Marketing

“A marca Portugal não pode ser um colecionável de virtudes”, alerta Duarte Vilaça

Carla Borges Ferreira,

O fundador da Born destaca ainda que “sem uma visão estratégica não haverá marca possível.” Desta forma, "sobra o sol, o fado e o Cristiano Ronaldo", diz.

“É um tema recorrente da nossa governação e do nosso mercado. Continuo a aplaudir — naturalmente — mas tenho todas as reservas que saímos do campo das intenções”. O ceticismo de Duarte Vilaça é sobre o objetivo anunciado pelo Governo de “afirmar a marca Portugal no contexto global”, uma das 60 medidas apresentadas em julho para dinamizar a economia.

As reservas do fundador e partner da Born traduzem-se na ideia de que a meta apresentada pelo Governo “requer uma combinação de visão, coragem e consistência“.

Indo por partes. A “visão” de uma marca, explica, traduz-se numa estratégia e de um posicionamento. Ora, “o programa apresentado pelo Governo fala sobre turismo, sustentabilidade, tecnologia e conhecimento. Há muito a fazer nesses campos, mas diria que 70% dos países poderiam falar da mesma coisa. Sem uma visão estratégica não haverá marca possível”.

Onde entra o tema da coragem? “Olhe-se para o tema do turismo, por exemplo. A aposta feita há cerca de 10 anos no surf e golfe, em detrimento de muitos outros clusters, teve sucesso”, aponta. Mas, “a marca Portugal não pode ser um colecionável de virtudes. Tem de estar assente num set de valores relevantes para os territórios onde nos queremos posicionar, deixando outros de fora”. Para o especialista em marcas, o turismo é um adquirido e a aposta no talento devia ser core, enumera.

O último ponto é o da “consistência”. Segundo o fundador da Born, “vigora em muitos casos a política da terra queimada. Novo Governo, nova estratégia. Enquanto assim se mantiver, poderá falar-se em marca como algo de orgânico, que resulta daquilo que dizem de nós pelo mundo fora, não numa estratégia de marca.”

Vigora em muitos casos a política da terra queimada. Novo governo, nova estratégia. Enquanto assim se mantiver, poderá falar-se em marca como algo de orgânico, que resulta daquilo que dizem de nós pelo mundo fora, não numa estratégia de marca.

Duarte Vilaça

Partner da Born

A ideia dada a conhecer pelo Governo no início do verão passado estaca assente na “elaboração de um plano de ação para o desenvolvimento do conceito ‘Marca Portugal’ de forma transversal a todos os setores económicos do país, de maneira a afirmar os seus produtos e serviços com maior valor acrescentado nas cadeias globais”. O plano, prossegue o Executivo, “será assente em dimensões como o conhecimento, inovação, segurança, criatividade, qualidade e sustentabilidade”.

Cerca de dois meses e meio após o anúncio — feito em pleno início de verão, é certo –, e o caderno de encargos ainda não foi divulgado, mas o tema continua a ser afirmado como uma prioridade.

O Ministério da Economia está empenhado e comprometido com o desenvolvimento de uma proposta de valor robusta para fortalecer a marca Portugal num cenário global”, responde o ministério liderado por Pedro Reis ao +M, quando questionado sobre a evolução da medida.

“Estamos a trabalhar internamente, baseados nas melhores práticas implementadas em diversos setores exportadores, e lado a lado com alguns dos nossos organismos, em particular com a AICEP, na abordagem deste tema”, conclui o ministério.

Sem mais dados, Duarte Vilaça alerta para possíveis erros a evitar. “Os dois piores erros são acreditar que a marca é o começo de uma estratégia, quando no limite é um fim, e achar que a marca deve ser tudo, uma espécie de enumeração infinita de virtudes”, acredita.

Em resumo, justifica, a marca tem de ser um resumo orientado para potenciar uma estratégia previamente definida. “Imagine-se que o caminho passa por atrair a fixação de empresas estrangeiras: qual a política fiscal para elas e para os seus colaboradores, qual o nível de burocracia a que estamos disponíveis a abdicar, etc”, dá como exemplo.

“Parece-me que nada disto é visto como um todo. Por isso sobra o sol, o fado e o Cristiano Ronaldo…”, critica o responsável da agência de branding.

Quanto ao que é hoje a “marca Portugal”, na avaliação de Duarte Vilaça, beneficia indiretamente da emergência das marcas Lisboa, Porto e Algarve e do “bom trabalho de promoção e do ambiente de incentivos, criado no passado para o investimento no setor imobiliário”.

Beneficia, em suma, “de ativos extraordinários para o qual nenhum de nós contribuiu, como a nossa geografia, clima e hospitalidade histórica”. “Quanto é que da boa reputação deriva da nossa estratégia? Diria que muito pouco. Quanto haveria que aproveitar? Imenso”.

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