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“Marcas com propósito sólido deixam-nos sempre marca”, diz Marta Quelhas, da Unilever

Rafael Ascensão,

Equitação, viajar e trabalhar marcas com um propósito, são algumas paixões de Marta Quelhas, head of marketing de personal care, beauty & wellbeing na Unilever, que elege a Dove como marca bandeira.

Marcas com um propósito muito sólido e muito válido deixam-nos sempre marca“, entende Marta Quelhas, head of marketing de personal care, beauty & wellbeing and digital marketing na Unilever, sendo responsável por um total de sete marcas do ramo da cosmética e cuidado pessoal, entre as quais se destaca a Dove, enquanto marca bandeira e aquela que tem um propósito vincado na promoção da autoestima.

O percurso de Marta Quelhas na área do marketing começou a ser trilhado no ISCTE, onde frequentava a licenciatura em Organização e Gestão de Empresas, com especialidade em Marketing, um curso “muito prático onde davam imensos case studies à volta de marcas de consumer goods“, onde ganhou o “bichinho” pelas marcas que agora trabalha na Unilever, diz em conversa com o +M.

Mas o primeiro passo profissional foi dado na Cepsa Portuguesa Petróleos, que lhe proporcionou uma lição essencial sobre a importância do “p do preço” no desenho de uma estratégia de marketing e estratégia comercial. Um ano depois ingressou então na Unilever, empresa a que chama casa há quase 23 anos e que lhe ofereceu todas essas marcas cujos case studies lhe tinham deixado os “olhinhos a brilhar” ainda no percurso académico.

Passou primeiro pela área de gelados, seguindo-se as áreas de bussiness food solutions e home care, até estacionar nos anos mais recentes na unidade de negócio de personal care, beauty & wellbeing. Esta diversidade de poder trabalhar em diferentes unidades de negócio dentro da mesma empresa é, aliás, uma das mais mais-valias e pontos de diferenciação que encontra na Unilever.

Mas questionada quanto à sua área de eleição, considera que esta é uma pergunta com rasteira, até porque “as marcas fazem-nos apaixonar a partir do momento em que entramos no mundo delas“.

Da mesma maneira que não imaginava que hoje dissesse que adorou passar pelo negócio dos combustíveis – que não parece “nada sexy” – Marta gostou também de trabalhar algumas marcas em concreto dos setores por onde passou, como a Ben & Jerry’s, que tem um “propósito social ativo super marcante”, ou a Skip com o slogan “é bom sujar-se”.

Ou seja, “marcas com um propósito muito sólido e muito válido deixam-nos sempre marca“, defende. “É isso que nos vai apaixonando em cada marca que fazemos, onde podemos interceder para além do que é a funcionalidade do produto, que deixe um contributo realmente positivo para a sociedade e as pessoas que impactamos”.

No setor onde se encontra agora, Marta Quelhas é responsável pelo marketing das marcas Axe, Rexona, Tresemé, Linic e Vaseline, mas é a Dove, tanto pelo peso de negócio como de reconhecimento do seu propósito, que é a marca bandeira.

Recentemente, a Dove comprometeu-se a não utilizar imagens geradas por inteligência artificial em campanhas. Este comprometimento “é uma espécie de renovar dos nossos votos”, depois de há 20 anos ter sido iniciado um percurso em prol da beleza real, da desconstrução de estereótipos e da promoção de uma autoestima positiva nas mulheres, explica Marta Quelhas.

Segundo a responsável de marketing, a Dove tem todos os anos “um pilar muito grande de investimento em iniciativas que ajudem a sociedade a perceber o impacto que cada um dos nossos atos tem na autoestima dos outros”. Para isso, investe em estudos, cujos resultados não deixam de surpreender Marta Quelhas, que exemplifica com o recente dado de que duas em cada cinco mulheres prescindiria de um ano de vida para alcançar a sua aparência ou corpo ideal.

A marca encontra-se também a desenvolver o projeto “Dove Eu Confiante” junto das escolas, o qual forma professores para levarem às suas aulas um workshop onde se desconstrói com os alunos o que impacta a autoestima e o que se pode fazer para que os jovens cresçam com uma autoestima positiva.

“A diferenciação é muito essa. O desenho da nossa comunicação está estruturalmente feito à volta deste investimento em propósito. Obviamente também temos campanhas de produtos, mas também elas têm sempre um cunho que explica porque é que cada um desses produtos nos pode ajudar a sentirmo-nos melhor na nossa pele”, explica.

O grande desafio que Marta Quelhas enfrenta, em conjunto com as sete pessoas que trabalham no seu departamento, é um certo “malabarismo entre um conjunto de marcas consideravelmente grande e diversificado, e em cada dia não perder o norte do que pauta o nosso trabalho, que é no final do dia garantir que o consumidor, na prateleira, pega no nosso produto e não no da concorrência, porque reconhece que o estamos a servir melhor”.

“E eu acredito piamente que essa pequena vitória sozinha vem do propósito da marca ser percebido e ter consequências práticas na sociedade. Estou convicta de que esse é o papel das empresas e das marcas, é deixar o seu cunho, além da transação de produtos ou serviços”, afirma.

Em termos de agências, o grupo trabalha com a Initiative enquanto agência de meios, e “muito proximamente” com a LLYC, agência de comunicação que trabalha a Dove. Mas na maior parte das marcas, não acontece um desenvolvimento de comunicação local uma vez que estas estão alinhadas internacionalmente. A Vaseline, no entanto, foge à regra, pelo que trabalhou recentemente com a Fuel o seu relançamento de marca.

No dia-a-dia existe depois “muito trabalho” em termos de adaptações, implementações e ativações, explica Marta Quelhas, adiantando que o grupo conta também com parceiros “muito importantes” como a PGP – Paulo Garcêz Palha ou a Pixray que “ajudam a ativar os contactos com o consumidor”.

Este mesmo dia-a-dia é intercalado na vida de Marta Quelhas pela prática de equitação, atividade que fez parte da sua vida durante mais de dez anos quando era mais jovem, e que é uma das suas paixões. Recentemente teve o “imenso prazer” de retomar a sua prática na companhia da sua filha de nove anos. Esta paixão, aliás, estende-se aos animais em geral, pelo que são três cadelas e três porquinhos-da-índia os animais que podem ser encontrados na sua casa, na zona de Arruda dos Vinhos.

A opção de viver em Arruda dos Vinhos – de onde se desloca diariamente para Lisboa – surge de uma necessidade de contacto com a natureza e com animais. “O espaço exterior é algo muito importante para mim, tenho alguma dificuldade em lidar com paredes e com apartamentos e portanto, enquanto puder, gosto desta dualidade de trabalhar na cidade, usufruir de tudo o que a capital tem para oferecer, mas poder ter um cantinho com espaço, ar puro e com cadelas a correr de um lado para o outro”, explica.

Viajar e conhecer sítios novos é outra das paixões que desenvolve com a filha, a quem considera que a melhor formação que pode proporcionar é a de explorar novas culturas. A última viagem que fizeram foi à Ilha Boa Vista (Cabo Verde), que passou a ser o sítio preferido da filha, como aliás acontece a cada sítio novo que vai.

De todas as viagens que Marta Quelhas já fez, a que mais gostou foi, “sem dúvida”, a Costa Rica, onde gostaria agora de voltar passados cerca de 15 anos para ver as mudanças. Já a viagem de sonho é à Austrália, “porque quanto mais longe e quanto menos nos parece possível, mais nós queremos ir”.

Como propósito na sua vida, Marta Quelhas elege “abrir a arca de Noé e levar energia positiva por onde eu possa passar“, naquela que é uma “tentativa de pôr numa só frase esta minha paixão por tudo o que é a natureza, os ecossistemas, e diversidade e fazê-lo numa nota positiva, porque acredito mesmo que não estamos a passar por este mundo para deixar más energias”.

“E este propósito tem sido instrumental para tomar decisões, quer pessoais quer profissionais, e casa, na perfeição, no trabalho que eu faço em boa parte do meu dia com Dove”, conclui Marta Quelhas, deixando o conselho de que todos devem encontrar e definir o seu propósito.

Marta Quelhas em discurso direto

1 – Que campanhas gostava de ter feito/aprovado? Porquê?
Nacional, a campanha das vacas felizes da Bel. Um exemplo de fazer o bem, bem feito. Produto bom, propósito bom, os dois têm de viver harmoniosamente e assim aconteceu. Também mostra que uma marca pode ser socialmente relevante e não ter um ar enfadonho, pode atuar-se positivamente na cadeia de valor, impactar para o bem a vida dos agricultores em Portugal, e ser cómica ao mesmo tempo.

Internacional, uma campanha da Nike que retratava conhecidas desportistas durante a sua gravidez. É um misto do trabalho que fazemos com Dove para que a mulher seja respeitada em todas as fases da sua vida, e do que fazemos com Rexona estimulando o atleta de alta competição que há em cada um de nós, porque temos sempre mais para dar.

2 – Qual é a decisão mais difícil para um marketeer?
‘Deslistar’ uma marca. Criámo-las para durar, enchemo-las de valores e personalidade, projetamos-lhe um futuro auspicioso. Mas às vezes não resultam, o que também só acontece a quem se atira para a frente e experimenta, arrisca e aprende. Não obstante, há ali um cordão umbilical que se corta no momento da decisão de ‘deslistagem’ que dói um pouco.

3 – No (seu) top of mind está sempre?
O impacto que as minhas marcas ou campanhas vão ter na vida das pessoas, começando na funcionalidade do produto e terminando na concretização do seu propósito. Por exemplo Dove, todo e cada creme, desodorizante ou gel de banho está formulado para cuidar da nossa pele, protegendo a sua hidratação natural e reforçando-a; e cada campanha está desenhada para retratar mulheres reais e diversas, contribuindo para a desconstrução de estereótipos e caminhando para tornar a beleza uma fonte de confiança e não de ansiedade para todas as mulheres. Produto e Propósito trabalham para o mesmo fim, ambos fazendo-nos sentir melhor na nossa pele.

4 – O briefing ideal deve…
Demorar o triplo do tempo a preparar do que a passar à agência. É uma métrica para garantir que pensámos o suficiente sobre a mudança de comportamento que queremos atingir com a campanha, que soubemos descrever bem o target, e que sabemos com exatidão o objetivo de marketing e o de comunicação. É importante frisar, “O” objetivo! Se forem múltiplos, é meio caminho andado para dificultar a vida à agência e desperdiçar o mais precioso bem, o tempo. Porque o tempo que se julga poupar na fraca preparação de um briefing, é todo perdido a seguir em múltiplas interações para se explicar a posteriori o que devia ter ficado claro no início.

5 – E a agência ideal é aquela que…
Sabe desafiar. Que não chama debrief ao repetir do brief que receberam. Que é tão curiosa quanto nós para perceber o que vai na alma do consumidor quando escolhe aquela categoria de produto. Que veste a camisola e dá por si a falar da marca como sua, porque é também sua. A agência ideal é uma extensão da equipa.

6 – Em publicidade é mais importante jogar pelo seguro ou arriscar?
Arriscar. Sou grande fã da sabedoria popular. “Quem não arrisca não petisca”. Arriscar não é ser imprudente, é detectar um insight do qual ainda ninguém se apoderou e falar dele de forma relevante e diferenciadora. Dove Men foi a primeira marca a lançar no grande consumo em Portugal um sabonete sólido dedicado à pele dos homens, só porque escutámos atentamente o consumidor e vimos que mais de 20% dos homens já tomavam banho com sabonete sólido e não tinham uma proposta pensada nas necessidades específicas da sua pele.

7 – O que faria se tivesse um orçamento ilimitado?
Levava o Programa “Dove, Eu Confiante” a todas as escolas do país. Para mudar o futuro, temos de influenciar os adultos do futuro. Se queremos que as gerações que agora se estão a formar, cresçam com uma relação positiva consigo próprias e se tornem adultos que compreendem a importância da diversidade e a defendem, então o momento de agir é nessa fase crítica de formação da personalidade. Abrir horizontes, desconstruir estereótipos, falar abertamente sobre o que desestabiliza a confiança dos nossos jovens é um imperativo para uma sociedade mais tolerante e inclusiva.

8 – A publicidade em Portugal, numa frase?
A qualidade da publicidade, tal como tantas outras valências, não se mede pelos metros quadrados do país; faz-se neste pequeno recanto da Europa à beira-mar plantado, publicidade de altíssimo gabarito.

9 – Construção de marca é?
Saber sem pestanejar o propósito da nossa marca, e usá-lo para todas as decisões sobre o rumo da mesma. As marcas são entidades vivas, com valores, com personalidade. Se não os tivermos bem definidos e não formos fiéis aos mesmos, nada se está a construir, está-se somente a atirar areia contra o vento. Imperativo é, também, que as qualidades funcionais do produto ou serviço trabalhem em complementaridade com o propósito, sob pena de os dois se tornarem água e azeite quando tal não acontece.

10 – Que profissão teria, se não trabalhasse em marketing?
Seria (e acho que ainda tal vou ser) gestora do Woof Woof Inn, um hotel canino de cariz social, que se monetiza através de serviços de hospedagem e escola para poder financiar o acolhimento e reinserção de todos os patudos que não têm a sorte de ter um cuidado consciente. A correr bem, seguir-se-iam o Miau Miau Hills, o Hilton Horse e o Riu Birds.

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