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“Não há crise dos media. O que há é uma crise na gestão dos media”, diz Carlos Rodrigues

Carla Borges Ferreira, Diogo Simões, Hugo Amaral,

Carlos Rodrigues, diretor da CMTV e do Now, o novo canal da Medialivre, recusa a ideia de os media estarem em crise e defende o fim da publicidade na RTP.

Nas próximas semanas vai chegar à posição nove da Meo, Nos e Vodafone o News Now, canal de informação da Medialivre. Carlos Rodrigues, diretor-geral editorial do grupo e também diretor da CMTV e do novo projeto, não avança nem o montante investido nem as expectativas de receita para o canal de informação, mas salienta que foram criados 60 postos de trabalho, a Medialivre “está sólida, está equilibrada e com perspetivas de crescimento” e recusa a ideia de que o modelo de negócio dos media está em crise.

Não é possível continuar a gerir a comunicação social com base na economia vodu em que fazemos contas a receitas imaginárias, irreais e altamente improvável. E depois, como são altamente improváveis, na verdade não aparecem, mas os custos para atingir essas receitas que não aparecem já foram feitos”, aponta, referindo também que os canais generalistas “gastam muitas vezes o que tem e o que não têm, no sonho de ter um pontinho de share, o que é, em sua opinião, um erro.

O responsável defende o fim da publicidade na RTP e lança um desafio a Nicolau Santos, presidente da RTP: “Vamos lançar um segundo canal de televisão e parece-me que é mais ou menos óbvio porquê. Temos uma equipa própria, uma ideia diferente, uma proposta diferenciada. A RTP é capaz de dizer o mesmo sobre todos os seus canais? Cada um dos seus canais tem uma proposta diferenciada, claramente identificada, quer para quem o faz, quer para quem o vê? É uma pergunta que eu deixo no ar”

Qual é o investimento no lançamento do Now?

Não temos um investimento financeiro para fazer. É importante salientar o seguinte: A ideia que hoje está espalhada por diversos setores da sociedade,de que há uma crise dos media, que provavelmente é inultrapassável, no meu entendimento, está errada. Não há crise dos media. O que há é uma crise na gestão dos media. A gestão dos media tem que entender duas coisas. Por um lado, evidentemente, fazer notícias não é o mesmo que fazer parafusos, sapatos ou berbequins, isso está fora de questão, é um produto essencial à democracia. Mas, por outro lado, há princípios de gestão que, mesmo sendo em empresas de notícias, têm que ser seguidos. São princípios básicos do bom senso. Um projeto informativo tem que saber qual é a expectativa de receita, para poder saber o que é que pode gastar. O que nós vamos investir neste – como em todos os nossos projetos – é nem mais do que aquilo que podemos, nem menos do que aquilo que precisamos.

Qual é o objetivo de receita?

Também não tenho uma expectativa de receita. Eu sei qual é a receita que tenho garantida, e é com essa que vou trabalhar.

E qual é o volume de receita que está garantido?

Faz parte de um segredo comercial, que não faz sentido [revelar] e até seria deselegante para várias instituições do mercado. Mas o essencial, relativamente a essa pergunta, é este princípio de nós, na Medialivre, não trabalharmos com expectativas de receita. Nós sabemos exatamente o que é que cada projeto pode significar em termos de receitas, e isso leva-nos a saber quanto é que pode significar em termos de custos.

E é assim que deve ser gerida a comunicação social. Não é possível continuar a gerir a comunicação social com base na economia vodu em que fazemos contas a receitas imaginárias, irreais e altamente improváveis. E depois, como são altamente improváveis, na verdade não aparecem, mas os custos para atingir essas receitas, que não aparecem, já foram feitos.

Não é possível gerir uma empresa de media sem levar em conta essa coisa chamada realidade. Quer nas notícias, quer na gestão. Porque se não levares em conta a realidade, vives em castelos de cartas, que com qualquer sopro vão por aí abaixo.

Se continuarmos assim, aí não há volta a dar, aí sim, instalar-se-á a crise nos media. Mas esta crise nos media é uma crise de gestão, e quando eu digo ‘gestão’, também é uma autocrítica, porque os diretores, por exemplo, ou o diretor-geral, como eu e outros em outras empresas, também temos uma função de gestão.

Eu, como diretor – sou diretor do Correio da Manhã, da CMTV e serei do Now –, como diretor-geral editorial, é meu mister saber qual é o funcionamento global da operação. Se eu não tiver em conta estas realidades básicas, estou a levar toda a minha redação em direção a um abismo. Na generalidade das empresas de comunicação social, que se diz em crise, o que aconteceu foi isto. Não são os media que estão em crise, o que está em crise é a gestão dos media em Portugal. E isto passa desde os jornalistas gestores/diretores até, evidentemente, algumas administrações.

Os resultados da Medialivre [antiga Cofina] têm sido exceção, mas a crise nos media, ou no modelo de negócio, é real.

Não vou comentar os outros grupos em particular. A Medialivre está muito sólida, muito saudável e a crescer, como se vê. Abrimos agora 59 ou 60 novos postos de trabalho. Para que isso possa acontecer, temos que lidar com a realidade. Não é possível gerir uma empresa de media sem levar em conta essa coisa chamada realidade. Quer nas notícias, quer na gestão. Porque se não levares em conta a realidade, vives em castelos de cartas, que com qualquer sopro vão por aí abaixo.

Eu não quero que a Medialivre seja uma exceção ou um oásis. O que quero dizer é – falando em termos absolutos, sem ser relativo, sem comparar com ninguém – que a Medialivre é gerida de acordo com estes princípios. Está sólida, está equilibrada e com perspetivas de crescimento. Os outros grupos, não sei. Apenas estava a comentar o facto de, entretanto, se ter criado a ideia de que há uma grande crise nos media.

A nível mundial, não é sequer uma originalidade portuguesa.

Depende.

Acha mesmo que não?

Depende. O modelo de negócio dos media baseia-se num princípio muito simples: É preciso calcular qual é a receita potencial, expectável e plausível e, a partir daí, saber quanto é possível gastar para que isso aconteça e para que haja uma remuneração do capital, a justa remuneração dos trabalhadores e da operação em geral. Se este for o modelo de negócio, não vejo porque possa entrar em crise.

Se, pelo contrário, fizermos modelos de negócio, como se fez muito no início do século, em que o jornalismo digital ia dar milhões e milhões de euros e era o novo ‘ElDorado’ do mercado e, com base nisso, fazerem-se investimentos faraónicos, como eu vi em algumas empresas onde trabalhava no início do século, é evidente que tem um alto potencial para dar errado.

No início do século, trabalhava na SIC e na TVI.

É como a gestão de um FTA, um canal generalista, RTP, SIC ou TVI. Pode ser altamente deficitário – como, ao que julgo saber, alguns são – como pode ser lucrativo, como, ao que julgo saber, também um vai sendo, à vez. O ‘como’ é muito simples, tem que se saber qual é a receita potencial e a partir daí saber quais são os orçamentos com que se podem trabalhar.

O que acontece é que se gastam fortunas para atingir um pontinho a mais de share e que muitas vezes não tem nenhuma racionalidade, a não ser apenas uma questão da autoestima do grupo de trabalho.

Os canais FTA serem lucrativos à vez…

Tem a ver com a liderança. O que acontece é que os FTA gastam muitas vezes o que tem e o que não têm, no sonho de ter um pontinho de share – agora já nem há dois pontos, hoje em dia dois pontos já é mais que 10% de qualquer um dos canais. O que acontece é que se gastam fortunas para atingir um pontinho a mais de share e que muitas vezes não tem nenhuma racionalidade, a não ser apenas uma questão da autoestima do grupo de trabalho.

Isso não faz nenhum sentido, no meu entendimento. Não é assim que nós gerimos. Quando pergunta quanto investimos, tenho dificuldade em responder porque na verdade não trabalhamos assim. Nós não temos “um milhão para fazer isto”. Temos esta ideia, qual é a receita que ela pode gerar e quanto é que temos para gastar, é só isto que fazemos.

Carlos Rodrigues, Diretor-Geral Editorial da MediaLivre, em entrevista ao ECO/+M - 08MAI24
Carlos Rodrigues, Diretor-Geral Editorial da MediaLivre, em entrevista ao ECO/+MHugo Amaral/ECO

Insistia na pergunta do investimento, porque se dizia que investiriam 3,5 milhões no lançamento do novo canal. Este número faz algum sentido?

Não funcionamos assim. Há uma relação que é interessante fazer, que é procurar o orçamento de funcionamento anual da CMTV e o orçamento de funcionamento anual da RTP1, SIC ou TVI. E vai ver que muito cedo no ano, qualquer um destes três canais gasta um orçamento equivalente a tudo o que CMTV tem para gastar ao longo do ano.

No primeiro semestre de 2023, últimos números conhecidos, o CMTV teve custos operacionais de 8,4 milhões e receitas de 11 milhões. Dessas, a publicidade representava 6,7 milhões. E o fee de presença e outros – sobretudo o valor pago pelas operadoras – 4,2 milhões. Ou seja, no total, receitas de 11 milhões, custos de 8,4.

Não tenho presente esses números. Mas, para mim, o que é relevante, e penso que era a filosofia da pergunta, é como é que uma empresa como a Medialivre consegue este pequeno milagre de criar 60 novos postos de trabalho e abrir um novo canal, numa coisa que se diz que está em crise, que é o mercado dos media. Fazendo desta forma: temos esta ideia, pode gerar esta receita, temos este dinheiro para gastar. É assim que se faz.

A prazo, prevê que o canal gere mais receitas do que a CMTV?

O céu é o limite. A CMTV leva 11 anos de avanço. Eu tenho um filho com 21 e outra com seis, 15 anos de avanço faz muita diferença. Portanto, a CMTV leva 11 anos de avanço. Daqui a 11 anos, o Now há-de estar no ponto em que a CMTV está hoje.

A CMTV fechou o mês de abril com 5,9 de share e era visto em média por 18 mil pessoas. Ainda tem margem de crescimento?

Acho que a CMTV pode ter um teto, porém eu não sei qual é. O nosso teto é o que os espectadores quiserem. Se há um ano, disséssemos que estávamos a entrar em maio com uma média de quase de 7%, todos diríamos que era impossível. Eu próprio diria que era impossível, não o escondo. Os espectadores da CMTV surpreendem-me todos os dias com a adesão àquela ideia forte da CMTV, que é baseada no ‘melhor primeiro‘. Enquanto o Now tem como claim a “informação exata à hora certa“, nós temos na CMTV um outro claim que é “melhor primeiro“.

E estão quase nos antípodas…

É essa a minha intenção. Isto que estamos a fazer na Medialivre – criando um canal de televisão alternativo e até concorrente em relação à CMTV – na verdade, quem tem muito a ganhar são espectadores.

Para nós é um desafio muito ousado. Era muito mais fácil, para o meu grupo de trabalho e para mim, estarmos agora montados no sucesso da CMTV e continuávamos as nossas carreiras. Não fizemos essa opção. Fizemos a opção de nos desinquietar, de procurarmos mais, de criarmos novos desafios, novos produtos, novas ideias e nasceu o Now.

Como espectador e analista da realidade, o que eu acho que não faz sentido hoje em dia é a RTP continuar a recorrer à publicidade para se financiar. Acho que mais tarde ou mais cedo vamos ter que assumir o financiamento da RTP através do Orçamento de Estado.

Acho que em Portugal, mais tarde ou mais cedo, haverá um canal de cabo a liderar. O cabo em Portugal é muito pujante, ao contrário de muitos países do ocidente. Acho que a CMTV tem uma quota parte de responsabilidade nessa pujança do mercado de cá, o que é bom para todos, para os operadores, para os espectadores, para toda a gente.

Neste momento, a CMTV vale, em pontos de share, menos de metade do líder e há dias em que está próxima da RTP1.

Agora, comparar os orçamentos é um exercício, um desafio, interessante. SIC e TVI têm acionistas próprios, eles estarão preocupados, cada um deles, com o que se faz dentro de casa. Era um desafio interessante comparar o orçamento anual da CMTV com o orçamento da RTP. E estando perto, são três pontos percentuais ou nem isso, sete para dez. Portanto, isso significa que a CMTV valerá atualmente 70% dos espectadores da RTP1. Se eu tivesse 70% do orçamento da RTP, multiplicava se calhar a CMTV talvez por dez vezes.

Carlos Rodrigues, Diretor-Geral Editorial da MediaLivre, em entrevista ao ECO/+M - 08MAI24
Carlos Rodrigues, diretor-geral editorial da MediaLivre, em entrevista ao +M/ECOHugo Amaral/ECO

Não sabemos exatamente qual é o orçamento da RTP1, conhecemos o do universo. E a RTP3, faz sentido manter-se?

Estamos todos expectantes para saber o que é que este Governo pensa sobre os media. O ministro Pedro Duarte é muito sólido, em quem temos de confiar que fará sempre um trabalho sério e seguro. Como espectador e analista da realidade, o que acho que não faz sentido hoje em dia é a RTP continuar a recorrer à publicidade para se financiar.

Acho que mais tarde ou mais cedo vamos ter que assumir o financiamento da RTP através do Orçamento de Estado. Este Governo teria uma boa forma de tomar essa opção, porque ninguém acusaria o governo da AD de ser demasiado estatista. No fundo, o que se diz é que se o dinheiro vem do Orçamento de Estado, é a estatização da RTP.

No meu entendimento teria vários benefícios. Em primeiro lugar, aumentaria a capacidade de escrutínio das opções da RTP. Em segundo, a própria RTP poderia, de forma mais transparente, planeada e a prazo, estabelecer alguns programas de ação a três, quatro anos, de acordo com o que o Parlamento na altura pudesse decidir. Depois, libertava uma verba que é de algumas dezenas de milhões de euros, que consome em publicidade e que a leva a competir com os canais privados, quando não o devia fazer. Esses milhões de euros de publicidade, seguramente, estando no mercado, acabariam por procurar guarida nos outros canais de televisão, nos canais de rádio, sites, nos jornais, etc.

Penso que só essa medida poderia provocar um efeito de choque e de energização no mercado dos media que seria relevante. Acho que era muito importante. E depois levaria também a outra consequência necessária, que era a racionalização da operação da RTP. Porque é que a RTP tem a RTP1, RTP2, RTP3, RTP Memória, RTP África, RTP Internacional. Porque é que tem? Porque pode.

Porque são considerados canais de serviço público.

Naturalmente. Mas a partir do momento em que a RTP3 tem também uma licença TDT, porque é que existe a RTP3 e a RTP2, quando a RTP2 tem audiências absolutamente residuais? Qualquer canal mínimo de cabo faz mais audiência que a RTP2. E eu estou aqui a dizer canais, muitos deles, sem sequer terem operação em Portugal.

Depois, a RTP tem outras licenças TDT, como por exemplo a RTP Memória. Faz sentido ter a RTP Memória e a RTP2? Se houvesse essa clarificação do modelo de financiamento do serviço público de televisão, também isso iria provocar necessariamente uma racionalização da RTP. Isto quer dizer a própria RTP pensar, ‘afinal, o nosso painel de canais faz sentido?’. Deixo um desafio ao presidente da RTP, venha a ser o Nicolau Santos, venha a ser outro qualquer.

Foi reconduzido.

Excelente. Nós vamos lançar um segundo canal de televisão e parece-me que é mais ou menos óbvio porquê. Temos uma equipa própria, uma ideia diferente, uma proposta diferenciada. A RTP é capaz de dizer o mesmo sobre todos os seus canais? Cada um dos seus canais tem uma proposta diferenciada, claramente identificada, quer para quem o faz, quer para quem o vê? É uma pergunta que eu deixo no ar. Se tivesse que negociar quadros de financiamento a longo prazo – que em democracia são dois, três, quatro anos – com a entidade parlamentar, em vez de estar dependente dos ciclos publicitários, como está a SIC ou TVI, já para não falar dos canais de cabo, iria provocar um efeito de normalização e de racionalização da atividade tremendo. Acho que isso podia perfeitamente ser uma proposta que deveria ser debatida em breve no espaço público.

Para nós é um desafio muito ousado. Era muito mais fácil, para o meu grupo de trabalho e para mim, estarmos agora montados no sucesso da CMTV e continuávamos as nossas carreiras.

Teriam interesse em levar a CMTV para a TDT?

Tem de ser perguntada à administração.

Aliás, existir TDT ainda faz sentido?

Faz sentido porque ter televisão por cabo custa dinheiro e portanto há sítios do país e pessoas, nossos concidadãos, que por uma questão tecnológica ou orçamental não podem ter.

Nuno Santos dizia-nos, por altura do aniversário da CNN, que se a publicidade acabasse na RTP, só quem desconhece a realidade é que poderia pensar que iria para os outros canais.

Não sei, depende. Espero que isso não aconteça. Mas vindo do Nuno, é uma pessoa conhecedora do mercado e sabe seguramente o que está a dizer… Espero que isso não aconteça, mas esse movimento teria dois efeitos benéficos. Por um lado, libertava esse valor e depois cada um dos parceiros portugueses teria que lutar por ele, sabendo que eventualmente, se não conseguisse, poderia ir para as plataformas internacionais.

Mas a pergunta era sobre a RTP e, portanto, o meu interesse é dar um contributo para que a RTP possa, através de um quadro mais alargado, mais previsível e que pudesse ser alvo de um escrutínio superior, fazer uma reflexão tendente a melhorar o seu serviço. Não podemos pensar que é só para dar 20 milhões aos privados. Eventualmente, essa pode ser uma das consequências e eu, pessoalmente, acho que poderia ser.

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