Cócegas, bochechas e uns 23 gramas de impacto da IA no marketing
Tomem é conta daquelas cabecinhas que, por desconhecimento, facilitismo e eventual preguiça, julgam que o trabalho de marketing será feito apenas pela dinâmica das prompts e pouco mais.
Escrevo numa altura de paradoxos ou, como gostamos de dizer no marketing, de dissonâncias.
O meu sócio, o Nuno Duarte, ganha o Prémio LeYa, considerado o maior reconhecimento de romances inéditos em língua portuguesa. Na edição mais participada de sempre e no meio de 1.123 originais de autores que “escrevem nas horas”, esta minha riqueza demonstrou que com a sua obra “Pés de Barro”, que sairá para a rua no próximo ano, ainda o consegue fazer melhor que todos os outros.
Foi mais ou menos isso que o vozeirão do Manuel Alegre lhe disse ao telefone, numa manhã de há uns dias, enquanto lhe interrompeu a lida da casa de forma completamente inesperada, o que não se faz, digo eu. Ainda para mais, estava de pijama, pouco aprumado para a ocasião, portanto.
Ele não sabe e não vai saber porque não lê os meus textos. E vamos combinar uma coisa: os meus amigos também não lhe vão contar. É que umas horas depois de o ver por todo o lado, desde nas televisões aos jornais, é que me caiu a ficha e percebi realmente do que se tratava. Num ápice, o orgulho que estava mais ou menos contido avulta-se e rebentei do dito com direito a epífora e tudo.
Talvez se emocionem comigo e concordem com o bom que isto é: uma ode ao pensamento crítico, à criatividade, ao talento e às boas ideias; uma homenagem à angústia e às horas mal dormidas para poder arquitetar toda uma narrativa só possível de ser construída pela curiosidade e procura incessante de detalhes preciosos e de verdades reveladas que eram comummente desconhecidas, constituindo insights que nos dão uma nova perspetiva sobre os acontecimentos; e uma aclamação à capacidade de articular tudo isto. Afinal, estamos a falar do reconhecimento a todo um enorme trabalho, com um resultado único e que, só assim, tem mérito, valor e sabe bem, independentemente do prémio em si. Se somarmos a glória, estaremos já a falar de umas valentes cócegas no ego do autor.
Por muito que o machine learning nos entusiasme, por tanto que os agentes possam vir a agir de forma autónoma para nos libertarem de várias tarefas, por mais que os LLMs (Large Language Models) nos entendam, por surpreendentes que os “midjourneys da vida” sejam, a Inteligência Artificial não está lá. Pelo menos para já. Foi isso mesmo que defendi uns dias a seguir, na talk sobre “O papel da IA na comunicação de marketing”, no âmbito no lançamento do livro AI_Novator. Aliás, venho a dizê-lo há muito tempo. Deixo o convite para revisitarem o texto que escrevi aqui nesse sentido – AI: a papinha ou o papão?
No entanto, a verdade é que a Inteligência Artificial (IA) já cá anda há muitos anos e tem-nos ajudado e muito em diversos desígnios, como é o caso de:
- Análise de Dados, permitindo saber mais sobre o comportamento, preferências e interesses das audiências através, por exemplo, das suas atividades de navegação na web, informações baseadas em dados demográficos ou histórico de compras anteriores. Foi exatamente esse aproveitamento que a Sainsbury’s fez, quando desenvolveu a sua campanha de comunicação “Try Something New Today”. Este conceito baseou-se na ideia de incentivar os clientes a explorar novas opções, ampliando as suas experiências de compra e experimentação, tendo surgido da análise estratégica baseada em dados e insights sobre os seus padrões de consumo;
- Análise Preditiva, que utiliza técnicas estatísticas de modelização, big data e machine learning para extrair dados históricos e fazer previsões. Um exemplo clássico pode ser encontrado nas operadoras de telecomunicações, onde a retenção de clientes é especialmente importante devido à concorrência feroz. Em Portugal isto é facilmente percetível, ainda para mais agora com a entrada da Digi e com o correspondente impacto que está a ter. Neste sentido, a implementação de estratégias anti-churn com base em análise preditiva é, digamos assim, obrigatória, porque permite atempadamente identificar clientes com alto risco de abandono, para que se atue proativamente sobre os mesmos, no sentido de evitar a sua saída para um concorrente.
- Personalização de Ofertas e de Campanhas de Marketing, sabendo que é cada vez mais desafiador romper o ruído para gerar tráfego e leads. Hoje, adotar abordagens “One size fits most” ou “One size fits all” já não funciona. A IA ajuda-nos a otimizar campanhas para alcançar o máximo ROI, fornecendo experiências individualizadas, apresentando conteúdo e ofertas que sejam mais adequados às necessidades de cada pessoa e permitindo a comunicação com os clientes em tempo real, oferecendo sugestões que são relevantes a cada um. Casos não faltam e deixo-vos três marcas que o fazem de forma sublime: Amazon, Netflix e Deporvillage.
- Experiência do Cliente e Serviço Pós-Venda, através de ferramentas que usam processamento de linguagem natural (NLP, Natural Language Processing), permitindo que os computadores compreendam, interpretem, manipulem e façam a gestão da linguagem humana, o que possibilita, por exemplo, responder automaticamente às dúvidas dos clientes, 24 horas por dia, 7 dias por semana. E isto só é possível porque incluem um conjunto alargado de capacidades com destaque para a Análise de Sentimento que identifica se o tom de um texto é positivo, negativo ou neutro, o que é útil, por exemplo, para analisar opiniões em redes sociais ou feedback de clientes. Tentando fugir dos exemplos clássicos e sobejamente conhecidos, deixo-vos o caso da Chatbot Sofia que pretende facilitar o acesso à informação e ao atendimento da Comunidade Académica do Instituto Politécnico de Leiria.
- Maior produtividade e desempenho, economizando tempo e recursos, automatizando tarefas ou operações repetitivas de marketing, sendo exemplo a criação de leads, a segmentação de clientes, o e-mail marketing ou as publicações em redes sociais.
E agora, ainda vamos ser mais apoiados com a IA Generativa, desde que surgiu há cerca de dois anos o famoso ChatGPT. Como curiosidade, chegou a um milhão de utilizadores em cinco dias, enquanto que o Instagram alcançou aquela marca em dois meses e meio e o Facebook em dez meses.
O trabalho humano no marketing não acabará, pelo menos nos próximos tempos, nas mãos de uma máquina, mas sofrerá uma transformação dado todo o suporte que, também agora, a IA generativa já está a dar. Para continuar a dar mais exemplos, a IA pode automatizar a otimização de campanhas e maximização do ROI. Não pode é substituir o pensamento estratégico e crítico, bem como aquela criatividade associada ao desenvolvimento de ideias e conceitos únicos falados lá atrás, necessários para desenvolver campanhas de marketing únicas, dissonantes e inusitadas.
Para se chegar lá, a Inteligência Emocional permite uma melhor compreensão do comportamento do consumidor, das tendências de mercado e das melhores práticas do setor. A IA tem mais dificuldade em entender as emoções e o contexto. Para além disso, as audiências apreciam o toque humano nas interações de marketing. E, por último, para não me alongar, as questões da adaptabilidade e percepção. De facto, como já dito, a IA pode ajudar na análise de dados, mas os marketeers têm a experiência e a intuição para melhor interpretar os insights. Sobre estes pontos, fica um novo convite para lerem o outro artigo já referido.
Dito isto, é possível que haja uns quantos leitores que, com todo o direito e legitimidade, diga-se, até pensem que este que vos escreve está aqui agarrado com unhas e dentes a tentar arranjar justificações para defender a sua atividade que, é como quem diz, o seu posto de trabalho como publicitário. Agradeço a vossa preocupação, a sério que sim. Mas garanto-vos que não, até porque sei cortar a relva, tratar de piscinas, cavar batatas e sou uma máquina na vindima, já para não falar na apanha da cereja e da azeitona que, em novembro e dezembro, não é para meninos. Tenho um curso básico de culinária, faço amêijoas à Bulhão Pato como ninguém e bochechas de porco como poucos. Até tenho churrasqueira e forno a lenha em casa e, por isso mesmo, até posso abrir uma empresa para take away. Por conseguinte, se for mesmo preciso, labuta não me vai faltar.
Acautelem-se é com o mau trabalho de comunicação que anda agora para aí a ser feito, só porque foi produzido por uma ferramenta de IA Generativa. Isto é um bocado como acontece nas redes sociais: como é fácil e muita gente sabe fazer umas publicações de comida ou numa praia paradisíaca, acham que, da mesma forma, aplicam “todo” esse conhecimento para trabalhar as suas marcas. Esse é o grande problema da democratização no acesso às várias ferramentas, que a IA Generativa nos trouxe, correspondendo à inexistência de grandes barreiras à entrada, quer sejam de preço, de dificuldade e tempo de implementação ou de utilização, independentemente da dimensão dos negócios.
E tomem é conta daquelas cabecinhas que, por desconhecimento, facilitismo e eventual preguiça, julgam que o trabalho de marketing será feito apenas pela dinâmica das prompts e pouco mais, num “entra o porco, dá o comando, carrega no botão e sai chouriço”. Combinado?
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
Cócegas, bochechas e uns 23 gramas de impacto da IA no marketing
{{ noCommentsLabel }}