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A querer estar sempre um passo à frente, Sérgio Leal, da McDonald’s, na primeira pessoa

Rafael Ascensão,

A McDonald’s tem procurado integrar a cultura pop e comunicar para os jovens, mote para uma conversa com Sérgio Leal, diretor de marketing, para quem o double cheeseburguer é o hambúrguer de eleição.

O grande desafio na área do marketing continua a ser o de “pensar mais à frente das tendências”, entende Sérgio Leal, diretor de marketing e comunicação da McDonald’s.

É “procurar não apenas responder às necessidades, mas pensar até mais à frente, quais são as principais tendências, de que forma os consumidores vão evoluir, e, muitas vezes antes de eles próprios chegarem exatamente às soluções, ajudar a marca a antecipar esse caminho”, explica em conversa com o +M.

É esta capacidade de “ver um bocadinho mais à frente” que é necessária para que a marca possa a estar um passo à frente, “como temos conseguido felizmente fazer nos últimos anos”, acrescenta.

Para isso contribui o facto de a marca de restauração se integrar na cultura pop a vários níveis, que vão desde o gaming à música, e que faz com que a McDonald’s seja uma marca que “acaba por fazer parte e estar presente, muitas vezes até de forma orgânica, e não comercial”, entende o responsável pelo marketing da marca.

É dentro deste âmbito que se insere uma das suas comunicações mais recentes – lançada a nível global – onde a marca dá vida ao universo WcDonald’s, uma representação da McDonald’s ao estilo das séries de animação japonesas. A iniciativa engloba uma série de quatro episódios de anime e mangá, criada e produzida de forma exclusiva para a campanha, bem como com o lançamento do McMenu WcDonald’s, com o Molho “WcDonald’s Sweet Chili”, e um packaging temático.

Noutra campanha, em setembro, a McDonald’s quis assumidamente falar para os jovens portugueses (geração Z), abordando temas que lhes são relevantes, como o emprego ou a sustentabilidade, e procurando para isso “exemplos inspiradores de pessoas reais”.

A McDonald’s procura assim comunicar de uma forma “próxima e diferente” com os jovens, visando reforçar a afinidade e confiança com este público, embora não deixe de ser “uma marca que chega a muitas pessoas diferentes e de muitas faixas etárias”, diz Sérgio Leal.

“É uma comunicação que tem ajudado a procurar ser um bocadinho mais jovem, fazendo-o de uma maneira que os públicos mais adultos continuem ligados e se sintam refletidos na comunicação da marca, e que procura também estar muito em linha com aquilo que é o nosso ADN. É, portanto, uma comunicação muito informal, divertida e simples – ou como nós costumamos dizer, uma comunicação muito ‘à la McDonald’s’”.

Na senda daquele que é um caminho que começou a ser trilhado no ano passado, podem ser esperadas num futuro próximo mais incursões da marca neste tipo de territórios próximos das gerações mais jovens, procurando-se novas presenças em locais e em formatos diferenciadores.

Além disso, pode-se também contar com um foco por parte da marca naquilo que é a inovação ao nível dos diferentes produtos oferecidos, entre saladas, gelados e, claro, hambúrgueres. Neste campo, o double cheeseburger é o hambúrguer de eleição de Sérgio Leal, para quem a “combinação da carne com o queijo derretido é espetacular e tem muito aquele sabor único da McDonald’s”.

Entre as várias oportunidades que tem para degustar este hambúrguer encontram-se os almoços semanais realizados tanto a nível de equipa como de empresa, naquela que é uma forma de celebrar a marca e de estarem mais próximos daquilo que é a operação da cadeia de restauração.

“Muitas vezes é uma oportunidade de perceber como é que as nossas campanhas, que são delineadas e pensadas no escritório com as agências, chegam na prática aos restaurantes e que impacto têm nos consumidores e nas equipas, bem como de identificar oportunidades de melhoria. Essa proximidade é absolutamente fundamental”, afirma.

Em termos de agências, o trabalho criativo é desenvolvido pela TBWA, enquanto a OMD é a agência de meios, a LPM a agência de comunicação, e a Fullsix a agência digital, numa relação que “é muito mais de parceria”.

“Nós vemos muito as nossas agências como uma extensão dos nossos departamentos – mais do que uma relação mais formal entre cliente e fornecedor – o que faz com que as agências estejam muito envolvidas na estratégia da nossa marca, o que torna depois muito mais efetivo o seu trabalho e o seu contributo, porque na generalidade estão quase tão por dentro como a nossa equipa e isso ajuda muito no trabalho diário de desenho e implementação das campanhas”, diz Sérgio Leal.

“E elas próprias também trabalham de forma muito integrada, em equipa, pelo que muitas vezes não se nota quase qual é a agência criativa ou qual a agência de meios, funcionamos mesmo como uma equipa coesa, e eu acho que essa é uma das razões do nosso sucesso em Portugal”, acrescenta.

Foi em 2005 que Sérgio Leal entrou na McDonald’s, naquela que tem sido uma viagem que está perto de fazer duas décadas de duração mas em que “nem parece que passou este tempo todo”. Isto porque a empresa “dá a oportunidade de evoluir a nível profissional, mas também porque é uma marca onde raramente fazemos a mesma coisa”, explica o profissional.

“Fazemos coisas diferentes todos os dias, é uma marca que se vai reinventando muito e sendo muito inovadora. Não só no setor em que está mas até comparando com outros setores, e isso faz com que o tempo passe e nós não sintamos que estamos a fazer as mesmas coisas. Estamos sempre a fazer coisas diferentes e a aprender”, refere.

Depois de exercer as funções de gestor de produto e de gestor do departamento de marketing, Sérgio Leal é diretor de marketing e comunicação da McDonald’s Portugal, desde abril de 2019.

Mas a primeira experiência profissional foi na Mars – empresa que geria as marcas de chocolates como Mars, M&M’s, Snickers, Twix, e de pet food, como Pedigree e Whiskas – onde desempenhava uma função de representação das marcas no ponto de venda e de interação com os retalhistas. Foi nesta altura que viveu uma das histórias que marcaram o seu percurso profissional.

Numa altura em que era responsável por uma área que o seu chefe designava como Grande Lisboa – mas que, basicamente, ia do norte de Lisboa ao sul do Porto – a qual percorria com uma carrinha com M&M’s desenhados, Sérgio Leal achou “inusitado” que quando a sua chegada a terras mais pequenas, como algumas na zona da Serra da Estrela, “era quase um evento, com as crianças todas a correr atrás do carro”.

“Foi algo que marcou, porque era algo inusitado, e isso na altura fez-me pensar que se aquele carro tinha um impacto assim na rua, também poderia ter junto de um hipermercado para apoiar promoções”, explica.

Foi com base nesse insight que combinou com um hipermercado para ter a carrinha lá parada durante duas semanas numa promoção de chocolate. Embora depois tenha de ter convencido o seu chefe a dar-lhe outro carro durante essas duas semanas, a iniciativa apresentou “resultados estrondosos”, e levou a que se tentasse alargar a ideia a outros supermercados a nível nacional.

Antes de integrar a McDonald’s, Sérgio Leal passou ainda pelo mundo das telecomunicações, onde acompanhou o processo de mudança da marca Telecel para Vodafone, no departamento de marketing para os clientes particulares.

Além da paixão assumida pelo marketing, tem outra quase ao mesmo nível, a de viajar e de conhecer outras culturas – “quanto mais diferentes, melhor” – pelo que as duas viagens mais marcantes que já fez foi ao Quénia e à China.

O resto do tempo é dedicado à família – constituída pela esposa, pela filha de 18 anos, e pelo filho de 15 – com quem vive em Alcochete. Sendo natural de Lisboa e a esposa de Almeirim, no Ribatejo, Alcochete foi o “compromisso encontrado por ter a ver com as duas realidades“. A decisão foi também tomada tendo em conta a procura por “uma zona um pouco mais calma, mas ao mesmo tempo perto de Lisboa”, explica.

A filha, estudante de Gestão na Universidade Nova de Lisboa, parece partilhar a afinidade com a área de trabalho do pai. “É interessante que muitas vezes, em conversas, mostra opinião sobre as campanhas da McDonald’s, dá-me feedback. Desde pequena que tem muita afinidade e eu acho que tem muito jeito para estas áreas de consumidor, marketing e criatividade. Não por minha influência, mas realmente por ser algo que ela gosta e que eu penso que tem talento para”, diz.

A “grande parte do pouco tempo livre” que sobra a Sérgio Leal é dedicada ao desporto, entre ciclismo e padel, que joga com amigos e conhecidos em Alcochete.

Sérgio Leal em discurso direto

1 – Que campanhas gostava de ter feito/aprovado? Porquê?

A nível nacional, tenho particular admiração pelas campanhas do Turismo de Portugal, que refletem uma evolução da abrangência do marketing ao longo dos anos. Em detrimento de produtos, estas campanhas destacam e promovem o nosso país, a sua cultura e património, aplicando conceitos de criação de valor, posicionamento e diferenciação em relação à concorrência.

A nível internacional, destacaria três aspetos essenciais: coerência de posicionamento (um ótimo exemplo é a marca Snickers), a contribuição ativa para a resolução de problemas da sociedade (como podemos ver nas campanhas da Dove, sobre autoestima, ou da Corona, na recolha de plástico dos oceanos), e ainda, mais recentemente, as novas abordagens do marketing mais data driven. Neste último ponto, destaco a recente campanha da Mastercard “Where to settle”, premiada em Cannes, que pretendia dar resposta a um problema atual, ajudando refugiados da Ucrânia a realocarem-se na Polónia, com melhor qualidade de vida e novas oportunidades de emprego. Na verdade, esta campanha combina perfeitamente os três elementos que mencionei acima e é um exemplo espetacular de como uma marca pode ter um impacto significativo na sociedade.

2 – Qual é a decisão mais difícil para um marketeer?

As decisões mais difíceis prendem-se com a aprovação de campanhas com muito potencial e com um grande propósito, mas que trazem alguns riscos associados. São aquelas que nos mantêm acordados à noite, ponderando os prós e contras antes de partilharmos a nossa decisão. E mesmo depois de aprovadas, deixam-nos com uma sensação de formigueiro na barriga e algumas noites de insónia à medida que se aproximam do lançamento.

3 – No (seu) top of mind está sempre?

O consumidor, com toda a certeza. No marketing, todas as nossas ações devem estar centradas no consumidor. Manter este foco permanente ajuda-nos a tomar as melhores decisões ao longo do processo criativo com as agências.

4 – O briefing ideal deve…

Contar uma história inspiradora em apenas uma página. É importante que a mensagem seja clara e concisa, focada na transmissão de uma ideia única. É essencial garantir a coerência e consistência em cada palavra, desde o início até o fim da narrativa. Um briefing que cumpre estes requisitos é um grande passo para uma campanha de sucesso.

5 – E a agência ideal é aquela que…

A agência ideal é aquela que consegue equilibrar da melhor forma a componente criativa com a estratégica. Muitas vezes, deparamo-nos com situações em que a criatividade é excelente, mas não responde a 100% à estratégia definida e à mensagem que queremos transmitir. Por outro lado, por vezes existe um racional estratégico bem delineado, mas a criatividade não é suficientemente disruptiva. Por isso, considero fundamental que estas duas vertentes andem de mãos dadas para o sucesso de dada campanha, sabendo que nem sempre é uma tarefa fácil.

6 – Em publicidade é mais importante jogar pelo seguro ou arriscar?

Considero que é essencial arriscar para quebrar a barreira da indiferença dos consumidores e superar a atual fragmentação dos media. No entanto, isso não significa que não devamos calcular e antecipar potenciais riscos. Os marketeers devem ter a coragem necessária para arriscar e captar a atenção do seu público-alvo, mas também precisam de calcular e antecipar riscos, que poderão ter impacto na reputação da marca. É essencial que a relação entre o risco assumido e o potencial ganho seja equilibrada e que estejamos preparados para responder a qualquer cenário. Isto porque, nos dias de hoje, é muito fácil destruir em segundos tudo o que foi construído ao longo de muitos anos.

7 – O que faria se tivesse um orçamento ilimitado?

Um dos papéis do marketeer consiste, precisamente, em tomar decisões estratégicas e fazer as escolhas certas para maximizar o retorno do investimento em marketing. Pensar num orçamento ilimitado não seria algo equacionável, pois não contribuiria para melhores decisões e acabaria até por desvirtuar o trabalho de um bom marketeer. Estabelecer limites de orçamento permite não só priorizar as iniciativas, como também otimizar cada campanha. Este fator, aliado a uma estratégia bem definida, com uma criatividade disruptiva e uma grande relevância junto do público-alvo, são sim essenciais para criar valor e campanhas de sucesso.

8 – A publicidade em Portugal, numa frase?

A publicidade em Portugal é um exemplo a seguir. O nosso talento é muito superior à escala de um país mais pequeno, e a prova disso são as frequentes distinções internacionais atribuídas a alguns dos nossos melhores criativos ou realizadores, nos principais prémios das várias disciplinas associadas à publicidade.

9 – Construção de marca é?

Garantir uma forte coerência de posicionamento em todos os seus pontos de contacto com os clientes (atuais ou potenciais) e mesmo com os colaboradores, pois hoje, mais do que nunca, todos os aspetos da marca comunicam. Por exemplo, a mensagem transmitida por uma marca na televisão deve ser coerente com a experiência real que proporciona nas suas lojas físicas, ou através dos seus serviços ou produtos, mas também com a forma como comunica e interage com os seus colaboradores e equipas.

10 – Que profissão teria, se não trabalhasse em marketing?

O meu sonho era ser piloto de avião e cheguei a estar num concurso para controlador de tráfego aéreo, mas, felizmente, fiquei em 13º quando só havia 12 vagas! Também gosto muito de psicologia, pelo que, se não trabalhasse em marketing, adoraria trabalhar nesta área, aprofundar o conhecimento sobre as pessoas e a influência dos seus comportamentos. No fundo, acho que é também por isso que gosto muito da área de marketing, pela aplicação destes conceitos nos consumidores.

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