“A luta contra a fraude é uma luta que nunca acabará”

Presidente do IAPMEI defende a simplificação de processos, que "não passa só pela alteração de regras, passa também e muito pela alteração de mentalidades" de todos, beneficiários e promotores.

O presidente do IAPMEI garante que não tem “qualquer indicador nem sinal de que a fraude esteja a aumentar”, mas alerta que a luta contra a fraude nunca terminará.

“A generalidade das práticas fraudulentas é detetada e punida. Temos de ter uma atitude preventiva. Não sou nada catastrofista. Agora, não podemos ficar satisfeitos com o que já conseguimos e temos de continuar a lutar para sermos mais rigorosos e mais eficazes na luta contra a fraude, que é uma luta que nunca acabará“, diz José Pulido Valente, no ECO dos Fundos, o podcast quinzenal do ECO sobre fundos europeus.

Pulido Valente defende a simplificação de processos, que “não passa só pela alteração de regras, passa também e muito pela alteração de mentalidades” de todos — beneficiários e promotores — e reconhece que todos estão “viciados numa forma de trabalhar”. “Precisamos de nos pôr nos sapatos dos outros e de compreender que há coisas que se exigem porque têm mesmo de ser exigidas, há coisas que se exigem mas se calhar não deveriam ser exigidas”.

Mas, simplificar “não é desregulamentar”, alerta. É tornar os processos “mais transparentes, mais simples de executar, com ferramentas mais user-friendly“. “Não significa ser menos exigente. Significa provavelmente até ser mais exigente”.

Outra das promessas também era que não fossem exigidas às empresas os documentos que já estão na posse do Estado. Isso também já está em vigor?

O IAPMEI sempre praticou essa regra, é um ponto de honra de obtermos a autorização dos beneficiários para irmos consultar e procurar os documentos. A simplificação dos processos é para nós a primeira das prioridades. Agora, esta simplificação de processos não passa só pela alteração de regras, passa também e muito pela alteração de mentalidades. E isso muitas vezes demora um bocadinho mais a fazer, mas garanto-lhe que está em curso e a chegar a bom porto.

Mentalidade das equipas ou dos beneficiários?

De todos. Estamos todos viciados numa forma de trabalhar que precisamos de nos pôr nos sapatos dos outros e de compreender que há coisas que se exigem porque têm mesmo de ser exigidas, há coisas que se exigem mas se calhar não deveriam ser exigidas. E simplificar a vida dos outros é o nosso papel hoje em dia.

Mas essa simplificação tem obrigatoriamente de ser acompanhada de um reforço da fiscalização posterior?

Julgo que se deve separar as coisas. Simplificar processos não é desregulamentar, é torná-los mais transparentes, mais simples de executar, com ferramentas mais user-friendly. Não significa ser menos exigente. Significa provavelmente até ser mais exigente, ter todos os dados para poder controlar, mas um controle que é feito a posteriori, no momento certo. Deixe-me, aliás, dizer que temos uma excelente experiência em termos de precaver ou prevenir a fraude. Temos procedimentos instituídos, quer em termos de conflito de interesses, de duplo financiamento, de plano de auditoria, que nos permite estar muito confiantes sobre a forma como funciona a máquina do IAPMEI.

Simplificar processos não é desregulamentar, é torná-los mais transparentes, mais simples de executar, com ferramentas mais user-friendly. Não significa ser menos exigente.

O IAPMEI foi confrontado com a necessidade de pedir o reembolso de verbas nos projetos ao nível do Digital Innovation Hub. Já conseguiram que esse caso fosse ressarcido?

Não sei de que caso em concreto está a falar, mas os DIH são um projeto que são geridos pela ANI. De qualquer forma, a recuperação dos fundos, quando não é feita de forma voluntária, é remetida à AT para seguir a forma da execução fiscal. Há todo um mecanismo implementado de audição do interessado, de incorporação na decisão dos seus pontos de vista e depois se ela se mantiver, um período para pagamento voluntário e se não houver o pagamento voluntário, uma execução fiscal.

Nos vouchers para startups houve um problema de conflito de interesses e o IAPMEI entregou o caso ao Ministério Público.

É o que se faz, é o que as regras nos mandam. Há casos de conflitos de interesses, há casos de, por exemplo, várias candidaturas com a mesma morada. Há situações que nem imagina, mas temos os mecanismos instituídos para prevenir essas situações e evitar que se traduzam em fraude.

Sente que houve um aumento dessas situações?

Não.

O PRR está a chegar mais ao fim e os mecanismos de auditoria estão a começar a incidir em mais projetos e isso pode traduzir-se num aumento das situações.

Não tenho qualquer indicador nem sinal de que a fraude esteja a aumentar, quer em termos reais, quer em termos de identificação estatística. Antes, pelo contrário, o avançar dos projetos permite-nos ter mais experiência e ter procedimentos mais robustos que vão reduzir significativamente a fraude no futuro.

“Não tenho qualquer indicador nem sinal de que a fraude esteja a aumentar, quer em termos reais, quer em termos de identificação estatística”, diz José Pulido Valente, presidente do IAPMEI, em entrevista ao podcast “ECO dos Fundos”.Hugo Amaral/ECO

Em relação à fraude, há sempre aqui duas posições: não temos fraude porque não existe ou não temos porque não a conseguimos detetar. Em qual dos campos se situa nesta matéria?

Estou a meio caminho. Tenho a certeza que desonestos existiram no passado, existem no presente e vão existir no futuro. A generalidade das práticas fraudulentas é detetada e punida. Temos de ter uma atitude preventiva. Não sou nada catastrofista. Agora, não podemos ficar satisfeitos com o que já conseguimos e temos de continuar a lutar para sermos mais rigorosos e mais eficazes na luta contra a fraude, que é uma luta que nunca acabará.

A lógica PRR, em que o dinheiro é desembolsado mediante o cumprimento de metas e marcos e não contrafatura, como nos fundos de coesão, é mais propícia à fraude?

Não, acho exatamente o contrário. É muito mais difícil forjar ou simular um objetivo do que forjar ou simular uma despesa. Termos um projeto assente no atingimento de um determinado resultado significa que todas as despesas poderão estar conformes ou não, mas se o resultado não for atingido, a subvenção não é devida. Temos aqui não só uma verificação da regularidade formal da despesa, como temos também uma análise da realidade material do atingimento do PPS. Permite-nos ter mais uma instância de controlo.

Há casos de conflitos de interesses, há casos de, por exemplo, várias candidaturas com a mesma morada. Há situações que nem imagina, mas temos os mecanismos instituídos para prevenir essas situações e evitar que se traduzam em fraude.

Esse controle é feito com plataformas digitais, mas também por técnicos. Os técnicos que estão afetos ao PRR vão ver terminados os seus postos de trabalho no final da vigência da bazuca. Está confortável com isso ou gostava de ficar com eles?

Gostava de ficar com eles. Gostava de ficar com pessoas dedicadas, com provas dadas, experientes. Tenho esperança que haja novos projetos em que possamos utilizar os mesmos, ou outros, da mesma forma. Aliás, o IAPMEI é uma casa aberta à sociedade, temos uma atitude de outsourcing de um conjunto de tarefas e uma grande abertura, por exemplo, a utilizar as universidades e os politécnicos na análise de candidaturas. Não temos de fazer tudo dentro de casa, temos de ter parceiros em quem confiamos e em quem delegamos a execução de determinadas tarefas. Trabalhar em rede, de forma aberta, e buscar à sociedade, à academia, às empresas, as capacidades e os skills que necessitamos de forma pontual ou continuada, mais do que crescer uma máquina que depois se torna difícil de gerir.

Nessa análise, uma das novidades era a utilização de inteligência artificial. Está a ser usada?

Está já a ser utilizada a inteligência artificial em termos de piloto.

Como está a correr?

Está a correr muito bem. A inteligência já aprendeu e já realiza um conjunto de tarefas de verificação ao nível do ser humano. Mas o tema da inteligência artificial é que é preciso dar tempo, treiná-la para poder evoluir. Agora o desafio é crescer na complexidade das tarefas que ela consegue desenvolver. Obviamente, sempre com uma verificação humana em termos de controlo de qualidade. Não estou a ver que, no curto prazo, tenhamos um processo totalmente automatizado, ou sem controle humano, porque é preciso assegurar, através do mínimo de intervenção humana, que todos os procedimentos foram cumpridos e que a decisão está bem tomada.

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.

Comentários ({{ total }})

“A luta contra a fraude é uma luta que nunca acabará”

Respostas a {{ screenParentAuthor }} ({{ totalReplies }})

{{ noCommentsLabel }}

Ainda ninguém comentou este artigo.

Promova a discussão dando a sua opinião