O futuro da Política de Coesão após 2027
Manter a atribuição dos fundos de Coesão ou introduzir uma lógica PRR nesta política comunitária? A nova Comissão vai ter de decidir, mas pende para a atribuição de fundos de acordo com metas e marcos
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“Trazer para a Coesão o que de melhor a lógica do PRR tem.” É desta forma que o ministro da Coesão, Manuel Castro Almeida, sintetiza à ECO Magazine a forma como gostaria de ver evoluir a aplicação dos fundos no próximo quadro comunitário de apoio.
Ainda falta bastante tempo para terminar a vigência do Portugal 2030, mas os dados há muito que já foram lançados e com a entrada em funções na nova equipa de Ursula von der Leyen estão reunidas as condições para decidir o futuro da Política de Coesão após 2027.
De forma muito simplista, em cima da mesa estão duas visões: manter a atribuição dos fundos de Coesão como até aqui ou adotar na Coesão o princípio de metas e marcos que foi introduzido no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). O que distingue as duas abordagens?
Na primeira, são os Estados-membros, de forma mais descentralizada, que vão definindo quais devem ser as prioridades da Política de Coesão em cada região, sempre balizadas pelos princípios estratégicos delineados pela própria Comissão. Quem não se recorda de máximas como: nem mais um euro para financiar estradas em Portugal; as grandes empresas não são elegíveis para apoios no PT2030 (salvo raras exceções); prioridade máxima para o combate às alterações climáticas e para fomentar a inovação?
Na segunda é Bruxelas que negoceia com cada Estado-membro, de modo centralizado, um conjunto de metas e marcos (reformas e investimentos) de cujo cumprimento está dependente o desembolso das verbas comunitárias. No caso da tradicional Política de Coesão os beneficiários só recebem os apoios depois de apresentada a fatura que comprova a realização do investimento. O desligamento da lógica de pagamento contra fratura leva mesmo o Tribunal de Contas europeu a alertar para os riscos de incumprimento das regras nacionais e europeias e de ausência de controlo efetivo.
Disparidades territoriais
A questão financeira não é de somenos importância, sobretudo quando os países ditos frugais, os contribuintes líquidos da União Europeia (UE), mostram cada vez mais indisponibilidade para aumentar o esforço financeiro para o orçamento comunitário num contexto de solicitações crescentes. É, aliás, o aspeto político que gera mais discussão.
Nas recomendações políticas que o Comité das Regiões fez sobre o pós-2027 a primeira constatação é de que “em toda a UE subsistem disparidades territoriais, de tipos muito diversos que, se não forem devidamente combatidas, comprometem as suas perspetivas económicas e sociais, tanto mais que a convergência regional abrandou e surgiram recentemente novos fatores de desigualdade”. Pandemia, guerra na Ucrânia, transições ecológica e digital, mudança demográfica e alterações climáticas são fatores que só vieram agravar os riscos de assimetrias, sublinha o mesmo documento assinado pelo deputado dos Açores Vasco Cordeiro. “O custo da não coesão seria um golpe decisivo na ideia de uma Europa mais forte e mais unida, suscetível de alimentar ainda mais uma ‘geografia do descontentamento’ e de alhear os europeus da União Europeia”, lê-se.
Significa isto que deve ficar tudo na mesma porque a Política de Coesão ainda não cumpriu os seus objetivos? “Claro que não”, diz o ministro Adjunto e da Coesão. “Sou um grande defensor do modelo da Coesão, mas precisa de ajustes.”
Castro Almeida dá um exemplo muito concreto. A Comissão criou a Plataforma de Tecnologias Estratégicas para a Europa (STEP) com o objetivo de apoiar a indústria europeia e impulsionar o investimento em tecnologias críticas na Europa. Assim, o financiamento é direcionado para três áreas de investimento: tecnologias digitais e inovação em tecnologia profunda; tecnologias limpas e eficientes em termos de recursos e biotecnologias. Mas depois Bruxelas impede regiões desenvolvidas como Lisboa de acederem a determinados fundos temáticos.
“Não entendo que se queira fazer aceleração tecnológica do país apostando em Portalegre, Bragança ou Viseu, deixando de fora Lisboa. Os programas operacionais temáticos não tocam em Lisboa”, já tinha dito Manuel Castro Almeida na sessão de encerramento do Lisboa 2020. “Se concebo isto para infraestruturas municipais, não entendo que se mude o perfil tecnológico do país longe dos grandes centros tecnológicos”, acrescentou, defendendo que “há ajustamentos a fazer na Política de Coesão (…) com ponderação e seriedade”.
Os ajustamentos devem ainda ter em conta a realidade do alargamento da UE que ditará quase por certo uma redução do PIB per capita — a bitola usada na definição das elegibilidades. Por isso, o Comité das Regiões pede à Comissão que faça uma avaliação pormenorizada antes de propor um novo regulamento, para que a Política de Coesão possa continuar a apoiar todas as regiões e “lidar eficazmente com as repercussões negativas de um ‘efeito estatístico’” que acabará por excluir países que ainda precisam dela.
Já a comissária europeia da Coesão e Reformas cessante, Elisa Ferreira, considera que “uma tentativa de assimilar, de comparar, o apoio de emergência de curto prazo” que caracteriza o PRR, “com a Política de Coesão, e de substituir uma pela outra”, é “absolutamente errado e muito perigoso”. No ECO dos Fundos, o podcast quinzenal do ECO, alertou que aplicar a mesma lógica do PRR seria “fatal” para a Política de Coesão e defende que a solução deve passar por dar a esta política estrutural “uma dimensão muito mais estratégica”.

Comissão pende para o modelo PRR
A Comissão Europeia deve avançar em julho com a sua proposta de Quadro Financeiro Plurianual 2028-2034, iniciando-se depois as negociações entre os colegisladores (Parlamento e Conselho). Entretanto, já publicou o “Roteiro para o Próximo Quadro Financeiro Plurianual”, no qual explica que “a nova abordagem para um orçamento moderno da UE deve incluir um plano para cada país com as principais reformas e investimentos, que será concebido e executado em parceria com as autoridades nacionais, regionais e locais”. Uma clara aproximação ao modelo PRR, e que se distancia da filosofia seguida até aqui, de distribuir os montantes atribuídos a cada Estado-membro através de programas regionais e temáticos com diferentes critérios de elegibilidade.
“A UE deve maximizar o impacto de cada euro que gasta, centrando-se nas prioridades e objetivos da UE em que a sua ação é mais necessária”, lê-se no documento que descreve os principais desafios políticos e orçamentais que irão moldar a conceção do próximo Quadro Financeiro Plurianual (QFP), o que lança as bases para reflexões sobre a forma de adaptar o orçamento de longo prazo da UE à evolução das necessidades e prioridades.
“A execução em curso do atual quadro financeiro permite retirar alguns ensinamentos sobre a forma de agilizar o orçamento da UE e de o alinhar melhor pelas suas prioridades e objetivos”, diz a Comissão Europeia. “Para garantir capacidade orçamental, é fundamental dispor de flexibilidade, de modo a poder responder a uma realidade em constante mutação. No entanto, tal não será possível se praticamente todos os fundos da UE forem pré-programados abinício”, frisa o documento. “Para maximizar o impacto do financiamento da UE, num momento em que decorre uma reflexão sobre o futuro quadro financeiro, importa direcionar e simplificar mais, desde o início”, concluiu.
Por outro lado, em defesa do modelo PRR, a Comissão sublinha que “a fragmentação do panorama financeiro traduz-se, igualmente, em demasiados documentos de programação, que exigem a utilização intensiva de recursos por todas as administrações envolvidas. O atual quadro financeiro inclui mais de dez fundos pré-afetados, que requerem esforços de planeamento e programação separados”.
A Comissão lançou, entretanto, uma consulta pública, na qual as partes interessadas e os cidadãos podem, até 7 de maio, dar contributos para a discussão sobre o futuro orçamento da UE e as políticas que este deve apoiar.
Nota: Artigo atualizado com os desenvolvimentos nesta matéria desde a publicação no ECO Magazine
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