que assume a interpretação autêntica daquilo que o proscrito terá dito ou feito, e que tantas vezes nunca disse, fez ou representa.

Por mim, sempre achei mau caminho alinhar nos “cancelamentos”. Resultam quase sempre de julgamentos precipitados e não raro escondem agendas mascaradas.

  • José Bourbon-Ribeiro
  • CEO da Hill & Knowlton

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