Governo prepara fim progressivo da publicidade na RTP
O ministro dos Assuntos Parlamentares, Pedro Duarte, apresenta em breve o plano para os media e uma das medidas prováveis é o fim da publicidade da RTP, que valeu 21,7 milhões em 2023.
O Governo deverá aprovar esta segunda-feira em Conselho de Ministros o plano de apoio aos media e uma das medidas é o fim progressivo da publicidade na RTP, provavelmente no prazo de três anos, apurou o ECO junto de duas fontes que conhecem o dossiê. A intervenção nos meios públicos, isto é, o grupo RTP, que inclui a rádio pública, e a Agência Lusa, será um dos quatro eixos do plano de apoio aos media.
Oficialmente, questionado pelo ECO, o Ministério dos Assuntos Parlamentares escusou-se a fazer comentários e remeteu uma decisão para o Conselho de Ministros de segunda-feira. A RTP, recorde-se, fechou o último ano com um resultado líquido de 2,5 milhões de euros, que compara com os 767 mil euros que lucrou em 2022. As receitas situaram-se nos 235,1 milhões de euros, um crescimento de 2% em relação ao ano anterior. Desses, 190,1 milhões provêm da Contribuição Audiovisual (+2,7%) e 45 milhões de receitas comerciais totais, que no total diminuíram 1,2%. Neste bolo, a publicidade líquida — que resulta de um espaço de seis minutos por hora, metade do espaço disponível nas privadas — situou-se nos 21,7 milhões de euros, mais 361 mil euros do que no ano anterior. As receitas associadas à distribuição dos canais pelos operadores, em sentido oposto, caiu 2,5%, para os 12 milhões de euros, e a o item “outros”, com 11,3 milhões, registou uma quebra de 5%. O aumento das receitas de publicidade em cerca de 361 mil euros, explicou na altura da apresentação das contas o operador, é devido ao contributo das áreas não linear, internet e rádio.
Já no final de agosto, na Universidade de verão do PSD, o ministro dos Assuntos Parlamentares com a tutela da comunicação social, Pedro Duarte, admitiu, a custo, que o fim da publicidade na RTP “merece ser equacionado”, mas não se comprometeu com qualquer sentido de decisão. Acrescentou, por outro lado, estar a preparar “uma revolução tranquila” com o conselho da administração da RTP, liderado por Nicolau Santos, para promover a sua modernização tecnológica e deixou uma pista. “Temos de garantir muita qualidade na informação, não se justifica os portugueses pagarem 190 milhões de euros por ano para, perdoem-me a expressão, dar concursos ao final da tarde”, disse.
O que defendem os privados?
Luís Nazaré, diretor executivo da Plataforma de Media Privados, veria com bons olhos esta decisão. “Há muito tempo defendemos que a RTP não devia competir com os privados, beneficiando da CAV. Temos vindo a afirmar esta ideia há muitos anos, é um ponto da nossa agenda”, diz ao +M o representante da plataforma que junta Media Capital, Medialivre, Impresa, Público e Renascença Multimédia. Também contactada pelo +M, a Associação Portuguesa dos Anunciantes considerou ser prematuro emitir opinião.
Entretanto, já no final de maio, a discussão sobre o financiamento da RTP ocupou grande parte do Estado da Nação dos Media, debate organizado pela APCD no âmbito do 33.º Congresso das Comunicações. No painel que juntou os CEO dos operadores privados e o presidente da RTP, os primeiros três defenderam o fim ou redução da publicidade na RTP, enquanto Nicolau Santos, presidente do operador público, apontou a necessidade de os poderes públicos apoiarem os operadores privados, tal como aconteceu durante a pandemia.
Vivendo o setor dos media uma “grave crise de sustentabilidade e ameaças várias que podem colocar ainda mais em causa essa sustentabilidade”, se for entendido que a informação “é fundamental e um dos pilares da democracia portuguesa, então o Estado deve apoiar o setor privado”, afirmou o presidente da RTP.
O tema do financiamento da RTP foi puxado por Nicolau Santos na sua primeira intervenção. “O financiamento da RTP, que tanto incomoda muitos analistas do setor, está congelado desde 2016 e a RTP tem uma missão de serviço público que contempla a existência de oito canais de televisão e sete canais de rádio”, lembrou.
Referindo que a publicidade representa cerca de 22 milhões do orçamento total, que “no cabo quase não tem publicidade”, Nicolau Santos defendeu que se o operador público fosse “impedido de conquistar” publicidade, “não era seguro” que o esse bolo comercial fossem repartidos pelos restantes operadores.
Opinião diferente foi manifestada pelos operadores privados. Luís Santana, CEO da Medialivre, pela primeira vez com assento neste painel, apontou uma “unanimidade” na ideia de que não faz sentido uma entidade que tem financiamento público estar a discutir o financiamento com privados.
“Existe uma opinião unânime sobre a RTP, uma entidade que tem um financiamento público substancial estar a concorrer com canais privados. Tem de se avaliar o número de canais disponíveis no TDT, perceber se há sobreposições e redundâncias, e se o valor de financiamento não deve sofrer uma otimização dos custos”, afirmou o CEO da empresa dona da CMTV e da Now. “Fazemos o negócio dos media à imagem da realidade do mercado que temos, e não tenho visto uma otimização dos custos da RTP, ajustada a esta mesma realidade”, acrescentou.
Francisco Pedro Balsemão, CEO da Impresa, defendeu uma “redução substancial” do tempo de publicidade da RTP, referindo que o facto de poder ter também publicidade no digital “prejudica os privados”. “Desde 2016 que temos sido coerentes. Devia haver eliminação ou redução substancial do tempo de publicidade reservado à RTP, para uma concorrência mais leal, à semelhança do que se faz noutros países”, sustentou.
Já Pedro Morais Leitão, CEO da Media Capital, acrescentou que se é entendido que todos os canais fazem serviço público, “o financiamento devia ser repartido por todos”. “Quando discutimos as receitas de publicidade e de financiamento público, estamos a discutir como se pagam os custos operacionais. Mas o nosso desafio para o futuro é como é que se pagam as plataformas digitais”, alertou o responsável pelo grupo que detém a TVI e a CNN Portugal.
Um plano em quatro eixos
Pedro Duarte explicou recentemente, na 4.ª edição da Cimeira Empresarial Transatlântica, em Lisboa, que o Governo considera ser “evidente” que é necessário agir, já que “uma democracia não pode prescindir de uma comunicação social livre, independente e pluralista“. No entanto, admitiu que é preciso perceber como fazê-lo, “porque há riscos grandes de distorções“, bem como de “desincentivar a inovação“.
O plano de ação terá então quatro pilares, segundo o ministro, sendo o primeiro relacionado com a “regulação e legislação”, já que a lei de imprensa em vigor é de 1999. “Vamos criar um código da comunicação social que vai poder trazer a legislação para os novos tempos“, sinalizou.
Já o segundo pilar será focado no serviço público de televisão e agência de notícias que existe hoje, a RTP e a Lusa, que o Governo diz ser necessário preservar mas também “modernizar”. O Governo está a preparar “trazer a RTP para o 2.º quartil do século XXI e antecipar o que aí vem, ir ao encontro de novos públicos e adaptar o modelo de televisão ao que é hoje em dia”, disse.
O terceiro pilar prende-se com “incentivos ao jornalismo e aos jornalistas, que é uma profissão que está em risco” e, finalmente, o quarto pilar relaciona-se com o “combate à desinformação e com a literacia mediática“.
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