Porque pequenos gestos fazem a diferença. Tânia Henriques, da Cruz Vermelha, na primeira pessoa
Pequenos gestos podem fazer a diferença na vida de outras pessoas. A consignação, na altura da entrega do IRS, é um deles. Ponto de partida para a conversa com Tânia Henriques, da Cruz Vermelha.
Entregar a declaração de IRS pode ser sinónimo de doar 0,5% do imposto, ou o benefício fiscal do IVA, a instituições de solidariedade, ONG, centros sociais ou associações várias. É um gesto solidário, sem custos, no qual o imposto reverte para a entidade escolhida em vez de para o Estado. Este ano ano são 5.036 o número de instituições aptas a receber a doação. O número tem vindo a aumentar – no ano passado eram 4.700 –, os donativos nem por isso. “Uma grande percentagem de pessoas não consigna o IRS. No ano passado ficamos muito abaixo do que necessitamos e abaixo do ano anterior”, lamenta Tânia Henriques, diretora de comunicação, marketing e fundraising da Cruz Vermelha Portuguesa (CVP).
“Quando existem situações de catástrofe ou emergência, os donativos sobem a pique”, reconhece a responsável. Agora, têm vindo a descer. No entanto, como destaca “tivemos a pandemia, uma sucessão de guerras… Vivemos uma verdadeira situação de emergência social, em Portugal e no mundo. Há muitas pessoas que tinham a vida organizada e de repente ficam sem conseguir fazer face às despesas”, aponta. E é aí que os pequenos gestos fazem a diferença.
A importância dos pequenos gestos é repetida por Tânia Henriques, que assumiu o desafio da CVP em janeiro de 2023, após cerca de sete anos como diretora de marca e fundraising da Associação Filhos do Coração. “A minha área de formação é Psicologia, mas quando saí do curso ingressei no ambiente de agência. Trabalhei em agência, no cliente, em media, no setor da hotelaria…”. Calhou ter sido convidada para trabalhar com a primeira ONG, há cerca de 10 anos, e não se vê em outra área. “O que gosto de fazer é trabalhar no terceiro setor, é um trabalho com propósito, vemos o impacto na sociedade”, garante.
Tânia Henriques garante que não se trata “de uma visão cor-de-rosa ou idealista”. “Às vezes basta mesmo um pequeno gesto para fazer a diferença, podem ser coisas simples“, aponta.
A gerir uma marca com 159 anos, a responsável compara a construção de marca à criação de um filho. “Requer cuidado, atenção e um investimento contínuo de tempo e recursos para nutrir o seu crescimento, desenvolvimento e identidade única. Ambos requerem um compromisso consistente, paciência e dedicação para cultivar relacionamentos sólidos e significativos. Para que as nossas crianças cresçam saudáveis e preparadas para a vida não basta dizer-lhes o que fazer e como fazer. É essencial que elas entendam porque o devem fazer. Assim é uma marca”, reflete.
O “porquê”, prossegue, “representa a essência da marca, a sua razão de existir, os seus valores fundamentais e a sua missão. E é isso que inspira e motiva a uma conexão emocional com o público”. É no porquê, no propósito da CVP, que tem estado o foco da responsável.
“A maior parte das pessoas pensa que a CVP é emergência e saúde, mas tocamos várias áreas, suprimos grande parte das necessidades básicas”, refere. “Apoiamos centenas de milhares de pessoas, tanto na área de emergência, de saúde, formação como na área social com uma multiplicidade de respostas – bens alimentares, pagamento de rendas de casa e contas básicas, acolhimento de pessoas em situação sem-abrigo e vítimas de violência doméstica, apoio à população sénior, apoio em saúde mental… -. Acima de tudo, buscamos criar planos de intervenção individual que visam capacitar para a autonomia e para a construção de percursos de vida com dignidade”, Concretiza Tânia Henriques.
Alterar a perceção que a população tem das áreas de intervenção da Cruz Vermelha Portuguesa tem sido a missão de Tânia Henriques que, como diz, “come, dorme e respira” CVP. “Acordar com o sentimento de poder fazer a diferença é um desafio enorme, que quero agarrar. Estou completamente focada, porque gosto muito do que faço“, reforça.
O rebranding e reposicionamento serão apresentados no final de maio. O processo está a ser desenvolvido pela Kobu, agência criativa do Algarve, que ganhou a conta há cerca de um ano. “Agarraram o projeto como ninguém”, comenta a responsável. O trabalho começou com um “estudo exaustivo de perceção de marca, que nos disse onde estamos e para onde queremos ir”.
A nova assinatura, antecipa ao +M, terá uma componente fixa e outra mutável. A fixa é “Todos os dias”. Há depois “uma nuvem de verbos e substantivos”, que completam a frase. “De mãos dadas”, “A cuidar de si”, a “Construir futuros”, são alguns exemplos.
“Queremos uma comunicação mais alinhada com a nossa atuação, mais dinâmica, mais próxima”, refere a responsável. Em breve, será também lançado o novo site da instituição.
O tom da campanha de consignação de IRS deste ano, assinado pela agência e com produção da Krypton e música dos Bicho Carpinteiro, já marca o momento de viragem para o reposicionamento, que mostra assim uma nova abordagem à comunicação com um tom de voz de maior proximidade e uma presença mais enérgica e criativa, descreve. “500 745 749. O número que nos move.” É mais do que uma campanha, é o eco dos desafios que enfrentamos e das soluções que oferecemos. Com um tom mais próximo, mais presente das dificuldades reais, a Cruz Vermelha reitera o seu compromisso para com a comunidade: ‘A promover a dignidade. Todos os dias’”, explicava Tânia Henriques no lançamento do filme.
“As agências são muito sensíveis ao terceiro setor”, reconhece a responsável. Só da Krypton, nas filmagens estiveram 57 pessoas, conta. “Basicamente foi um pro bono“, resume.
O departamento que lidera tem quatro pessoas – “uma equipa pequena mas cheia de garra” – e para além do marketing e comunicação trabalha o fundraising. “Já é uma área altamente profissionalizada, temos que crescer nesta área”, aponta. As marcas são essenciais e vistas como parceiras, mas grande parte dos donativos são de doadores individuais.
A consignação de IRS é um momento chave para as ONG. “Temos um grupo de Whatsapp e ajudamo-nos mutuamente“ conta a responsável, reforçando a ideia de que a doação no momento da entrega da declaração do imposto é uma forma muito simples de ajudar as ONG.
Nos tempos livres, Tânia Henriques gosta de ler, viajar e partilhar tempo com a filha de 19 anos, “uma companheira de viagem incrível”.
Das viagens tenta trazer lições. No Gana recorda, por exemplo, o momento em que assistiu a todos os aldeões dentro de água, num esforço comum para puxar a rede de peixe que alimentaria a comunidade.
Em Marraquexe, guardou na memória a frase dita por um australiano, já com uma idade muito avançada, quando o autocarro turístico em que seguiam pessoas de várias nacionalidades ficou sem ar condicionado. Ao contrário dos restantes passageiros, que saíram do autocarro e foram ficando cada vez mais assoberbados e enervados, o casal australiano também permaneceu no transporte. “Nos momentos em que o caos é grande, fico quieto para assim conservar a energia necessária à solução”, disse-lhe. “Sozinhos não vamos a lado nenhum“, conclui a responsável.
Tânia Henriques em discurso direto
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1 – Que campanhas gostava de ter feito/aprovado? Porquê?
a) Campanha Nacional – MEO – Dá espaço à partilha – Mais do que uma simples iniciativa de marketing, esta campanha representa um compromisso tangível com duas questões prementes em Portugal: a crise habitacional e a solidão entre os seniores. Esta campanha não só identificou esses problemas, mas também agiu de forma proativa, lançando o programa “Partilha Casa”, que dá uma resposta sustentável para dois grupos distintos (jovens universitários deslocados em busca de habitação acessível e idosos que enfrentam a solidão). Ao abordar essas questões de forma integrada, a campanha demonstra uma visão abrangente e um compromisso genuíno com o bem-estar da comunidade. Vai para além da promoção de marca, promovendo a solidariedade e a inclusão social, mostrando como uma empresa pode ser um agente de mudança positiva na sociedade.
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b) Campanha Internacional – “Hope Soap” – Na África do Sul, a falta de higiene é responsável por milhares de mortes anualmente, especialmente entre crianças, devido a doenças como tifo, diarreia, pneumonia e cólera. Para enfrentar esse desafio, a Y&R e a ONG Blikkiesdorp4hope lançaram a campanha “Hope Soap”, sobre a importância da higiene das mãos e de criar o hábito de as crianças as lavarem. O “Sabonete da Esperança” é uma barra de sabão transparente com um brinquedo no interior. A única forma de as crianças terem acesso ao brinquedo, era lavando as suas mãos. Esse método criativo e educativo resultou numa mudança positiva de comportamento, com um aumento significativo no hábito de higiene e com resultados impressionantes: uma redução de 75% nas infeções respiratórias e de 70% nas doenças relacionadas com a falta de higiene. Mais do que uma simples estratégia de marketing, a “Hope Soap” teve um impacto duradouro, atuando diretamente na raiz do problema e promovendo uma comunidade mais saudável por meio da mudança de hábitos.
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2 – Qual é a decisão mais difícil para um marketeer?
Decidir entre a visão ideal para impulsionar a marca e os recursos limitados disponíveis. É um equilíbrio delicado. Distribuir esses recursos de forma eficaz e equilibrada para maximizar o impacto requer uma tomada de decisão cuidadosa e estratégica. Mesmo diante de restrições de recursos, é crucial para um marketeer manter a inovação e persistir na defesa da proposta de valor da marca. Optar por não seguir pelo caminho mais fácil ou óbvio pode exigir coragem, mas é muitas vezes o que diferencia uma marca verdadeiramente memorável das demais.
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3 – No (seu) top of mind está sempre?
A marca Cruz Vermelha Portuguesa (CVP), com 159 anos de história e uma presença quotidiana em todo o país, e todos os que diariamente nela estão envolvidos: colaboradores, voluntários, parceiros e, sobretudo, todos que beneficiam da sua existência. O foco da resposta social da CVP é a Pessoa. Apoiamos centenas de milhares de pessoas, nas áreas da emergência, saúde, formação, social com uma multiplicidade de respostas (bens alimentares, pagamento de rendas de casa e contas básicas, ao acolhimento de pessoas em situação sem-abrigo e vítimas de violência doméstica, apoio à população sénior, apoio em saúde mental…), suprindo necessidades básicas em falta, mas, acima de tudo, buscando criar planos de intervenção individual que visam capacitar para a autonomia e para a construção de percursos de vida com dignidade. Impactamos vidas e ajudamos a prosperar.
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4 – O briefing ideal deve…
O briefing ideal deve ser claro, conciso e “straight to the point”, proporcionando espaço à expressão criativa. É essencial desafiar e inspirar a equipa, pois, uma equipa comprometida e confiante na mensagem que está a trabalhar ousa explorar áreas de desconforto, onde frequentemente encontramos os resultados mais impactantes.
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5 – E a agência ideal é aquela que…
A agência ideal é aquela que aprofunda as necessidades e objetivos do cliente, não apenas compreendendo-os, mas também oferecendo soluções criativas e eficazes que impulsionam e ampliam a marca. Ela absorve os insights do cliente, ouvindo-o e entendendo cada detalhe do briefing. Mas vai mais além, não teme arriscar, demonstrando criatividade e inovação nas suas abordagens. Mais do que um prestador de serviços, é um parceiro com quem construímos uma relação de confiança e que caminha ao nosso lado.
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6 – Em publicidade é mais importante jogar pelo seguro ou arriscar?
Em publicidade a abordagem de arriscar traz mais vantagens, desde que mantenha a integridade da identidade e o propósito da marca. Jogar pelo seguro muitas vezes implica seguir estratégias convencionais, utilizando mensagens e imagens familiares. Contudo, ao evitar riscos, corremos o risco de produzir campanhas que sejam facilmente esquecidas e não se destaquem das dos nossos pares. A chave está em criar campanhas ousadas, criativas e inovadoras que gerem um impacto emocional duradouro. É a conexão emocional que motiva a ação e constrói uma comunidade em torno da marca.
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7 – O que faria se tivesse um orçamento ilimitado?
Acredito que a verdadeira medida do sucesso não reside apenas nos recursos financeiros disponíveis, mas sim no impacto positivo que podemos gerar nas vidas das pessoas. Elas são o verdadeiro motor de qualquer iniciativa, projeto ou campanha. Com isto em mente, a minha abordagem seria criar e amplificar campanhas que não só criem consciência sobre questões sociais, mas também ofereçam soluções práticas e tangíveis para melhorar as vidas de quem mais necessita. Concentraria os meus esforços em campanhas que promovessem a dignidade e empatia humana, abordando questões que muitas vezes são vistas como problemas “dos outros”. Procuraria intervir em problemas sistémicos que perpetuam a pobreza e as desigualdades sociais, buscando uma mudança real na mentalidade das pessoas e na sociedade como um todo. Desenvolveria campanhas cujo objetivo seria não apenas gerar consciencialização, mas também promover uma verdadeira transformação, elevando as condições de vida das comunidades e promovendo uma sociedade mais justa e igualitária.
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8 – A publicidade em Portugal, numa frase?
A publicidade em Portugal é uma combinação de talento, habilidade e coragem para sair da zona de conforto. O setor é impulsionado por profissionais dinâmicos e uma abordagem criativa e desconstruída. No entanto, apesar do desenvolvimento de campanhas impactantes, a capacidade de amplificação ainda é um desafio, afetando os resultados alcançados, especialmente no contexto social.
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9 – Construção de marca é?
A construção de marca é um processo semelhante à criação de um filho: requer cuidado, atenção e um investimento contínuo de tempo e recursos para nutrir o seu crescimento, desenvolvimento e identidade única. Ambos requerem um compromisso consistente, paciência e dedicação para cultivar relacionamentos sólidos e significativos. Para que as nossas crianças cresçam saudáveis e preparadas para a vida não basta dizer-lhes o que fazer e como fazer. É essencial que elas entendam porque o devem fazer. Assim é uma marca. O “porquê” representa a essência da marca, a sua razão de existir, os seus valores fundamentais e a sua missão. E é isso que inspira e motiva a uma conexão emocional com o público. É uma jornada contínua de comunicação, autenticidade e conexão emocional, impulsionada pelo seu propósito fundamental.
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10 – Que profissão teria, se não trabalhasse em marketing?
Ao longo da minha vida tomei como máxima que “apenas um gesto pode mudar o curso de uma história e para sempre o destino de uma vida!”. Por este motivo, continuaria no terceiro setor, atuando diretamente no terreno, procurando impactar positiva e diretamente a vida de quem mais necessita.
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