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“O desafio é conseguir aproximar a marca dos portugueses”, aponta Filomena Spranger Jorge, do Burger King

Rafael Ascensão,

Filomena Spranger Jorge começou em agências e passou por Espanha com a MediaMarkt. De regresso a Portugal, para junto da família, "a base", assumiu em fevereiro a direção de marketing do Burger King.

É sempre um momento muito interessante quando se começa a lançar uma marca no mercado, porque podemos fazer coisas muito loucas que normalmente as marcas que já estão mais consolidadas não fazem, não vão querer arriscar tanto“, considera Filomena Spranger Jorge, desde fevereiro diretora de marketing do Burger King Portugal.

Este “privilégio” teve-o ainda enquanto diretora de marketing da MediaMarkt, por altura da entrada da marca em Portugal, com o slogan “eu é que não sou parvo”, o qual “acho que toda a gente ainda se lembra e que na altura ou era muito amado ou muito odiado”.

“Essa parte, de perceber como é que íamos implementar a marca em Portugal, foi muito divertida. E depois também foi muito giro avançar com campanhas que nunca tinham sido vistas e que hoje já são normais, como o dia sem IVA. A MediaMarkt foi a primeira marca a trazer o dia sem IVA para Portugal, foi uma loucura, foi incrível. Fizemos coisas que hoje em dia são super normais, mas que na altura fomos um bocadinho pioneiros“, diz em conversa com o +M.

A sua carreira, no entanto, começou do lado das agências, com passagens pela Publicis, Zenith e McCann. Aliás, os primeiros passos foram dados nesta última, pelo que começou “logo em grande” e numa “grande escola”. “Foi no tempo em que as agências tinham grandes profissionais, grandes nomes no mercado, e portanto apanhei essa fase ainda e privei com grande parte deles“, recorda.

O percurso em agências, na sua opinião, é fundamental uma vez que “acaba por dar uma visão mais 360º daquilo que são todas as disciplinas do marketing. E ainda mais hoje em dia, em que o marketing está muito alicerçado em dados e analítica e não tem tanto a ver com aquilo que é o gut feeling. Essa visão 360º dá-nos uma amplitude muito maior naquilo que é a tomada de decisão e mesmo naquilo que é o diálogo com os nossos parceiros e as nossas agências”, considera.

A passagem para a MediaMarkt aconteceu quando a marca procurava parceiros para entrar em Portugal, pelo que Filomena Spranger Jorge esteve bastante envolvida num pitch apresentado pela Zenith. Apesar de a agência não ter ganho o concurso, Filomena ganhou um novo desafio profissional, depois de receber uma chamada.

“Ligaram-me e eu pensava que iam dar a notícia do resultado do concurso. Mas na verdade foi para me perguntarem se eu queria ir trabalhar com eles, porque estavam à procura de alguém para liderar a direção de marketing. Não ganhámos a conta mas eu ganhei um amor para a vida, e foi assim que entrei no retalho, que entrei para o outro lado, passei das agências para o cliente”, explica.

Na MediaMarkt acompanhou o desenvolvimento e a expansão da marca no mercado durante muitos anos, num percurso que atingiu a maioridade. A certa altura surgiu a oportunidade de assumir responsabilidades a nível ibérico, pelo que Filomena Spranger Jorge foi convidada para ir para Barcelona fazer a gestão da marca para Portugal e Espanha.

“E aí, efetivamente, o desafio subiu de nível porque a marca em Espanha, ao contrário do que acontece em Portugal, é uma marca muito consolidada, líder num mercado que é 10 vezes superior em termos de volume de negócio ao português. Foi muito interessante ver esse contraste, ter a visão dos dois lados da fronteira e poder gerir um negócio com as suas especificidades de um lado e do outro”, explica.

Foram assim quase quatro, os anos passados por terras espanholas, intercalados por fins de semana passados em Portugal. A decisão de ir, foi tomada “quase como que num conselho de administração”, com a família – composta pelo marido e os dois filhos (16 e 12 anos) – que é a sua “base mais sólida”.

Achámos todos que fazia sentido ir e apostar naquilo que era a minha carreira profissional, porque era um desafio extraordinário que não podia deixar passar ao lado. Foi uma decisão tomada em família“, diz.

Mas também o regresso foi uma decisão tomada em família. “Eu estava deslocada em Barcelona durante a semana, e voltava aos fins de semana para estar com a minha família, estava sempre presente aos fins de semana e longe durante a semana. É uma logística um pouco intensa para uma mãe de família, ainda por cima com uma pandemia pelo meio”, explica.

A minha família é a minha base e eu sempre fui daquelas pessoas que dizia que nunca iria trabalhar para fora e que seria incapaz de deixar a família em Portugal. E afinal nunca se diga ‘desta água não beberei’, pois acabei por fazê-lo e foi uma experiência incrível, uma aprendizagem extraordinária, cruzei-me com profissionais fabulosos, aprendi muito do negócio“, refere.

Recentemente regressou portanto a Portugal “um pouco sem plano”. Depois de ter colaborado com agências, surgiu o desafio do Burger King, uma marca “espetacular, que tem tudo a ver também com a minha forma de ser, uma marca divertida e irreverente. Acho que tenho muito para fazer essa marca crescer em Portugal e pôr estes anos todos de retalho e experiência a fazer crescer a marca e conquistar os consumidores”, considera.

A comunicação da marca, segundo Filomena Spranger Jorge, distingue-se pela sua irreverência e visão realista. “A marca trabalha sempre com um contexto muito real, não só das pessoas, como da comida. Pretende chegar às pessoas de forma a se revejam naquela comunicação”, explica.

É sobre a relação entre a pessoa e a comida. É, como se costuma dizer, ‘hand food’: comida feita com as mãos para comer com as mãos. E a comunicação reflete exatamente isso, é o desfrute, é o prazer, os sabores em primeiro plano e toda a experiência que proporciona nas pessoas“, diz. “Queremos pôr isso na nossa comunicação”, acrescenta.

Um dos grandes desafios em Portugal para o próximo ano – tendo em conta que a marca dispõe de uma estrutura ibérica e que o mercado espanhol “absorve muita da atenção” – passa por “conseguir aproximar a marca do povo português“.

“Para acontecer temos que encontrar precisamente esse ponto para comunicar, não podemos fazê-lo da mesma forma que em Espanha ou outros mercados. É o extra mile que temos de fazer para elevar a marca a outro patamar no mercado em Portugal“, explica a diretora de marketing, que em Portugal tem na equipa mais quatro pessoas.

De entre as opções do menu do Burger King, Filomena Spranger Jorge sempre foi “super fã” do Whopper. Desde que a marca lançou o “Whopper mais Whopper que nunca”, ainda ficou “mais fã”, tendo servido de embaixadora do novo produto em sua casa, por querer que todos o provassem.

A casa é em Venda do Pinheiro, localidade escolhida pela família para viver, por ter “aquela distância perfeita de Lisboa”. É o meu refúgio, onde podemos passar os fins de semana em tranquilidade, sem grande confusão, com os miúdos, a apreciar o campo, a ouvir os passarinhos, o que é importante depois de uma semana de trabalho“, explica Filomena Spranger Jorge.

Mas raramente se passam fins de semana sem “casa cheia”. “Gosto muito de passar tempo com os meus amigos e de desfrutar momentos em família. Por norma, temos sempre amigos em casa, nossos ou dos miúdos, porque acho que o mais importante é rodearmo-nos daqueles que mais gostamos“, afirma.

É também aí que encontramos energia para a semana, para enfrentar os desafios do dia a dia, as rotinas e todos os programas mais obrigatórios da semana“, conta a diretora de marketing do Burger King, que também gosta de se dedicar a outras artes, incluindo a fotografia.

Sou muito fã de fotografia. Adoro fazer álbuns digitais. Desde que inventaram as máquinas digitais fiquei um pouco preocupada sobre o que havia de fazer às milhares de fotografias que revelava, até que encontrei os álbuns digitais. Faço sempre álbuns de família – um para cada ano -, álbuns de viagens, sou um bocadinho viciada. E esse é o meu prazer secreto, ficar a rever os momentos“, diz.

Outro passatempo passa por servir de “motorista” aos filhos, ao conduzi-los seja para jogos de basquetebol, para encontros com amigos ou para irem ao parque andar de skate.

“Esse também é o meu passatempo, acompanhar os meus filhos e estar presente para eles sempre que precisam, porque acho que a família é isso mesmo, estarmos juntos. E, de alguma forma, para compensar também aquele tempo em que não consegui estar com eles de uma forma tão permanente”, conclui.

Filomena Spranger Jorge em discurso direto

1 – Que campanhas gostava de ter feito/aprovado? Porquê?
Felizmente em Portugal há excelentes exemplos de boas campanhas que são executadas na perfeição, impulsionadas por grandes profissionais de marketing e agências que têm feito trabalhos fantásticos. Digo sempre que as ideias simples são as melhores, mas é frequente serem as mais difíceis de executar. Fico com os olhos a brilhar com campanhas trabalhadas em redor de um propósito, que contam histórias e fazem a magia de nos sentirmos parte da narrativa. Acima de tudo, gosto de seguir marcas que são consistentes na sua forma de comunicar, usando as campanhas como cápsulas de conteúdos que alimentam essa construção de marca.

2 – Qual é a decisão mais difícil para um marketeer?
A decisão mais difícil está sempre associada ao equilíbrio que devemos garantir para colocar os recursos adequados naquilo que são as prioridades para o negócio e para a marca. Não se trata de um momento único no tempo quando se define a estratégia ou o budget anual, mas sim ter a capacidade de ter presente de forma permanente se as nossas decisões do dia a dia estão realmente a contribuir para os objetivos que temos definidos para o negócio e para a marca. O dia a dia consome tanto da nossa atenção que é fácil perder essa visão global. Tento manter-me nesse caminho e ter sempre presente a distinção entre importante, prioritário e urgente.

3 – No (seu) top of mind está sempre?
No top of mind de quem se dedica a uma marca que recebe milhares de pessoas todos os dias nos seus restaurantes não pode estar outra coisa que não sejam efetivamente os clientes. Desde a inovação, experiência nos diversos pontos de contacto, lançamento de novos produtos, comunicação, não há nada que paute mais as nossas operações que o cliente. O marketing acaba por ser ponta do iceberg, a parte visível de toda uma empresa que se organiza para ser verdadeiramente customer-centric. Não há outra forma de ver o negócio hoje em dia.

4 – O briefing ideal deve…
Deve ser construído com muita claridade sobre quais os objetivos, contar com toda a informação necessária para construir as bases do caminho e também haver entendimento sobre quais são as métricas que vão medir os resultados. Devemos evitar cair na tentação de ter demasiados objetivos camuflados num único projeto porque seria o mesmo de fazer tiro ao alvo com um canhão.

5 – E a agência ideal é aquela que…
É aquela que é verdadeiramente uma extensão da equipa, entende bem o negócio e os desafios que devem ser superados. A agência deve estar permanentemente a desafiar para sairmos da nossa zona de conforto – quer seja uma agência criativa, media, digital ou qualquer outra que faça parte do ecossistema organizativo. A agência tem também a missão nobre de nos ajudar a ter os olhos no mercado, partilhar o que melhor se faz dentro e fora, trazer inspiração e evitar que exista uma atenção seletiva. Não nos podemos esquecer que as agências são feitas de pessoas. Quando existe uma boa sinergia entre cliente-agência, na realidade falamos de uma sinergia entre pessoas que fazem parte de uma mesma equipa e trabalham para os mesmos objetivos, desde as suas diferentes áreas de responsabilidade.

6 – Em publicidade é mais importante jogar pelo seguro ou arriscar?
Vou dar “aquela” resposta terrível – depende! Depende da marca, dos seus objetivos e do papel que a publicidade representa nesse caminho. Em publicidade, o que pior que pode acontecer é que os consumidores sejam indiferentes à mensagem e, como responsáveis de uma marca, temos de assegurar relevância na comunicação, evitando cair nesse campo de indiferença. Agora, a forma como a publicidade dá forma às mensagens deve estar sempre intrinsecamente ligado com os valores da marca, o seu propósito, o mercado, a posição que ocupa e, obviamente, os objetivos que persegue. Não há uma receita única, mas é certo que vibramos mais com a publicidade que arrisca, que tem a capacidade de provocar, tanto os consumidores como a concorrência. E em Portugal somos bastante bons a fazer esse jogo!

7 – O que faria se tivesse um orçamento ilimitado?
Pode parecer o sonho de qualquer marketeer mas, na realidade, acho que seria bastante aborrecido. Desvirtuaria uma das principais responsabilidades de quem conduz o destino de uma marca porque deixaria de haver a necessidade de pôr critério na tomada de decisão, uma vez que tudo passaria a ser possível. Respondo antes a outra pergunta, o que faria se tivesse o dobro do orçamento? Isso sim, seria divertido! Apostaríamos ainda mais em inovação, no desenvolvimento de produtos locais e campanhas específicas para o mercado português!

8 – A publicidade em Portugal, numa frase?
É um mercado pequeno, mas com muita maturidade, tanto da parte das marcas como das agências. Existe também o reconhecimento internacional, não apenas a nível de prémios, mas também dentro das estruturas das próprias marcas que frequentemente utilizam exemplos do que se faz em Portugal como case.

9 – Construção de marca é?
A construção de uma marca tem de começar dentro da organização, com a definição do seu propósito e da sua missão. Tudo o que a marca faz deve ser coerente com esse propósito, quer seja na comunicação interna ou externa. A coerência das mensagens e a consistência da experiência de cliente é o que constrói uma marca e cria maior ou menor ligação com o consumidor.

10 – Que profissão teria, se não trabalhasse em marketing?
Não deixei para trás um plano B, mas certamente seria algo onde o contacto com pessoas fizesse parte do dia a dia.

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