Cultura

“Não é por haver mais 50 milhões ou 100 milhões que que a política cultural se altera”

António Costa, Carla Borges Ferreira, Hugo Amaral,

Pela "estima e admiração" que tem por Pedro Adão e Silva, Elísio Summavielle aceitou ser reconduzido há um ano na presidência do Centro Cultural de Belém. Um ano depois, vê melhorias.

Elísio Summavielle, presidente do conselho de administração do Centro Cultural de Belém (CCB), em entrevista ao ECO - 24MAI23

Elísio Summavielle foi reconduzido, há um ano, para um terceiro mandato como presidente do Centro Cultural de Belém (CCB). O desafio foi aceite pela “estima e consideração” que tem pelo ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva, que num primeiro balanço “trouxe um pouco espírito de organização”. O problema do setor, defende o responsável do CCB, não é falta de verba.

Já tinha afirmado que não faria novo mandado como presidente do CCB, mas a “estima e admiração” que tem por Pedro Adão e Silva fizeram-no reconsiderar. Mudou alguma coisa na cultura com o novo ministro?

Conheço o ministro, embora seja um jovem. Nasceu nas vésperas do 25 de abril e eu já tinha 17 anos e estava na clandestinidade. Acompanhei o percurso dele ao longo dos anos. Sempre tive uma grande admiração pela sua capacidade organizativa, de síntese, de acutilância, até como comentador, que era visível. Acho que trouxe um pouco esse espírito de organização para o Ministério da Cultura.

Vê melhorias, no Ministério da Cultura?

Vejo. Tem uma secretária de Estado da Cultura excelente [Isabel Cordeiro] – sou suspeito, era o meu braço direito, veio comigo aqui para o CCB – e controla tecnicamente toda a área do património cultural, o que é muito bom, porque é uma área que está a precisar de muito apoio. Acho que tem todas as condições para fazer um mandato com sucesso.

Mas que os agentes culturais já viram mudanças?

Eu penso que sim. Vamos ver, nunca estão satisfeitos. Se formos comparar com outros setores da vida social e económica, se alguém da área da cultura, um artista, dá um grito, o quarto poder faz logo uma manchete. Têm um eco e uma capacidade de expressão que os outros não têm.

Têm acesso mediático para fazer reivindicações.

Estão no seu direito de as fazer e penso quanto mais cultura tiver o país, melhor é para a cidadania, para todos os cidadãos. Como dizia Churchill, quando não quis cortar no orçamento da cultura, “então para que é que fazemos a guerra?”. Agora, é preciso vermos que há uma oferta que nunca existiu, que há uma capacidade instalada, que há qualidade. Como já tenho uma idade mais provecta, lembro-me a dificuldade que foi na Lisboa 94, a Capital da Cultura, da qual fui comissário. Na abertura do Coliseu, depois do restauro, veio a Sinfónica de Londres. Neste momento temos músicos, já formados pós 25 de Abril, do melhor que há no mundo e nas grandes orquestras.

Se somarmos o investimento público das autarquias e do Estado, ultrapassamos largamente o 1%, vamos no 1,60 e tal. E isso muitas vezes não é tido em conta.

Mas o orçamento da Cultura é suficiente? Ou o problema da cultura não é a falta de orçamento?

Penso que não é o problema. Aliás, temos aquela ideia do 1%, mas as autarquias investem em cultura brutalmente neste momento. Portanto, se somarmos o investimento público das autarquias e do Estado, ultrapassamos largamente o 1%, vamos no 1,60 e tal. E isso muitas vezes não é tido em conta. O que é necessário é criar condições para que a criação possa ser estimulada em rede. Porque depois há muita mentalidade do quintal, que é muito cultural, muito nossa, do exclusivo. Eu não tenho problemas nenhuns em fazer uma parceria com a Casa da Música, para trazermos alguém importante e dividir por dois.

Faz Lisboa e Porto.

E diminui custos. Temos um sonho, esse não posso divulgar, e parece que vai correr bem. Mas tudo isso tem que ser trabalhado e articulado, o foco está no país. A cultura também pode ser um fator de coesão. A tal desertificação, um país com 3200 quilómetros de autoestradas, parece que só serve para as pessoas virem para o litoral. Portanto, todo esse processo tem que ser conduzido dessa forma integrada. A cultura não escapa a isso. Não é por haver mais 50 milhões ou 100 milhões que que a política cultural se altera. Eu penso que a política cultural tem que ser vista transversalmente e integrada no conjunto das opções estratégicas do país.

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