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“Nunca senti grande emoção num anúncio feito por IA. Parece que sai de um catálogo”

Carla Borges Ferreira, Diogo Simões, Hugo Amaral,

O impacto da IA, os concursos, o custo da invisibilidade ou o desafio de sair da mesmice são alguns dos temas abordados em entrevista a Susana Albuquerque, presidente do CCP.

“Há tanta ansiedade em relação ao futuro… E, de facto, o humor está ali, está acessível, permite-nos descomprimir, permite-nos relaxar, permite-nos sentir que somos humanos e que rir é das melhores coisas que podemos fazer. E a publicidade sempre teve essa capacidade”, aponta Susana Albuquerque, diretora criativa executiva executiva e sócia da Uzina, esta quinta-feira reeleita presidente da direção do Clube da Criatividade de Portugal (CCP).

No último mandato, a mudança do nome Clube de Criativos para uma denominação mais inclusiva era uma das prioridades. “Acho que é muito importante e devemos todos crescer como mercado, se conseguirmos ter um idioma parecido, se tivermos anunciantes que gostam de criatividade, que consomem criatividade. Que gostam, que vibram, que sabem que isto é muito bom porque tem um insight forte por trás e sabem discutir insights, sabem que a execução e o craft é fundamental para a peça ter impacto. Dominarmos uma linguagem comum, é bom para toda a gente”, comenta a propósito do trabalho que tem sido feito no sentido de aproximar agências e anunciantes.

Os concursos, tema que voltou a ser falado no decurso deste ano, é outro dos temas abordados em entrevista. “É muito fácil colocar quatro ou cinco agências a trabalhar, sem remuneração, para depois muitas vezes os concursos serem anulados ou não haver um decisão final”, comenta a responsável. “Alinho-me mais com aquela fação que acha que colocar uma agência a tentar adivinhar uma solução para um problema que mal conhece – que é passado numa sessão – não é a forma certa de avaliar uma agência”, defende.

Para fugir do altíssimo custo da invisibilidade, a responsável criativa da agência que criou a “Estante boa para guardar livros ou 75,800 mil euros”, sugere “algum atrevimento”. “O grande desafio hoje em dia é de facto a publicidade conseguir ser um conteúdo de entretenimento. Chamar a atenção, sem dúvida, ser um bom veículo para passar a mensagem que queremos, e conseguir entreter as pessoas. Que as pessoas tenham vontade de ver o que estamos a fazer, o que é muito difícil”.

Há dois anos, no início do mandato anterior, um dos grandes desafios era o rebranding do clube, que passou de Clube de Criativos de Portugal a Clube da Criatividade de Portugal. Como avalia este movimento?

Foi muito positivo. A intuição dizia-nos que era o passo certo, mas a prática vem comprovar que era um movimento mais necessário até do que achávamos. Agora há muito pouco tempo aconteceu o mesmo movimento em Espanha, inspirado por nós. Tivemos cá a Belén Coca, uma diretora criativa independente que está associada ao movimento Mais Mulheres Criativas, e ela conheceu a nossa mudança de nome, achou que era uma belíssima ideia, levou a proposta para Espanha e replicaram lá, foi votado há cerca de um mês.

A Argentina também fez o mesmo movimento, aí foi só uma coincidência, mas de facto, hoje em dia, creio que aquilo que interessa, mais do que criar silos, é conseguir envolver todas as pessoas que têm uma voz ativa e que têm uma contribuição para que a criatividade seja inovadora, forte, relevante e aportadora de negócio.

Como é que a mudança foi recebida?

Houve um efeito imediato. Pode-se dizer que é só uma mudança de nome – não é só uma mudança de nome – mas os nomes têm bastante importância.

A partir do momento em que se muda um nome, automaticamente houve muita gente a fazer comentários como “eu achava que o clube não era para mim; achava que não era aceite; que não podia fazer parte; que o Clube não queria falar comigo e não tinha nada para me dizer e, afinal, posso fazer parte”.

Creio que aquilo que interessa, mais do que criar silos, é conseguir envolver todas as pessoas que têm uma voz ativa e que têm uma contribuição para que a criatividade seja inovadora, forte, relevante e aportadora de negócio.

Foi logo o primeiro impacto. Depois, obviamente que o nome tem muita importância, mas tem que ser um ponto de partida para fazer as coisas. Já tínhamos começado o movimento, na presidência do Mário Mandacaru, de incluir anunciantes nos grupos júri do Festival, e este ano, por exemplo, tivemos a Inês Fonseca, que está em Madrid, na Diageo, como presidente de uma das categorias.

Começámos uma relação com a APAP, que acho que é estratégica, em que a tertúlia principal que tem acontecido durante o Festival é promovida pela APAP e tem como objetivo aproximar agências e anunciantes à volta do tema da criatividade. Várias coisas estão a ser feitas, com o objetivo de incluir mais disciplinas, trazer mais reflexão e mais gente para dentro do barco, sempre com este objetivo estratégico que é incluir e não excluir.

Esta direção acredita que quantos mais estivermos no barco, alinhados, a partilhar critérios, a aprendermos uns com os outros, mais empurramos o nosso trabalho e o nosso mercado criativo para cima, o que, em última análise, é o objetivo.

Temos uma secção, a Primeira Pessoa, na qual semanalmente ‘apresentamos’ um diretor de marketing e pedimos-lhe para, em uma frase, descrever a publicidade em Portugal. Peço-lhe o mesmo.

Pondo o casaco de quem pelo sexto ano acompanha o mercado mais de próximo, com os trabalhos que são escritos no Festival e que eu acho que é uma boa montra do que se passa no mercado criativo em Portugal, tanto em publicidade como em design, acho que é um mercado cada vez mais diverso, cada vez mais maduro, também.

Havia muito aquela coisa de que há uma ou duas agências boas, ‘aquele estúdio de design’, ‘aquela agência’. O que vemos hoje é que há mais bom trabalho a sair de mais empresas, essa diversidade é muito óbvia. No design há também cada vez mais diversidade geográfica.

Há estúdios muito fortes no Porto, por exemplo.

No Porto ou em Coimbra, a Bürocratik, por exemplo, que acabou de ganhar ouro no ADCE, o único ouro para Portugal. No caso do design, há uma predominância de estúdios mais pequenos, não das grandes empresas, como nos anos 90 ou nos anos 2000. Hoje existe muito mais a tendência para haver estúdios pequenos a fazer muito bom trabalho e até com bastante projeção internacional.

Há vários casos de estúdios de design cujos clientes e trabalho são quase 100% internacional, é muito bom sinal para o design português. Na publicidade não acontece tanto, mas já vão havendo alguns casos de agências que conseguem a exportar o seu trabalho. Acho que isso tem que ser um objetivo estratégico para as empresas portuguesas.

Havia muito aquela coisa de que há uma ou duas agências boas, ‘aquele estúdio de design’, ‘aquela agência’. O que vemos hoje é que há mais bom trabalho a sair de mais empresas, essa diversidade é muito óbvia.

A exportação?

Acho que sim. No design não tenho dúvidas de que não só é possível, como já está a acontecer. Se calhar ainda não existe esta consolidação do que é o design português. Se calhar até fazia falta haver algum investimento governamental, no sentido de querer exportar esse cluster.

Como existe a arquitetura do Porto, se calhar podia haver um investimento nesse cluster para conseguir exportá-lo, e representá-lo, e criar essa noção mais consolidada de que este design significa este tipo de trabalho, e que tem potencial de ser exportado, porque já está a acontecer. Na publicidade não acontece tanto, também porque é uma disciplina bastante diferente, vive muito de contexto cultural.

É também diretora criativa executiva e sócia da Uzina, agência que lançou este ano a “Estante boa para guardar livros ou 75,800 mil euros”. Faltam “estantes”, em Portugal?

A Estante, para além de vender muitas estantes…

Foi eficaz.

Foi muito eficaz, vendeu muitas estantes e fez disparar no índice de notoriedade, da Marktest, como nunca tinha acontecido. Todos os parâmetros subiram de uma forma exponencial.

Além disso, veio provar que se pode ser atrevido, que se pode brincar com coisas sérias e que, mesmo que existam algumas ‘virgens ofendidas’, a dizer que é de mau gosto e com isto não se brinca, na maioria das pessoas a reação foi muito positiva e houve muitas marcas a querer imitar e a querer subir ao comboio.

Aliás, quase que se criou aqui uma tendência, neste momento, qualquer trend, aconteceu o mesmo com a Mercadona, as marcas vêm todas.

Aconteceu algumas vezes este ano, começando com a Estante.

Acho que vivemos anos tão sérios… A publicidade já foi uma coisa muito divertida, muito descontraída, que brincava com tudo e mais alguma coisa. Mas, de facto, as pessoas depois não tinham hipótese de responder. Desde que as pessoas têm hipótese de responder…

A Estante veio provar que se pode ser atrevido, que se pode brincar com coisas sérias e que, mesmo que existam algumas ‘virgens ofendidas’, a dizer que é de mau gosto e com isto não se brinca, na maioria das pessoas a reação foi muito positiva e houve muitas marcas a querer imitar e a querer subir ao comboio.

Com as redes sociais.

Sim, as marcas têm um bocadinho mais medo, não querem opiniões negativas. Mas a Estante veio provar que vão existir pessoas que vão fazer comentários mais negativos, ou que podem ficar ofendidas, mas que em geral as pessoas gostam de uma boa gargalhada e gostam de marcas bem dispostas e que tenham capacidade de divertir as pessoas e pôr as pessoas a pensar de forma bem humorada.

Teve essa proeza, portanto quando diz “faltam mais estantes”.

Pergunto se falta audácia, tanto do lado das agências como do lado do clientes, porque é preciso quem aprove.

É preciso os dois lados. Nós, do ponto de vista da agência, pensarmos que podemos fazer coisas divertidas, que podemos brincar. Se calhar já há algum tempo que achamos que o humor… Aliás, neste momento é uma tendência global em todos os festivais o ressurgimento do humor.

Os tempos estão tão difíceis, tão negros, as perspetivas são tão dramáticas que eu acho que as pessoas precisam de se rir mais do que nunca.

Na entrevista de há dois anos, dizia ter esperança que o humor voltasse à publicidade. A inflação estava altíssima, tínhamos vindo da pandemia, era tudo muito sério, mas comentava que não se podia brincar na publicidade e era pena, porque a publicidade também deve entreter.

Coincidência ou não, estava ali a pressagiar alguma coisa. É verdade que, nos últimos dois anos, tem sido uma tendência em todos os festivais. A publicidade é sempre um reflexo dos tempos que estamos a viver, é sempre um reflexo cultural. E, de facto, têm sido períodos tão negros.

Durante a pandemia, as mensagens foram muito “estamos todos juntos, vamos todos ajudar”. Depois a pandemia passou, mais rapidamente do que imaginávamos voltámos à nossa vida normal e parece que já nem nos lembramos que passamos por aquilo – meio episódio traumático –, mas vieram outros problemas bastante graves, como a guerra na Europa. Agora temos também Trump outra vez nos Estados Unidos.

Há tanta ansiedade em relação ao futuro… Inteligência artificial (IA), é tudo uns quadros negros pela frente. E, de facto, o humor está ali, está acessível, permite-nos descomprimir, permite-nos relaxar, permite-nos sentir que somos humanos e que rir é das melhores coisas que podemos fazer. E a publicidade sempre teve essa capacidade.

Diria que que faz falta as agências voltarem a ter isso como uma possibilidade, sempre no sentido de conectar com as pessoas, porque é uma ferramenta fortíssima para nos conseguirmos conectar com as pessoas. E os clientes também, voltarem a acreditar que podem fazer rir as pessoas, mesmo que haja um ou outro que goste menos.

Medindo os prós e os contras, acho que é muito importante, sabendo que há sempre alguém que não vai gostar. Mas isso, quando está numa posição em que se sobressai, não é? Se usar uma roupa muito colorida, já se sabe que vai haver alguém que não vai gostar, mas vão reparar.

A publicidade é sempre um reflexo dos tempos que estamos a viver, é sempre um reflexo cultural. E, de facto, têm sido períodos tão negros.

A IA é um dos temas do momento. Que impacto já está a ter, e vai ter, na publicidade?

Está a ter impacto em tudo. Nas agências, neste momento, está a ser uma ferramenta muito útil para fazer aquele trabalho um bocadinho mais manual, como seja criar imagens para maquetizar, para fazer storyboards através de todos aqueles programas como o Midjourney, seja através do ChatGPT, que é uma excelente ferramenta de investigação, de brainstorming.

No imediato, acho que isto já está a ser usado por toda a gente. Agora, muitas mais coisas com certeza vão acontecer. Na semana passada estive em Barcelona, no Festival do ADCE, e houve duas conferências sobre inteligência artificial, uma delas sobre inteligência artificial em filme.

E o palestrante mostrava o primeiro anúncio feito com inteligência artificial – que foi um anúncio de que toda a gente riu, porque era uma festa barbecue em que quase toda a gente tinha sete dedos e as caras todas disformes – e, seis meses depois, uma curta metragem feita de inteligência artificial, em que obviamente ainda cheira a inteligência artificial, mas o salto é gigantesco.

O que é que vem a seguir? Sabendo que já existem aplicações e ferramentas que estão a negociar com a Lions Gate para poder fazer future films com base em inteligência artificial, o que vem aí… Eu acho que vai transformar tudo. Agora, o quanto vai transformar…

A partir do momento em que não decide, a publicidade vai ter que impactar quem? Vamos começar a fazer publicidade para impactar os robôs? Porque a nossa disciplina, a publicidade, vive de impactar as pessoas que decidem.

Outra das coisas que se falava nessa conferência, é que até agora é uma ferramenta que nos ajuda. Somos nós ao comando, a dizer faz isto, faz aquilo, faz-me uma imagem tal, pesquisa-me tal. Mas, muito rapidamente, é fácil imaginar que a IA vai começar a ser agente, agente no sentido de tomar decisões por nós.

Porque, a partir do momento em que, por exemplo, vou a ChatGPT e peço para me organizar uma viagem, porque quero ir à Geórgia. Peço um itinerário e muito rapidamente a IA diz “se gostas disto, se gostas daquilo, deves ir aqui, fica duas noites ali”. Diz quanto tempo tem e a IA faz um itinerário perfeito, sugere sítios para ficar. Isso é agora, já.

Agora, imagine o momento em que vai conseguir ligar todos os seus gostos pessoais, o seu algoritmo, com o dinheiro que tem, com o preço dos voos… Muito rapidamente, imagina ter uma máquina de inteligência artificial a tomar decisões por si. A marcar os voos, e marcar os hotéis, automaticamente, a pessoa não decide nada.

A partir do momento em que não decide, a publicidade vai ter que impactar quem? Vamos começar a fazer publicidade para impactar os robôs? Porque a nossa disciplina, a publicidade, vive de impactar as pessoas que decidem.

Esse ponto é interessante, normalmente fala-se da IA como substituta das pessoas. Essa ideia é já um patamar à frente.

Muitas vezes que temos estas visões apocalípticas, tipo Matrix, em que nós vamos estar todos deitados numas caminhas… Antes desse cenário apocalíptico, pode haver uma coisa que é muito fácil de imaginar, que é de facto as máquinas a tomarem decisões de compra por nós, otimizando os nossos gostos, os melhores preços, as melhores ofertas, os melhores horários.

E as marcas e as agências vão ter que trabalhar para a IA?

Não sei, não tenho resposta. Mas é um cenário que não é impossível de imaginar e que provoca uma disrupção gigante naquilo que fazemos. Porque nós trabalhamos para impactar as pessoas que decidem, se as pessoas não decidirem, o que é que vai acontecer a seguir?

Eu não sei, não tenho resposta. Mas quando ouvi isto fiquei a pensar que realmente é uma disrupção gigante. E é impossível de prever em que é que a nossa profissão se vai tornar se nós não tivermos capacidade de impactar, se as pessoas já não decidirem, se a decisão já não for tão humana, se for uma decisão hiper otimizada por máquinas.

É impossível de prever em que é que a nossa profissão se vai tornar se nós não tivermos capacidade de impactar, se as pessoas já não decidirem, se a decisão já não for tão humana, se for uma decisão hiper otimizada por máquinas.

Falando num cenário mais imediato, e na parte da substituição das tarefas feitas por humanos que passam para a máquina, tanto nas agências como no cliente, como antecipa o progresso?

A curta-metragem, nesta conferência, era uma história que tinha o objetivo de ser muito emocional – de uma pessoa com Alzheimer, que recuperava memórias de infância, a storyline era esta – e eu comentava que pela primeira vez quase me consegui emocionar com alguma coisa feita por inteligência artificial.

Essa é a grande distinção, não é? As pessoas têm emoções, conseguem emocionar-se e conseguem saber o que emociona.

Essa é a grande distinção. A pessoa que estava ao meu lado dizia “pois olha, eu não senti nada”. E acho que esse é o grande problema. Vê aquelas imagens e aquilo é tudo muito plástico, com uma estética à qual parece que ainda falta realismo. É fácil imaginar que muito rapidamente pode chegar lá, mas há qualquer coisa, não sei explicar o que é, não sei se falta o erro, falta o defeito…

De facto, nunca senti uma grande emoção num produto final feito por inteligência artificial. Parece que sai de um catálogo, acho que o que nos emociona nunca sai de um catálogo, é sempre uma coisa que sai fora do catálogo.

Agora, num futuro mais imediato, no produto final, acho que vai ser difícil, mas não impossível, começarmos já a trabalhar com a IA para fazer as imagens finais ou os filmes finais. Agora, no intermédio, para protótipos, moodboard, storyboards, é muito melhor que um Photoshop. Vai ser mais uma ferramenta, que neste momento já estamos a utilizar conjuntamente.

Geramos imagens em Midjouney e em Photoshop, mudamos algumas coisas, e o resultado final é muito melhor do que aquelas ‘photoshopadas’ horríveis que fazíamos há dois anos, em que a cabeça não pertence aquele corpo nem àquele fundo. Eu acho que no imediato, toda a gente já está a usar como uma ferramenta de trabalho, para conseguir mais rapidamente maquetizar, fazer moodboard das ideias, que conseguem explicar melhor o que é que se tem na cabeça. Para isso, de facto, é uma ferramenta muito rápida e muito potente.

Estamos a entrar num novo ano. Quais são os grandes desafios da indústria para 2025?

É sempre muito difícil fazer futurologia, sobretudo nos tempos que correm. Acho que ninguém sabe muito bem o que vai acontecer politicamente, na Europa e nos EUA, e depois a economia vem sempre muito a reboque dos índices de confiança, do otimismo, essa parte acho que é um bocadinho imprevisível.

Em relação à indústria, têm-se visto muitas fusões nas multinacionais, cada vez menos marcas e muitas estruturas independentes a proliferarem. Essa diversidade, de que falava no mercado publicitário, acho que se vai manter. Vão existir cada vez mais players a oferecer estruturas de dimensões muito diferentes, mas com muitas pessoas que vieram das networks e que vão ter um bom produto para oferecer. Portanto, um mercado muito concorrencial.

É muito fácil colocar quatro ou cinco agências a trabalhar, sem remuneração, para depois muitas vezes os concursos serem anulados ou não haver um decisão final.

Depois, do ponto de vista das remunerações, temos sempre um problema, que é encontrar o valor certo para remunerar o nosso trabalho. Somos uma indústria bastante empobrecida, que continua numa luta por defender margens e conseguir cobrar aquilo que o mercado vale, e que o talento que o faz merece receber. É uma cadeia de valor que está muito erodida e é uma luta que está em cima da mesa.

A forma como fazemos concursos continua a ser um tema, continua-se a gastar muitos recursos. É muito fácil colocar quatro ou cinco agências a trabalhar, sem remuneração, para depois muitas vezes os concursos serem anulados ou não haver um decisão final. É uma fatura muito grandes nas agências.

E uma questão antiga.

Não vou dizer aqui nada de novo, mas eu alinho-me mais com aquela fação que acha que colocar uma agência a tentar adivinhar uma solução para um problema que mal conhece – que é passado numa sessão – não é a forma certa de avaliar uma agência.

Um cliente chama quatro ou cinco agências, passa um problema, as agências ficam três semanas a trabalhar – às vezes menos, com tempos que são completamente ridículos –, para encontrar uma solução. E ficam sozinhas a trabalhar durante esse tempo para tentar adivinhar, sem um conhecimento profundo, sem uma interação, qual é a solução para esse problema quando, cada vez mais, os clientes também fazem parte da solução, porque há muitas decisões que são estratégicas.

Se se parte logo de um ponto de partida que está errado porque se conhece mal o cliente, está-se três semanas a trabalhar sobre premissas erradas. Isso não é bom, nem para o cliente, que supostamente quer a melhor resposta para o seu problema, portanto deveria fazer parte da solução, deveria haver sessões intermédias de discussão, sessões estratégicas antes de se passar para a criatividade.

O que acho que deveria acontecer era os clientes terem a capacidade ou ferramentas para perceber quais são as agências que estão a operar no mercado, perceber qual é o tipo de trabalho com o qual se identificam mais, porque também tem de haver esta afinidade entre cliente e agência – é um bocadinho como uma relação, tem de haver reciprocidade –, deviam escolher quais as agências que acham que têm mais a ver com o seu perfil e com o tipo de trabalho que querem, e depois deviam fazer um primeiro filtro.

Depois, nem que seja fazer uma experiência de um projeto. E se correr bem, depois avançar para uma relação mais sólida. Agora este exercício de adivinhação, em que as agências estão sozinhas a tentar adivinhar qual a solução para o problema, sem serem remuneradas, parece-me errado e muito nocivo para o mercado das agências.

Voltando às eleições para o Clube. O programa tem oito eixos, um deles tem a ver com a aproximação aos anunciantes. O que é que ainda falta fazer ou pretendem fazer neste aspeto?

Todos estes eixos são sobretudo objetivos estratégicos que agora têm que ser enchidos com planos de ação concretos. Acho que falta fazer muita coisa. Ainda há um bocadinho esta ideia de nós e eles. Obviamente que temos pontos de vista diferentes, e é de salutar que assim seja, estamos a olhar do lado de dentro da criatividade e do produto criativo – como sermos inovadores, como sermos fortes –e temos uma visão de fora do produto.

E os anunciantes têm uma visão de dentro, de “este é o meu produto e quero falar bem sobre ele”. E está tudo bem com o termos ângulos diferentes e perspetivas diferentes e estarmos sentados em cenários diferentes da realidade.

Apesar de nós estarmos em lados diferentes da realidade, acho que temos de ter uma linguagem comum. Acho que é muito importante e acho que devemos todos crescer como mercado, se conseguirmos ter um idioma parecido, se tivermos anunciantes que gostam de criatividade, que consomem criatividade.

Com um objetivo comum, porque o que fazem não é suposto ser “arte”, é publicidade.

Claro, o nosso objetivo é sempre vender, da melhor forma possível. Mas nós estamos preocupados com o impacto, com o que é que as pessoas na rua vão responder, como é que se vão ligar àquilo que estamos a vender. Para nós um produto é muito importante, a marca é muito importante, mas sempre numa lógica de “que impacto é que isto vai ter nas pessoas”? Essa é a nossa especialidade, à partida.

Mas, apesar de nós estarmos em lados diferentes da realidade, acho que temos de ter uma linguagem comum. Acho que é muito importante e acho que devemos todos crescer como mercado, se conseguirmos ter um idioma parecido, se tivermos anunciantes que gostam de criatividade, que consomem criatividade, que têm o seu próprio critério – há muitos critérios, não temos de pensar todos da mesma maneira.

Devemos todos trabalhar para ter um mercado de anunciantes, consumidores de publicidade. Que gostam, que vibram, que sabem que isto é muito bom porque tem um insight forte por trás e sabem discutir insights, sabem que a execução e o craft é fundamental para a peça ter impacto. Dominarmos uma linguagem comum, acho que é bom para toda a gente.

E como é que está a comunicação, em termos de linguagem?

Acho que se tem feito algum trabalho. Há aqui um trabalho de voltarmo-nos a entusiasmar com a profissão que temos, os anunciantes também são especialistas em comunicação. As grandes aulas de publicidade são ver e pensar sobre publicidade Se trabalhasses em cinema verias cinema, à partida. Acho que é fundamental trazer os anunciantes para o barco da paixão pela criatividade.

A partir do momento em que abre um bloco publicitário e é tudo igual, é uma paisagem de invisibilidade. O grande desafio hoje em dia é conseguir romper com a mesmice.

A invisibilidade é muito cara?

É a iniciativa mais cara que um anunciante pode ter. Porque se se pensar no que se paga a uma agência, o que se paga ao meio e o que se paga em produção para ninguém ver, acho que é…

Não é o que acontece na Black Friday, por exemplo? Em que há tanta publicidade…

Igual. Voltamos à história do catálogo e da IA, a partir do momento em que abre um bloco publicitário e é tudo igual, é uma paisagem de invisibilidade. O grande desafio hoje em dia é conseguir romper com a mesmice.

E depois é aquilo que todos sabemos, hoje em dia não concorremos só com os outros anúncios, concorremos com a Netflix, com a Spotify, com a Playstation, concorremos com muitas outras coisas, porque as pessoas já não estão todas sentadas a ver televisão à mesma hora.

O grande desafio hoje em dia é de facto a publicidade conseguir ser um conteúdo de entretenimento. Chamar a atenção, sem dúvida, ser um bom veículo para passar a mensagem que queremos, e conseguir entreter as pessoas. Que as pessoas tenham vontade de ver o que estamos a fazer, o que é muito difícil.

Como é que se consegue?

Com algum atrevimento. Com boas decisões estratégicas, porque também não é só fogo-de-artifício, tem que ser um veículo para passar uma mensagem de valor. A estratégia tem que estar certa, temos de chegar à mensagem certa, que vai fazer alguma ressonância com as pessoas com quem queremos falar e sobre aquilo que temos para lhes dizer, e depois temos de conseguir construir algo que seja entretenimento e que não aborreça as pessoas. Que as pessoas tenham vontade de ver e não desliguem.

Vai ser o vosso quarto mandato. Hesitou…

Hesitei muito. Vou passar por mentirosa, porque já tinha dito a muita gente que ia ser o meu último mandato e agora voltei com a palavra atrás. E também já ouvi muitos comentários que dizem que isto parece uma ditadura.

E como responde?

Sou uma mentirosa, assumo, mas sou uma mentirosa por uma boa causa. Tentámos passar o testemunho, e ainda chegámos a falar com uma pessoa que nos parecia ser a pessoa certa para vir a seguir, mas que depois acabou por não querer. Tem sido sempre assim, temos sempre esperança que apareça uma lista ao lado, mas não acontece. Em relação à ditadura, acho muito injusto, esta direção sempre quis muito abrir-se e incluir as pessoas.

O facto de estarmos dispostos a dar o nosso tempo livre para trabalhar para o Clube como voluntários, nunca é uma coisa fechada, é sempre uma coisa que está aberta à participação de quem se quiser juntar. Portanto, é uma ditadura entre aspas, porque todas as pessoas que tiverem ideias que de alguma forma beneficiem o nosso mercado e a nossa indústria, nós vamos querer acolher, vamos querer agregar e vamos querer ajudar a implementar. É uma “ditadura democrática”.

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