“É necessário as agências saberem parar, saberem refletir”
O papel da IA, a importância de arriscar no talento humano, a publicidade em Portugal, os concursos e os quase três anos de DJ são alguns dos temas da entrevista a João Pacheco e Diogo Anahory.

“Infelizmente, o mercado não tem sabido, ou não tem conseguido, adaptar-se da melhor forma possível a problemas que são estruturais“. A constatação é do publicitário Diogo Anahory, que em janeiro de 2023 fundou com o designer João Pacheco a DJ, agência que já assinou projetos para a Rádio Comercial, Vanguard, Museu de Arte Contemporânea e Hotel em Lisboa, Aucham ou Dils Portugal.
“Normalmente, quando há fenómenos de concentração no mercado, é porque o mercado não está a conseguir crescer ou prosperar da forma que devia”, prossegue Anahory, dando como exemplo a fusão Omnicom Media Group e IPG ou a Dentsu colocar as operações fora do Japão à venda.
“As agências vão ter que olhar com muito rigor, muita vontade, para si próprias, e perceber como conseguem ser relevantes, e onde é que conseguem ser relevantes, aproveitando o talento que existe“, acrescenta João Pacheco, colocando o talento humano, e a sua retenção e valorização, como o maior desafio da indústria.
Para “as soluções rápidas, a primeira ideia, a coisa sem muito craft, com pouco trabalho, os posts… para todo esse ‘rame-rame’, as agências não são importantes, não são relevantes. Ou vão-se tornar pouco relevantes”, defende o co-fundador da DJ. “Para as soluções rápidas, está a existir uma solução que não é as agências”, concretiza.
O papel da IA, a importância de valorizar e arriscar no talento humano, a pressão dos números, a publicidade em Portugal, os concursos e os quase três anos de DJ são alguns dos temas abordados na entrevista, à qual pode assistir na íntegra em vídeo.
Estamos na rentrée, mês regra geral interessante em termos de novidades. Na publicidade, como antecipam os próximos meses? Quais os maiores desafios e oportunidades?
Diogo Anahory (DA): Diria que há alguns temas que estão na ordem do dia. Um deles é a transformação que o mundo das agências, das multinacionais e das holdings está a sofrer. Já não é de agora. Infelizmente, o mercado não tem sabido ou não tem conseguido adaptar-se da melhor forma possível a problemas que são estruturais, e que já vêm de há muitos anos. Continuas a ver, ao longo do último ano, agora se calhar com mais frequência, esta ideia de concentração no setor. A IPG e a Omnicom a fundirem-se, a Dentsu a pôr as suas operações fora do Japão à venda.
Normalmente quando há fenómenos de concentração no mercado é porque o mercado não está a conseguir crescer ou prosperar da forma que devia. Esse, para mim, é o maior desafio. Acho que isso tem tudo a ver com pressão financeira, com a pressão dos números, com os fenómenos da inteligência artificial (IA). Esse é o tema mais desafiante para os próximos anos, como é que o mercado se vai ajustar a esta dinâmica.
Que é um problema a nível global. Em Portugal, um mercado pequeno, mais pequeno ainda quando estamos a falar na perspectiva de uma multinacional, terá especial impacto?
DA: Apesar do nosso mercado ser pequeno, acho que a maioria das nossas agências, sobretudo aquelas que estão debaixo do chapéu das multinacionais, vivem os mesmos problemas que vivem as agências lá de fora. Uma enorme pressão para entregar resultados, a pressão de ir ganhando negócio de forma continuada. É a história, a metáfora, do líquido balde, onde vais pondo água, mas que está furado por baixo. Esta lógica de estar sempre a entrar em new business e a ir a concursos, porque também estás sempre a perder.
Também com a pressão dos preços nos concursos, ou seja, baixando o valor?
Tudo. Isso é um problema que vem de longa data. Acho que a indústria também contribuiu para isso, para se desvalorizar de alguma maneira, não soube valorizar o produto que entrega, o seu produto criativo. E, portanto, menos recursos financeiros, menos talento, porque há menos dinheiro para pagar. Esse ciclo vicioso é um dos grandes desafios para os próximos tempos.
A indústria também contribuiu para isso, para se desvalorizar de alguma maneira, não soube valorizar o produto que entrega, o seu produto criativo.
Como é que se sai desse ciclo?
João Pacheco (JP): Vou pegar no “sermos pequenos”. Como é que, sendo pequenos – e agora com estes desafios todos, da tecnologia, da IA, que não está a mudar só o nosso mercado, está a mudar a nossa realidade, e a forma como até nós nos comportamos uns com os outros – nos conseguimos destacar.
Transpondo isso para a nossa área, é como é que publicitários, designers, agências multinacionais, agências nacionais, conseguem gerir talento e gerar talento e gerar uma das coisas que as pessoas adoram, que é o inesperado.
E o inesperado é das tendências que a publicidade tem e que as marcas conseguem alavancar bem, porque o inesperado é o que ‘creca’, é o que muitas vezes nos quebra o dia e é aquilo que memorizamos no final do dia, no final da semana, nas conversas com os amigos.
E as marcas querem esses momentos. E, portanto, vamos à base do nosso trabalho, procurar realmente onde é que conseguimos ser criativos, trabalhar o talento individual de cada um, porque, como dizia há pouco, para fazer o pão com manteiga…
As agências vão ter que olhar com muito rigor, muita vontade, para si próprias, e perceber como é que elas conseguem ser relevantes e onde é que conseguem ser relevantes, aproveitando o talento que existe.
Dizíamos, antes de começar a entrevista, que o mercado como o conhecíamos, ou com o modelo de negócio que existiu até agora, já não era viável.
JP: Mais do que o modelo de negócio é a forma como se pensa no negócio e como se trabalha. Não sabemos ainda como vai ser, acho que nenhum setor de atividade onde o AI influencia – vai influenciar em todos os setores, desde os advogados, os engenheiros, a medicina. Temos que repensar a forma como os setores funcionam. Acho que vai haver uma predominância da valorização do contacto humano, daquilo que nos faz sentir arrepios na pele.
E fomos esquecendo um bocadinho esse papel. Vamos ter que trabalhar muito o talento individual das pessoas, ver onde é que realmente somos bons e trabalhar muito, cada um de nós, esse talento.
E as agências vão ter que olhar com muito rigor, muita vontade, para si próprias, e perceber como é que elas conseguem ser relevantes e onde é que conseguem ser relevantes, aproveitando o talento que existe. Acho que as agências ainda têm muito talento interno, que não pode ser esquecido e que não pode ser descartado. Têm que repensar, muitas vezes, a forma como entregam as coisas.

Vê as agências com vontade e com capacidade de fazer esse trabalho?
Vejo que as agências têm vontade de fazer esse trabalho. Agora, o problema é tempo. Nós obrigámo-nos a trabalhar muito numa cadência muito grande, e o AI vai acelerar essa cadência. E muitas vezes, quando estamos embrenhados numa cadência temporal muito acelerada, não temos tempo para parar e refletir. É necessário essa reflexão. Acho que é necessário as agências saberem parar, saberem refletir, perceber para onde vão, perceber aquilo que estão a alimentar de errado e aquilo que estão a alimentar de certo e tentar transformar-se.
A transformação tem que vir de dentro, de dentro para fora e não de fora para dentro. O que tem acontecido nas agências é muito uma transformação de fora para dentro e é muito reativa. As agências vão ter que parar, pensar e ponderar bem como é que se faz essa transformação, não esquecendo que a maior virtude que as agências têm é o talento humano que está lá dentro.
DA: Se há setor onde provavelmente há mentes suficientemente criativas para tentar resolver estes dilemas todos da indústria, é o nosso.
Tenha o setor essa capacidade de, por exemplo, que é uma coisa que eu também vejo acontecer imenso, não descartar – é típico da pressão financeira – aqueles que são normalmente os mais caros, que normalmente também são os mais experientes. O setor começa a ficar descalço das pessoas que têm mais experiência e das pessoas que têm a capacidade de eventualmente poder pensar a transformação.
Concordo com o João. É difícil, num setor que está debaixo de uma enorme pressão financeira, ter tempo para parar e tentar ver como é que se pode ver o futuro. Mas, se há indústria onde estarão porventura algumas das mentes mais criativas, porque provavelmente vão ser precisas soluções muito criativas para fazer esta transformação, é a nossa.
Tradicionalmente é um setor onde as pessoas estão habituadas a pensar de forma lateral, fora da caixa. Se não formos nós, provavelmente não serão os consultores a conseguir encontrar essa transformação. São as pessoas de dentro do setor que têm essa capacidade.

E vê as pessoas do setor com essa vontade?
Vejo-as muito pressionadas com o dia-a-dia e daí a importância do tempo. Se calhar às vezes é preciso parar. Nós fomos um bocado à procura disso, quando decidimos juntar-nos.
Acho que foi à procura de tempo, de ganhar, de recuperar, algum tempo, que achamos que é absolutamente essencial para tudo, não é só para fazer campanhas e para ter ideias. É para não estarmos permanentemente assolados por uma voragem diária.
O setor começa a ficar descalço das pessoas que têm mais experiência e das pessoas que têm a capacidade de eventualmente poder pensar a transformação.
Era o que sentiam?
De alguma maneira. Sentimos todos. É um ritmo que não é compatível com o pensamento criativo. Não querendo parecer um velho do Restelo, mas o processo criativo exige, de facto, tempo. Aliás, uma das fases que os teóricos do processo criativo dizem que é muito importante é a fase em que tu largas o problema e vais ao cinema. É aí que as ideias aparecem, quando provavelmente nem sequer estás a pensar no briefing propriamente dito ou no problema.
Se não tiveres essa fase no processo, a probabilidade de haver ideias muito boas baixa brutalmente. À medida que se vai encurtando os timings de apresentações, de criação, vai-se perdendo estas hipóteses de fazer algo verdadeiramente diferenciador.
E, sim, eu acho que a maioria das agências estão a trabalhar 24 sobre 24 horas, e isso não é o ambiente propício à criação de novas ideias.
Ainda é assim? As noitadas, o trabalho fora de horas, ainda acontece com frequência?
JP: Não é por as pessoas fazerem noitadas, trabalho fora de horas, que estão sob pressão. Se nós sentirmos uma pressão das nove às seis, constante, também não vamos ter tempo para parar e refletir sobre a ideia. E, portanto, aparecem as soluções rápidas. Para as soluções rápidas, está a existir uma solução que não é as agências.
As soluções rápidas, a primeira ideia, a coisa sem muito craft, com pouco trabalho, os posts… para todo esse ‘rame-rame’, as agências não são importantes, não são relevantes.
A IA.
As soluções rápidas, a primeira ideia, a coisa sem muito craft, com pouco trabalho, os posts… para todo esse ‘rame-rame’, as agências não são importantes, não são relevantes. Ou vão-se tornar pouco relevantes. O trabalho vai ser muito internalizado, nas grandes organizações, nas marcas, e por aí fora.
Ou seja, para esse tipo de trabalho o cliente vai deixar de precisar da agência?
Acredito que vai deixar de precisar. Ainda existe muito esse trabalho, porque o cliente debita na agência um pacote de coisas, muitas vezes para a agência justificar os fees que ainda mantém, depois faz esse trabalho. Só que esse trabalho, na minha perspectiva, não é onde as agências, e este mercado, se deve destacar.
Este mercado deve-se destacar, no trabalho muito mais especializado, com muito mais craft, com mais tempo para pensar a solução, do que propriamente na primeira ideia, no imediato, naquilo que nós fazemos slide constantemente no telemóvel.
O papel da IA, a importância de valorizar e arriscar no talento humano, a publicidade em Portugal, os concursos e os quase três anos de DJ são outros dos temas abordados na entrevista, à qual pode assistir na íntegra em vídeo.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.