Reprogramação do Pessoas 2030 será feita no primeiro trimestre de 2025, avança a gestora Ana Coelho. Gestora recusa que FSE esteja a suportar despesa que deveria ser financiada pelo OE.
O Pessoas 2030, o maior programa do atual quadro comunitário de apoio, vai ser remodelado no primeiro trimestre de 2025. Não só é chegado o momento da mid-term review como a entrada de um novo Executivo vai implicar a introdução de novas medidas.
“Aquilo que poderá acontecer é a necessidade de, tal como fizemos com o Português Língua de Acolhimento, recalibrar as dotações que estão afetas a cada uma das medidas e, eventualmente, introduzir novas medidas”, admitiu Ana Coelho, gestora do Pessoas 2030, ao ECO dos Fundos, o podcast quinzenal do ECO sobre fundos europeus. “Temos um novo contexto governativo que vai certamente suscitar a introdução de medidas diferentes”, acrescentou.
A dotação do Pessoas 2030 são 5,6 mil milhões de euros do Fundo Social Europeu, a que se somam mais cerca de mil milhões do Orçamento do Estado e é, de longe, o programa que apresenta a taxa de execução mais alta. Um desempenho que a gestora explica com a opção do Governo anterior, para “garantir a continuidade dos apoios dos fundos comunitários, que permitiu que um conjunto de concursos fossem lançados ainda durante o período do PT2020, usando os sistemas de informação do PT2020 e que permitiram alavancar e arrancar os apoios do Pessoas 2030 antecipadamente”.
Além da reprogramação do Pessoas 2030, Ana Coelho tem em mãos o encerramento do POISE, POCH e POAPMC, os três programas temáticos anteriores que foram fundidos no Pessoas 2030. Uma opção que a gestora aplaude pois trouxe “coerência”. A responsável não antecipa dificuldades e sublinha que “tanto do ponto de vista financeiro, como do ponto de vista físico, os resultados foram alcançados”.
Ana Coelho também se mostra tranquila perante as mudanças nos cargos de topo da Administração Pública. O mais recente foi o afastamento do gestor do Compete, Nuno Mangas, tal como o ECO avançou. “Estou tranquila”, garante “Enquanto sentirmos que temos capacidade de dar o nosso melhor, e que esse nosso melhor está a ser reconhecido (e está), e que aquilo que fazemos tem mérito, só podemos estar tranquilos. E estaremos também tranquilos se sentirmos que, nalgum momento no tempo, já não estamos a conseguir dar o nosso melhor, ou não é este nosso melhor que está a ser esperado pelos membros do Governo”, conclui.
O Pessoas 2030 para além de ser o maior programa do PT2020 é, de longe, o que apresenta a taxa de execução mais elevada, a rondar os 705 milhões de euros de execução. É uma prova de que os fundos estão a ser utilizados para despesa que devia estar a ser suportada pelo Orçamento de Estado?
Não, não significa que o Fundo Social Europeu está a suportar despesa que deveria ser suportada pelo Orçamento de Estado. Significa antes que o Fundo Social Europeu está a apoiar uma rede instalada que nasceu com o próprio Fundo Social Europeu, como é o caso dos cursos e estágios profissionais e dos apoios às escolas profissionais para o ensino profissional, e que certamente não teriam a escala nem a abrangência que têm hoje se não fosse o apoio do Fundo Social Europeu. E para isso, basta consultar uma série longa. Não é preciso recuar mais do que dez anos para verificar que estes mesmos instrumentos de política pública, ainda que já existissem, não tinham a capacidade de chegar tão longe e a tantas pessoas como chegam com a alavancagem e o apoio do Fundo Social Europeu.
Como se explica a diferença tão elevada de taxa de execução face aos outros programas, até mesmo aos temáticos?
Só entrei no Pessoas 2030 há cerca de ano e meio. Mas quando recebi o Pessoas 2030, já o recebi em estado de implementação. Aquilo que aconteceu foi uma medida do Governo de forma a garantir a continuidade dos apoios dos fundos comunitários que permitiu que um conjunto de concursos fossem lançados ainda durante o período do PT2020, usando os sistemas de informação do PT2020 e que permitiram alavancar e arrancar os apoios do Pessoas 2030 antecipadamente. Houve um uso bastante otimizado dos anteriores programas operacionais, aqueles que antecedem o Pessoas 2030 — que é uma fusão do anterior POISE, POCH e POAPMC. Houve uma otimização deste instrumento para garantir que não havia descontinuidade, até porque estamos a falar no Fundo Social Europeu, de um conjunto de medidas que se são interrompidas depois muito mais difícil voltar a arrancar. Essas operações e candidaturas transitaram do sistema de informação do 2020 para o 2030 e dão agora este espelho de uma boa execução.
Estamos na fase de encerramento do PT2020 e como gestora do Pessoas 2030 tem a seu cargo o encerramento destes três destes programas: POCH, POISE e POAPMC. Como é que está a correr esse encerramento?
Está a correr de forma bastante fluida, porque foi bem planeado. Foram antecipadas as maiores dificuldades. Já apresentámos, entre os meses de agosto e setembro, o último pedido de pagamento à Comissão Europeia dos três programas, garantimos uma taxa de execução de 100%. Aliás, até com algum overbooking, porque no período de encerramento que vai decorrer nos próximos meses, pode haver correções decorrentes dos trabalhos de Auditoria, da própria Comissão Europeia e até do TCE. Não antecipamos dificuldades com o encerramento destes três programas. E acreditamos tanto do ponto de vista financeiro, como do ponto de vista físico, os resultados foram alcançados.
Os cursos e estágios profissionais e os apoios às escolas profissionais para o ensino profissional certamente não teriam a escala nem a abrangência que têm hoje se não fosse o apoio do Fundo Social Europeu.
Esta concentração dos objetivos de três programas operacionais num só é mais eficiente na persecução dos objetivos do Fundo Social Europeu?
Não tenho a menor dúvida relativamente a isso, porque as três grandes áreas de atuação desses três programas eram o apoio ao emprego, às qualificações e à inclusão social, onde se enquadra a área da privação material, financiada pelo POAPMC. A divisão destas áreas de intervenção em programas operacionais distintos, com canais de decisão diferentes, retirou coerência a algo que, se tivermos uma visão holística dos problemas que temos hoje no nosso país, deve estar junto. Parece-me que o Pessoas 2030 veio dar coerência a estas três políticas que, no fundo, se articulam entre si. Todas têm a ver com tudo e permitem um olhar multissetorial e com intervenções distintas, mas sempre com os mesmos objetivos: promover o emprego de qualidade, aumentar as qualificações da população portuguesa e tentar mitigar, se não eliminar — mas eliminar seria utópico — todos os problemas de risco de pobreza e de exclusão social que colocam alguns setores da nossa sociedade à margem.
Teresa Almeida, na cerimónia de encerramento do Lisboa 2020, dizia que o aumento da emigração estava a adicionar pressão às necessidades de respostas sociais. No Pessoas 2030 também já começa a sentir esse aumento de pressão, com a necessidade de responder a outras necessidades que não as inicialmente esperadas?
Estamos exatamente no momento em que devemos reolhar para o programa.
Começar a pensar numa reprogramação?
Exatamente. O mid-term review, do ponto de vista dos regulamentos comunitários, está previsto para este período e para ser entregue até ao final do primeiro trimestre de 2025. Vou dar um dado bastante claro: Português Língua de Acolhimento, uma das medidas que o nosso programa tem para promover a inserção socioprofissional das pessoas de cidadania não portuguesa. Foi uma medida que já existia no PT2020 com uma determinada escala. Foi programada no PT2030 e, logo no primeiro concurso, a procura por parte das entidades beneficiárias foi de tal forma que promovemos um reforço que mais do que duplicou a dotação do aviso.
Vai ser preciso fazer novos reforços?
Eventualmente. O cardápio de medidas que o Pessoas 2030 apoia — são 56 medidas — parece-nos completo. Mas sim, talvez possa haver algum ajustamento do ponto de vista deste cardápio. Mas é um cardápio bastante completo, não só nas áreas do emprego, da conciliação da vida familiar e profissional, qualificações inicial e para adultos, a área da inclusão social, onde se enquadram a população migrante, a área de acesso a serviços de qualidade, nomeadamente de Saúde e Segurança Social, e a privação material. Todo esse leque de medidas é bastante completo. Aquilo que poderá acontecer é a necessidade de, tal como fizemos com o Português Língua de Acolhimento, recalibrar as dotações que estão afetas a cada uma das medidas e, eventualmente, introduzir novas medidas. Temos um novo contexto governativo que vai certamente suscitar a introdução de medidas diferentes.
Como por exemplo?
Recentemente, o Ministério do Trabalho promoveu algumas alterações a algumas medidas, como os estágios profissionais, os apoios à contratação, apesar de serem…
Temos um novo contexto governativo que vai certamente suscitar a introdução de medidas diferentes [no Pessoas 2030].
Numa tentativa de evitar que os estágios profissionais financiem situações de emprego?
Isso é um tema que já existia antes desta alteração. O objetivo do Governo e, sem prejuízo de um olhar mais cuidado sobre as novas medidas, no caso dos estágios profissionais, por exemplo, permitir estágios mais curtos. Eram de nove meses. Mas já foi demonstrado, até noutros países da União Europeia, que estágios de seis meses também têm bastante eficácia do ponto de vista da sua função, fazer uma transição dos jovens entre o meio académico e o meio profissional. Aliás, o programa tem essa plasticidade de receber novas medidas, de recalibrar os apoios das que já existem. É uma reflexão que vamos iniciar agora e fazer até ao primeiro trimestre de 2025 e que eventualmente trará algumas novidades.
No âmbito desta reprogramação está a ser equacionada a possibilidade de tornar mais fácil o acesso ao Fundo Social Europeu?
Os fundos são todos bastante burocráticos. Costumo dizer que, e apesar de ser anti-burocracia, porque é algo que nos trava, há uma burocracia boa e uma burocracia má. A burocracia boa é aquela que nos protege dos temas que estão sempre em cima da mesa.
A fraude.
A fraude e a corrupção. Ter este equilíbrio entre burocracia e simplificação é algo que é muito difícil de encontrar. São dois objetivos que temos que estão permanentemente em confronto. Mas sim, temos a simplificação como princípio basilar da atuação do Pessoas 2030. Não queremos que seja só um chavão. Uma das medidas que nos parece que vai simplificar bastante a nossa relação com as entidades beneficiárias é a adoção de metodologias de custos simplificados numa grande maioria das nossas medidas. Posso dizer que mais de 80% da dotação do programa já tem uma componente que é financiada em custos simplificados. Vamos continuar a trabalhar nesse caminho. Não o conseguimos fazer sozinhos. Precisamos de que todo o ecossistema dos fundos — a Agência para o Desenvolvimento e Coesão, Inspeção-Geral das Finanças, a própria Comissão Europeia — nos ajude.
E o Tribunal de Contas Europeu.
Há um risco muito grande e que sentimos. A burocracia, a complexidade, a insegurança sobre se estão ou não estão a fazer bem, afasta as entidades beneficiárias menos capacitadas, que são aquelas a que queremos chegar, dos apoios do Fundo Social europeu e dos outros.
Temos assistido nos últimos meses a uma vaga de substituições ao nível da Administração Pública, com a entrada do novo Governo. Substituições que já chegaram a quem gere os programas de fundos europeus. Está tranquila ou tem receio que também possa ser remodelada?
Essa é uma pergunta muito engraçada para encerrar esta nossa conversa. Estou tranquila porque eu e os meus colegas de comissão diretiva, somos um órgão colegial, somos os verdadeiros servidores públicos. Enquanto sentirmos que temos capacidade de dar o nosso melhor, e que esse nosso melhor está a ser reconhecido (e está), e que aquilo que fazemos tem mérito, só podemos estar tranquilos. E estaremos também tranquilos se sentirmos que, nalgum momento no tempo, já não estamos a conseguir dar o nosso melhor, ou não é este nosso melhor que está a ser esperado pelos membros do Governo.
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Novo Governo “vai certamente” introduzir “medidas diferentes” no Pessoas 2030
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