“Os nossos clientes são os espectadores e os anunciantes e não os partidos ou deputados”, diz Ricardo Costa
“Qualidade da cobertura foi assimétrica a favor do PS e PSD em relação ao Chega”, admite Ricardo Costa, que recusa críticas aos comentadores. A reflexão é urgente, dizem especialistas ouvidos pelo +M.
“A SIC está confortável com os seus comentadores, como, aliás, as audiências o demonstram. Os nossos clientes são os espectadores e os anunciantes e não partidos, dirigentes ou deputados, que gostavam que as televisões fossem seus espelhos”. É assim que Ricardo Costa, desde janeiro chief content officer do grupo Impresa, reage à polémica que teve início na noite das eleições, quando Sebastião Bugalho, que regressou como comentador à CNN Portugal em abril, defendeu no rescaldo do resultado das eleições, que a comunicação social e as televisões devem fazer uma reflexão, sob o risco de “as pessoas que as ouvem ou veem acharem que estão numa realidade alternativa“.
“Temos que nos perguntar como tivemos estes dois meses e meio em que as televisões, praticamente todos os dias, diziam o mesmo que o Partido Socialista, que o primeiro-ministro era desonesto, que o primeiro-ministro era desonesto, que o primeiro-ministro era desonesto e agora, no fim do dia, a expressão popular sobre essa situação é antagónica e oposta àquilo que estava nas televisões”, atirou o eurodeputado no estúdio da CNN, quando confrontado com a maioria de direita que resulta das eleições.
Três dias depois, André Ventura, em entrevista à TVI, voltava a falar sobre o desfasamento entre o comentário e o resultado eleitoral. “Isso é outro ajuste de contas que temos que fazer… [os comentadores diziam] ‘perdeu todos os debates, todos. Não há hipótese, o homem é uma nódoa. O homem é uma nódoa, isto vai ser um desastre’. Pois o povo português saiu de casa para dizer ‘oh senhores, ou vocês mudam, ou nós um dia mudamos por vocês’”, exclamava Ventura na entrevista em que se assumia como líder da oposição.
A SIC revê regularmente o seu quadro de comentadores, e fê-lo substancialmente nos últimos 12 meses,. A SIC nunca age em função de pressões externas, muito menos quando essas pressões são políticas.
“Quem tem responsabilidade nos media, tem de perceber se quer uma de duas coisas: ou quer ter pessoas em estúdio que representam as pessoas em casa, ou quer ter uma bolha de pessoas iluminadas que acham que vivem num mundo qualquer que não é o nosso. E que é fixe para discutir, beber um chá, mas depois não valem nada em termos de representatividade”, prosseguia o líder do Chega na entrevista a José Alberto Carvalho.
André Ventura referia-se sobretudo às derrotas pós debate que os comentadores da SIC Notícias e CNN Portugal lhe deram durante o mês de abril. Ora se as notas dos comentadores fossem vertidas para as urnas, Pedro Nuno Santos seria o vencedor das eleições de 18 de maio e André Ventura apenas ganharia a Inês Sousa Real (CNN) ou a Inês Sousa Real e Paulo Raimundo (SIC Notícias). As contas foram feitas pela CNN Portugal, que analisou ainda as notas dadas pelo Expresso e Observador. Juntando à média das televisões os dois jornais, André Ventura seria mesmo o grande derrotado destas eleições.
Mas é suposto as classificações dadas nos debates refletirem o voto dos portugueses? “Tem pouca lógica de repente toda a gente querer usar como métrica sobre o que é sucesso televisivo as notas de debates. Nunca a aferição de um resultado eleitoral serviu para aferir a qualidade da cobertura jornalística”, reforça o ex-diretor de Informação da SIC e ex-diretor da SIC Notícias.
A performance que se faz de um debate não tem que ver com resultado eleitoral, reitera Ricardo Costa. “Se fosse assim, nunca se podia dar a vitória a um partido minoritário”, exemplifica. Quanto aos comentadores, o administrador do grupo Impresa lembra que a SIC “revê regularmente o seu quadro de comentadores, e fê-lo substancialmente nos últimos 12 meses”. “A SIC nunca age em função de pressões externas, muito menos quando essas pressões são políticas”, garante em conversa com o +M.
A comunicação social não é a única [a necessitar de reflexão], mas também não é a excepção. Não pode transformar o escrutínio em ativismo, nem deixar de fazer o escrutínio.
Nos últimos 12 meses, e a título de exemplo, Ricardo Costa refere a saída de Marques Mendes, de José Miguel Júdice, de Maria Castelo Branco, de Gonçalo Ribeiro Telles ou de Germano Almeida, que era o principal comentador de EUA.
O espaço de Marques Mendes foi ocupado por Nuno Rogeiro e José Milhazes – com grande sucesso, ganhando todos os domingos sem exceção ao Portas –, Júdice foi substituído por Miguel Morgado e Pedro Gomes Sanches sucede a Gonçalo Ribeiro Telles. “Se deve haver uma maior abrangência dos políticos comentadores? Sim. Mas os comentadores estão na televisão pela sua qualidade. Não vamos fazer quotas, era o que mais faltava”, assegura.
Também contactado pelo +M, Nuno Santos, diretor da CNN Portugal e diretor de informação da TVI, preferiu não comentar o tema.
“A qualidade da cobertura foi assimétrica a favor do PS e PSD em relação ao Chega”
Quanto à afirmação de Sebastião Bugalho, Ricardo Costa acredita que o ex-comentador da SIC e eurodeputado do PSD pretendia dizer outra coisa, que há uma alteração sociológica do país e que os media não a estão a espelhar.
Sebastião Bugalho prefere igualmente não alimentar a discussão. “Temos de refletir. A comunicação social não é a única [a necessitar de reflexão], mas também não é a exceção. Não pode transformar o escrutínio em ativismo, nem deixar de fazer o escrutínio. Os que transformam o escrutínio em ativismo descredibilizam o escrutínio”, acrescentou o ex-jornalista e comentador ao +M.
À necessidade de reflexão, Ricardo Costa não se furta. “Sim, há uma alteração sociológica profunda no país, que começou há um ano e se acentua. Devemos ter capacidade de cobrir essa alteração e de a antecipar, para não parecer que somos sempre surpreendidos”, admite.
Separando a questão dos comentadores da cobertura feita pelos jornalistas, o ex-diretor da SIC Notícias reconhece que, “objetivamente, a qualidade da cobertura foi assimétrica a favor do PS e PSD em relação ao Chega”. A explicação é simples e válida tanto para televisões como para outros meios, as redações estão muito habituadas a cobrir PS e PSD e fazem-no com “capacidade e qualidade”.
“Os leitores de jornais têm informação de muito mais qualidade sobre os outros partidos do que sobre o Chega”. No caso das televisões, a cobertura do partido de André Ventura é quantitativamente elevada, o que não significa que o seja qualitativamente, admite.
“Quando o jornalismo está frágil, fazem um erro fatal que é tentar reproduzir a lógica das redes, com entretenimento ligeirinho”
A reflexão é também considerada urgente pelos especialistas em media ouvidos pelo +M. “Muita gente, entre políticos e jornalistas, acha que o que pensam é a verdade para os comuns dos mortais. Mas os comuns dos mortais estão preocupados com coisas mais comezinhas como terem dinheiro para comer, uma escola que ensine e onde haja aulas é uma sorte, transportes públicos que não estejam tantas vezes parados. Há mais, mas fico por aqui”, resume Manuel Falcão.
“A oratória da bolha política não fala disto e os comentadores muitas vezes não fazem ideia das dificuldades que muitas pessoas têm. Por isso é que muitas vezes votam de forma inesperada para quem não tem problemas desses”, aponta o cronista e ex-diretor-geral da Nova Expressão.
Muita gente, entre políticos e jornalistas, acha que o que pensam é a verdade para os comuns dos mortais. Mas os comuns dos mortais estão preocupados com coisas mais comezinhas como terem dinheiro para comer, uma escola que ensine e onde haja aulas é uma sorte, transportes públicos que não estejam tantas vezes parados.
Eduardo Cintra Torres vai mais longe. Na opinião do crítico de televisão, “as pessoas que comentam, amaldiçoam em excesso as redes sociais, quando são as fugas de muitos espectadores ao inculcamento que as televisões tentaram fazer, através dos comentadores e não só”.
“Há uma superioridade moral, de jornalistas e comentadores, que é difícil de tolerar. Superioridade moral é do prior, na missa”, atira Cintra Torres, na opinião de quem “os comentadores estavam contra o Chega e a informação contra a AD”. Quanto a Ventura, é a “atração pelo abismo”.
“Somos contra o Chega, mas somos a favor de entrevistar o Ventura, porque dá luta e audiências” defende. “As campanhas são feitas porque há um acordo perverso, não escrito, entre media televisivo e partidos. Vamos a sítios onde há duas pessoas do Livre. As televisões fomentam o tipo de campanhas que temos, há uma aliança perversa, um espectáculo que tem dose ficcional”, prossegue, dando como exemplos o mergulho de Montenegro, a ida a Fátima ou Pedro Nuno Santos a andar de mota.
“O fato de banho diz que não tem medo de se mostrar. Andar de mota que é jovem. Há um significado simbólico, certamente tudo foi estudado, mas o que acrescenta?”, questiona.
“Há uma superioridade moral, de jornalistas e comentadores, que é difícil de tolerar. Somos contra o Chega, mas somos a favor de entrevistar o Ventura, porque dá luta e audiências”.
Na opinião de Cintra Torres há, ainda, a “economia do comentário”.
“Os canais de informação, mas também os outros, precisam de comentadores porque precisam de inculcar opiniões. Mas, sobretudo, porque é muito mais barato do que fazer jornalismo na rua, do que estar com o povo”, conclui. O
crítico televisivo deixa ainda outro alerta. “Para responder a muita gente sobre o facto de estarem desligados do país e dentro de bolha mediática, os comentadores vão reorientar a sua própria opinião, quando preferia que continuassem a dar 20 ao Pedro Nuno Santos e 0 ao Ventura”, remata.
Para Nuno Artur Silva, o problema é mais profundo. “Começa nos comentadores darem notas. Estão a transformar o jornalismo numa coisa absolutamente ridícula, a transformar a política numa espécie de patinagem artística”, diz o e-xsecretário de Estado com a pasta da comunicação social.
“Em vez de debate de ideias, a pergunta é ‘ias jantar com quem’. De repente são os humoristas que ocupam o lugar de jornalistas. Se transformamos as eleições no Big Brother, com entretenimento barato, e damos notas tipo patinagem artística, então não se admirem”, diz o ex-administrador da RTP.
Em vez de debate de ideias, a pergunta é ‘ias jantar com quem’. De repente são os humoristas que ocupam o lugar de jornalistas. Se transformamos as eleições no Big Brother, com entretenimento barato, e damos notas tipo patinagem artística, então não se admirem.
Com o centro comunicacional a passar da televisão para as redes sociais, toda a gente tem uma opinião e vive nas suas bolhas, prossegue. “Há uma mudança de paradigma. As televisões servem apenas para gravar coisas, que depois são reproduzidas na net. É na net que as coisas se jogam”, diz Nuno Artur Silva.
Depois, no digital, e sem intermediação, para obter bons resultados eleitorais um partido não precisa de ter grande coerência nem propostas e para as pessoas é suficiente a perceção. “Basta dar eco ao descontentamento: ‘ressentidos de todo o mundo, uni-vos’. Está em crescimento, mas não é um fenómeno português”, diz sobre a votação nos partidos de extrema-direita.
“Quando o jornalismo está frágil, por falta de modelo de negócio, as televisões fazem um erro fatal que é tentar reproduzir a lógica das redes, com entretenimento ligeirinho”, aponta o ex-administrador da RTP, salientando ainda a “promiscuidade” das pessoas “que vão da política para o comentário e do comentário para a política”.
“Ainda há jornalismo sério e comentário sério, mas estamos muito no entretenimento ligeiro”, lamenta o fundador da Produções Fictícias.
Quanto a lições para o futuro? “É começar por perceber que não podemos encarar uma realidade nova com premissas antigas. Não podemos pensar a política hoje da mesma forma de há 10 anos. E os comentadores estarem ali sentado, a analisar da mesma maneira a política, como se fosse apenas uma crise política. Estamos noutro mundo, exige outro tipo de abordagem”, conclui.
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