“É fundamental para a Greenvolt ter capacidade de investimento que não tem hoje”

João Manso Neto aposta nas oportunidades de investimento nas renováveis, apesar dos preços baixos no mercado ibérico. Elogia os atuais acionistas, mas apoia a oferta do KKR sobre a Greenvolt.

O presidente executivo da Greenvolt é um dos candidatos ao prémio de melhor CEO nos Investor Relations and Governance Awards (IRGA), da consultora Deloitte. Em entrevista ao ECO, João Manso Neto faz uma avaliação positiva do REpowerEU, o programa europeu desenhado para reduzir a dependência energética da União Europeia de outros blocos e avançar com a transição climática. “Agora, se não dermos passos nos anos que sobram, aí sim, falhamos“.

João Manso Neto não mudou de opinião sobre as oportunidades de investimento no setor das renováveis, apesar dos preços baixos no mercado ibérico. O gestor reafirma que os desafios da descarbonização mantêm-se. “Nós, aqui em Portugal e em Espanha, vivemos influenciados pelo facto de provavelmente serem das poucas zonas do globo onde há excesso de capacidade de renováveis. Isso não é verdade na maior parte dos outros sítios, em que as dificuldades de obter autorizações de projetos (permitting) se mantêm“.

Os preços chamados ‘grossistas’ de renováveis estão particularmente baixos em Portugal e Espanha, por causa do ano húmido, João Manso Neto admite que os preços de curto prazo poderão aumentar no verão. Ainda assim, “os preços de longo prazo estão claramente acima do que estavam antes da crise energética de 2021, e depois 2022. Portanto, a longo prazo continua a haver margens de investimento“.

A Greenvolt está em processo de mudança de acionistas, o fundo KKR vai controlar pelo menos 60% da companhia a partir de junho, mas tudo indica que João Manso Neto vai continuar a liderar o projeto.

Cumpre-se este sábado do REpower EU. Que avaliação faz deste programa?

Tem-se feito muito em termos de evolução das renováveis na Europa, agora, há dois anos concluiu-se que um dos grandes problemas das renováveis não se terem expandido o suficiente tinha a ver com o problema das autorizações, o grande problema. Algumas coisa se fez, mas objetivamente, creio que podemos dizer que ficou um pouco aquém das expectativas, o que, de alguma forma, também não surpreende muito. O diagnóstico é fácil de fazer, ou seja, há um problema de ‘permitting’. O que às vezes se confunde demasiado é atrasos no ‘permitting’ com burocracia. De facto, acontece, a burocracia existe, e também se fez um grande progresso, mas que existe, é apenas uma parte do problema.

Como se pode acelerar?

Há que fazer um diagnóstico mais profundo. Porque é que é difícil o ‘permiting’? Há burocracia, essa deveria ter sido resolvida mais rapidamente. E diria que a culpa de não se ter resolvido mais rapidamente, por burocracia, por falta de meios de licenciamento. Aqui, de facto, todos os governos deveriam ter atuado mais rapidamente. Mas, depois, há outro tipo de razões, mais objetivas e mais difíceis de ultrapassar. Por um lado, as restrições que há na rede.

Quais?

Há duas matérias. Há necessidade de mais rede e a necessidade de melhor utilização da rede, e em nenhuma delas se fez grande coisa. Por outro lado, há problemas objetivos que têm a ver com conflitos entre biodiversidade e a expansão das renováveis clássicas. E, veja, este problema é muito difícil de ultrapassar… E quando se quer ultrapassar isto um bocadinho de qualquer maneira, ou seja, dizer que a energia predomina sobre o ambiente, é um caminho que parece eficaz, mas não é.

Porquê?

Porque acaba por criar mais burocracia. Portanto, diria que se identificou bem um problema, mas não se foi ao fundo e não se tomaram as medidas necessárias. Por outro lado, uma coisa que vinha no RePower muito importante era o fomento da produção descentralizada. Aí, diria que a legislação acabou por ser aprovada a nível europeu, agora tem de ser transposta, mas, sinceramente, aqui, ainda mais, se esperaria uma melhor implementação…

…dos governos nacionais?

Dos governos nacionais, mas também da mentalidade das pessoas. Isso também é importante, não pôr sempre as culpas nos governos. Muitas vezes, os decisores, quer públicos, quer privados, não têm tempo para ver as coisas estruturais. E uma das coisas estruturais que há é precisamente resolver e reduzir a dependência da rede e, para isso, é preciso ter tempo para pensar em coisas importantes. Muitas vezes, as pessoas pensam no urgente e não pensam no importante. O importante fica sempre para trás, sobretudo quando os preços da eletricidade baixam, e ainda menos urgente se torna.

Então, qual foi o balanço destes dois anos?

Tomaram-se medidas positivas, mas a implementação, eu diria, ficou um bocado abaixo do esperado.

Será necessário adequar as expectativas dos resultados do REpowerEU à realidade? Os objetivos não foram demasiado ambiciosos, no contexto em que surgiu, a redução da dependência de energia do espaço europeu a outros blocos?

Os objetivos não foram, propriamente, para os próximos dois anos, foram definidos a médio prazo, a médio e, alguns, a longo prazo. Agora, se não dermos passos nos anos que sobram, aí sim, falhamos. Estes dois anos mostram que não basta uma boa legislação sequer. É preciso, depois, uma implementação prática no terreno. O que passa, por um lado, por haver os meios necessários para ultrapassar a burocracia, para decidir rápido, mas também chamar a atenção para questões de mentalidade que afetam todos. Não se pode dizer, neste caso do sistema descentralizado, que a culpa por não se avançar mais tenha sido só dos governos. Não é? Também é, mas não é só. Falando de Portugal, a legislação até é relativamente favorável, é bastante favorável, foi uma das mais avançadas da Europa. Mas poderia ter sido feito mais, muito mais, se as decisões, também privadas, fossem tomadas de outra forma. Estes dois anos, assim, mostram que é necessário escutar mais.

Como é que avalia a dependência europeia em termos de cadeia de valor das renováveis?

A Europa manteve no vento uma posição hegemónica. No solar, e noutras matérias, como nas baterias, continuamos extremamente dependentes da China.

E no storage?

No storage, também. E noutras áreas em que a Europa tinha predominância também está a suceder isso. Qual é a solução…

…qual é?

A solução é tentar criar artificialmente uma indústria europeia? Eu, pessoalmente, tenho as maiores dúvidas. Acho que a Europa tem de se especializar naquilo em que deve, deve pedir, exigir, reciprocidade em termos da abertura do comércio, deve pedir e exigir reciprocidade. É mais importante do que tentar fazer concorrência à indústria chinesa?

Mas é mais importante do que tentar criar artificialmente concorrência à indústria chinesa nas baterias.

Diria que sim. As baterias têm duas partes, uma coisa é bateria, física, que armazena energia e está sujeita a comandos, a inteligência. Se calhar, a Europa deveria ser muito mais forte na parte de comandos, na inteligência, e não tentar artificialmente viver de baterias. Nos painéis solares é o mesmo. Eu tenho fundas dúvidas sobre estar a criar artificialmente na Europa indústrias, no fundo relativamente básicas, para as quais não tem vantagens competitivas. Dito isto, também não é razoável que noventa e tal por cento seja de um fornecedor. Isso é perigosíssimo.

Como se ultrapassa isso?

Qual é a maneira inteligente, a meu ver, de fazer isto? É fomentar o investimento em outros países que possam ter as mesmas vantagens competitivas da China.

De que forma os governos e a União Europeia poderão fazer isso?

Reduzindo o risco de investir nesses países. Um exemplo: Suponhamos que se queria desenvolver em Marrocos, aqui ao lado. Se calhar tínhamos a vantagem dos chineses, agora não é a mesma coisa investir na Europa ou em Marrocos, e quem diz em Marrocos, diz noutro sítio qualquer.

Segurança jurídica, previsibilidade, estabilidade…

…Pois, é o que é. O que é importante é que estar a criar artificialmente competitividade na Europa, não creio que seja a solução. As pessoas, os contribuintes, não têm tolerância, durante anos e anos, para andarem a subsidiar… agora, 95% ou 90% do mesmo fornecedor de um país também não é razoável. No fundo, é criar condições para que a Europa crie, fora da Europa, zonas de industrialização que possam ser fornecedores.

Mesmo com essa estratégia, demorará sempre, necessariamente, tempo. Como é que se gere este processo? Temos alternativas?

Demora tempo a fazer fábricas aqui como noutro lado. O que penso é que não deveríamos pôr em causa os benefícios da globalização, o que devemos ver é contrapartidas, acesso ao mercado chinês também… é como tudo, estar a gastar dinheiro em subsídios ou em áreas que não precisam ou em atividades que não são rentáveis não é fantástico…

Nem no privado, nem no público.

Muitas vezes as pessoas dizem ‘isto é dinheiro europeu’. O dinheiro europeu não é também nosso? E quanto mais se gastar nisso, menos se gasta noutras coisas em que Portugal tem necessidade de apoio.

João Manso Neto, CEO da Greenvolt, em entrevista ao ECOHugo Amaral/ECO

Há um ano, via um contexto muito favorável para as renováveis. Passou um ano, os preços das renováveis estão muito baixos, obrigando até a revisão de planos de investimento de empresas do setor. Continua a achar que o investimento em renováveis tem um quadro favorável?

Eu continuo a dizer exatamente o mesmo. O mundo, digamos, precisa cada vez mais de se descarbonizar, ninguém está a discutir esse assunto, e isso passa por várias coisas. Um, passa por mais renováveis na produção. Segundo, mais eletrificação e, como tal, mais renováveis também por aqui, e precisa de resolver um problema de armazenamento. Essas dificuldades mantêm-se, essas necessidades mantêm-se em absoluto. O que disse há pouco sobre a dificuldade de fazer grandes projetos de ‘descentralizado’? Isso obriga a que quem origina projetos tem uma posição de vantagem, porque é sempre difícil. Nós, aqui em Portugal e em Espanha, vivemos influenciados pelo facto de provavelmente serem das poucas zonas do globo onde há excesso de capacidade de renováveis. Isso não é verdade na maior parte dos outros sítios, em que as dificuldades de obter autorizações de projetos (permitting) se mantêm. Eu vejo muitas oportunidades hoje e nalguns casos, oportunidades em que, no ano passado não tinha pensado.

Quais?

…Acontece que, como tudo, uma conjuntura económica mais adversa, taxas de juro mais altas, maior restrição dos bancos, leva a que alguns promotores de menor dimensão não tenham capacidade financeira de levar os seus bons projetos até ao fim. Neste momento, põem-se interessantes oportunidades de adquirir projetos ainda não licenciados, mas avançados, que nos permitem chegar mais cedo… que, se calhar, há um ano e meio não se via. Como o crédito era barato, acessível, toda a gente conseguia chegar lá. Hoje em dia não é assim. Portanto, vejo mais oportunidades do que via do que via há um ano.

Está a fazer uma diferenciação entre o mercado ibérico dos outros. A queda dos preços das renováveis surpreendeu-o?

Que os preços iam baixar, era evidente, estavam muito altos. No entanto, os preços noutros países onde estamos continuam a estar altos, quer no curto prazo, quer sobretudo no médio prazo, em que continuamos a ter preços na ordem dos 50/60MWh, na Polónia podem chegar a 80/90MWh, no longo prazo. Ou seja, os preços continuam a ser atrativos para investimento. Agora, no ‘spot’ estão mais baixos, mas, mais uma vez, não estejamos demasiado influenciados por aquilo que se passa em Portugal e em Espanha, que têm, neste momento, dos preços senão os mais baixos da Europa e no mundo no mercado à vista, e sobretudo no último mês, mês e meio, preços extremamente baixos.

Os preços nos mercados português e espanhol vão manter-se a estes níveis?

Em Portugal e Espanha, os preços de mercado de curto prazo são muito influenciados pelo regime hídrico. Este ano foi muito húmido, e só isso deprime brutalmente os preços, porque existe um conjunto de água armazenada. Se isto vai aguentar até ao final do ano? Como é que vai ser no verão? Vamos ver. Mas ficaria muito surpreendido que o verão fosse igual à primavera. Não é costume, no verão costuma ser mais caro. Os preços tão baixos têm a ver com isto, agora, que os preços vão ser mais baixos do que estavam, isso é evidente que sim. Mas os preços de longo prazo estão claramente acima do que estavam antes da crise energética de 2021, e depois 2022. Portanto, a longo prazo continua a haver margens de investimento, agora, na maior parte dos casos não podem ser aqueles grandes projetos, designadamente solares. Têm de ser coisas não tão grandes, e tem de se escolher os mercados onde haja escassez.

Esta realidade obrigou ou pode obrigar a Greenvolt a rever o seu plano de investimento?

Como sabe, estamos num processo de mudança de acionistas, mas a minha perspetiva é que as oportunidades de negócio são melhores que no passado, pelas razões que acabei de dizer. Uma coisa é a Greenvolt começar a fazer tudo de raiz, demora cinco a sete anos até à autorização. Se comprar coisas bem compradas, projetos bem comprados, avançados, pode ter um time to market de dois anos, Ou seja, as necessidades de investimento também são maiores, são mais rápidas… Se começo um projeto e daqui a cinco anos é que tenho autorização, só daqui cinco anos é que começo a gastar a sério.

A Greenvolt está a atravessar uma mudança da estrutura acionista. Está há cerca de três anos à frente da companhia, foi um processo que o surpreendeu pela rapidez?

Sabe, o mundo é muito rápido. Aquilo que lhe acabei de dizer, há oportunidades de crescimento nas renováveis, há pessoas mais dotadas [financeiramente] como é o caso da KKR que o vê. Portanto, não há assim tantas plataformas no mundo com as características que temos. Se me surpreendeu, se estava a pensar nisto há dois anos, com certeza que não. Agora, vendo objetivamente hoje, é uma coisa que é normal, é simpático o reconhecimento do valor da companhia, e a falta de plataformas que sejam capazes de olhar para a realidade e criar valor, e não ficarem [agarrados] aos preços preços e a dizer ‘já não invisto’. Não, não é essa a perspetiva. Temos de perceber onde estão as oportunidades. É fundamental para a Greenvolt ter uma capacidade de investimento que não tem hoje. Agora, em primeiro lugar, se não fossem os atuais acionistas, obviamente também os colaboradores, mas os acionistas em particular, quer os de controlo, quer os de mercado, nunca teríamos chegado onde chegamos e, portanto, a dívida da companhia para com eles é enorme. Mas há momentos em que se queremos dar um salto, num país que tem a dimensão que tem, é necessário outro tipo de fogo.

Como é que se pode integrar a estratégia de Greenvolt no portfólio de renováveis do KKR? O que é que acrescenta a Greenvolt de valor?

A KKR tem vários fundos e na eletricidade em particular, o que têm é sobretudo fundos que investem em ativos operativos ou sem risco, ou seja, um risco menor a uma rentabilidade menor. No nosso caso, como vamos à cadeia de valor desde o início, permite um ‘upside‘. Nós entramos na zona difícil que é esta fase de obtenção de autorizações, aquilo que o REpower program definiu como o ‘bottleneck‘, e nós e nós estamos aí, o que nos diferencia. Mas não só isso. Sabemos juntar o ‘descentralizado’, uma coisa que praticamente ainda hoje pouco se fala, e temos por outro lado a biomassa, uma atividade que dá uma base sustentável e recorrente.

Sabe, o mundo é muito rápido. Aquilo que lhe acabei de dizer, há oportunidades de crescimento nas renováveis, há pessoas mais dotadas [financeiramente] como é o caso da KKR que o vê. Portanto, não há assim tantas plataformas no mundo com as características que temos. Se me surpreendeu, se estava a pensar nisto há dois anos, com certeza que não. Agora, vendo objetivamente hoje, é uma coisa que é normal, é simpático o reconhecimento do valor da companhia, e a falta de plataformas que sejam capazes de olhar para a realidade e criar valor, e não ficarem [agarrados] aos preços preços e a dizer ‘já não invisto’. Não, não é essa a perspetiva.

Ao fim destes três anos, depois de construir uma companhia com esta dimensão, dá o seu trabalho por terminado?

O trabalho nunca está terminado, hoje estou cá eu, amanhã pode estar cá outro, agora, quer eu, quer alguém que venha não pode dizer ‘tenho aqui uma herança excelente, posso deixar rolar a máquina’. Não se pode deixar rolar as máquinas, têm sempre de se questionar.

Qual é o principal desafio que tem hoje?

Esta operação [de mudança de acionistas] não alterou rigorosamente nada. E como disse, vejo a operação como positiva. Era a coisa que mais gostava na vida? Não interessa. A companhia necessita de um reforço adicional de capitais que hoje a atual estrutura não permitia, queiramos ou não, é assim.

Como é que o líder explica, dentro da companhia, a necessidade de mudança, para outra realidade, com outras oportunidades

O que este comprador tem dito é que gosta de estratégia, gosta do management, portanto, a maneira como explico é como estou explicar aqui nesta entrevista, com toda a transparência. A companhia tornou-se interessante, conseguiu atrair… este investidor tem vindo a reafirmar que quer manter a estrutura de gestão, a estratégia…

…qual é a data previsível da operação?

A KKR fez um acordo que não pode ser executado antes de 31 de maio, mas as condições precedentes estão todas reunidas, portanto, diria que a compra dos 60% das ações será até ao final deste mês de maio, por aí.

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