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“Vamos querer ser vistos como a casa do áudio em Portugal”, diz Salvador Ribeiro

Carla Borges Ferreira, Hugo Amaral,

A Bauer Media entrou em Portugal em junho do ano passado, quando foi concluída a compra das rádios da Media Capital. Um ano depois, Salvador Ribeiro, CEO do grupo, faz o balanço e aponta o futuro.

Salvador Bourbon Ribeiro, CEO da Bauer Media Audio Portugal, em entrevista ao ECO/+M - 23MAI23

“Vamos começar uma nova fase na produção de novos conteúdos digitais em grande escala”. A garantia é de Salvador Ribeiro, CEO da Bauer Media Audio Portugal. Um ano após a entrada do grupo em Portugal, o gestor mostra-se otimista quanto ao futuro.

Mais do que de rádio, fala de áudio. “Há, sobretudo, uma vontade grande de crescer com marcas novas no digital. O digital não está confinado a um espaço físico limitado e, portanto, permite-nos criar produto. Quando digo criar produto é criar podcast, mas também criar e desenvolver um outro género produtos. Em breve teremos algumas novidades nessa matéria”, adianta.

A informação pode ser reforçada. “Achamos que temos margem para crescer em termos de desenvolvimento de produtos de informação, não passa necessariamente por ter uma rádio de informação“, diz. Manter a relevância, para consumidores e também anunciantes, é o grande desafio.

O que é que o surpreendeu no novo acionista? O que é que acrescentou ao negócio?

É espantoso ver o match que fazemos. Quando a Bauer decidiu comprar esta empresa, sabia que cabia lindamente dentro daquilo que faz em alguns países da Europa. A operação que temos cá, na sua génese, é muito parecida com a operação que tem em alguns países, diria que foi o casamento perfeito. Sem querer ser exagerado, diria que não poderíamos ter encontrado melhor grupo internacional.

O que é que mudou? O que acrescentou?

A Bauer tem, nesta área do áudio, uma visão muito clara, estratégica, sobre o caminho a fazer para o futuro. A partilha connosco dessa estratégia, a inclusão da nossa empresa nessa estratégia, é o maior desafio que temos pela frente de médio e longo prazo.

Mas temos imensos desafios de curto prazo. Prendem-se com o lançamento, por exemplo, de uma operação digital, que no fundo vem pegar num inventário que já tínhamos – quer de rádios digitais, quer de podcasts –, mas que a pretende desenvolver mais.

É fazer deste conjunto de marcas – que dizem tanto do ponto de vista relacional aos nossos ouvintes – uma forma de fazer negócio. Foi, por exemplo, pegando na prática que a Bauer tem em alguns países que lançámos em Portugal o Audio Xi.

Que é sobretudo uma plataforma comercial.

É sobretudo uma plataforma comercial. Chama-se mesmo Audio Exchange Internacional e o que permite é oferecer ao mercado um conjunto de inventário próprio, nosso – que é considerável – e ao qual juntamos parceiros internacionais, como o Sound Cloud ou o Deezer. Enfim, parceiros de referência internacionais, que disponibilizamos ao mercado português juntamente com a nossa oferta.

O projeto foi lançado em fevereiro. Como é que está a correr?

Está a correr bem. Temos um caminho para fazer, com o mercado, mas a recetividade não podia ter sido melhor. Acho que o mercado reconhece esta plataforma, esta nossa nova marca, como uma bandeira de inovação e de acrescento de valor que queremos trazer. Achamos que o futuro passa muito pelo áudio, pelo áudio digital, e esta ferramenta é o primeiro passo.

Nesta ferramenta os anunciantes compram contactos e não a presença junto, por exemplo, da Comercial, da M80 ou de determinado podcast, é assim?

Sim. Temos uma forma de segmentação, que o digital nos permite, e é essa segmentação que oferecemos ao mercado.

Disse que a Bauer tinha partilhado com vocês uma visão de futuro. Qual é?

Sabemos, fruto de mercados onde podemos trocar experiências pela Europa fora, em que o áudio digital está mais avançado, que vamos ter nos próximos anos um crescimento grande em termos de consumo. Em Portugal a rádio já está numa fase melhor do que nunca do ponto de vista de audiências, como é público. Mas toda esta constituição de inventário digital que estamos a preparar, e a sua disponibilização ao mercado para comprar, faz parte desta estratégia futura.

Como é que justifica o aumento de audiências? É geral, não apenas deste grupo. A morte da rádio já foi decretada várias vezes, nas crises, e em particular na pandemia, foi muito penalizada pelos anunciantes, mas o consumo parece aumentar.

O crescimento é de todos e a morte da rádio já foi decretada umas 20 vezes, eu diria que demasiado penalizada. Tivemos essa perceção durante a pandemia, os números depois confirmaram. E é fácil em rádio ter essa perceção, porque do outro lado há um ouvinte, capaz e com vontade de garantir interatividade. E essa interatividade não diminuiu e, portanto, a rádio lá esteve.

Tem a ver, antes de mais, com a credibilidade do meio. O meio rádio – está estudado – é, do ponto de vista da credibilidade, um dos mais efetivos. Depois, tem a ver com a capacidade de levar a rádio para o local e para as circunstâncias em que as pessoas diferentes estiverem. O consumo de rádio não diminuiu o que o mercado achava que estava a diminuir, mas também é verdade que a forma de consumo foi alterada. Os picos de consumo, chamados driving times, provavelmente não se concretizaram exatamente nos mesmos moldes em que se consumaram antes da pandemia.

As horas de consumo alteraram-se.

Sim. No fundo, a pandemia foi mais uma prova para a rádio, para a sua resiliência, mas não é diferente daquela que a rádio tem tido ao longo das últimas décadas. Com o aparecimento da televisão, até das redes sociais, que a rádio tem aproveitado como aliado e tem superado estes desafios.

E agora? Passada a pandemia, com um novo acionista…

Acho que a rádio tem demonstrado, em termos de audiências, que continua com grande vitalidade.

Sabemos que os budgets não são elásticos e que a disputa por atenção, hoje em dia, se faz com outras plataformas e, portanto. A rádio tem que ter a capacidade de se adaptar e de se manter relevante, como sempre foi.

E os anunciantes, as marcas, têm correspondido?

Sim. Sabemos que os budgets não são elásticos e que a disputa por atenção, hoje em dia, se faz com outras plataformas e, portanto, também aqui a rádio tem que ter a capacidade de se adaptar e de se manter relevante, como sempre foi. Acho que a relevância é um bocadinho uma palavra-chave para os períodos que estamos a atravessar. E acho que sim.

Acho que a rádio tem sabido manter-se relevante, mostrar que continua a ser um meio eficaz para a generalidade dos anunciantes. Acho que o seu papel é insubstituível, apesar de poder ser partilhado. E é também nessa partilha da atenção, essa manutenção de relevância, pelo qual lutamos quando estamos a desenvolver produtos na área digital, estamos a lançar produtos novos nessas novas plataformas.

Que produtos é que vão lançar?

Andará à volta do áudio digital. Temos agora uma forma de disponibilizar todo este inventário de uma forma a que o mercado possa segmentar, acho que é um grande avanço na monetização do áudio digital. E vamos continuar a fazer aquilo que sabemos fazer, que é criar produtos novos.

Somos especialistas na criação desses conteúdos, de forma a sermos ainda mais relevantes. Vamos começar uma nova fase na produção de novos conteúdos digitais em grande escala. Acho que é o que o mercado pode esperar da Bauer Portugal.

Salvador Bourbon Ribeiro, CEO da Bauer Media Audio Portugal, em entrevista ao ECO/+M - 23MAI23
Salvador Bourbon Ribeiro, CEO da Bauer Media Audio Portugal, em entrevista ao ECO/+MHugo Amaral/ECO

Pode pormenorizar?

É tudo aquilo que temos feito, acelerado. Ou seja, estamos muito focados na produção de podcasts, estas mudanças fazem-se inclusivamente com mudanças físicas. Resumia numa expressão, vamos querer ser vistos e vamos querer reforçar um bocadinho a ideia que hoje acho que já existe, como a casa do áudio em Portugal.

Casa do áudio e não a casa da rádio.

A casa do áudio, onde a rádio cabe e é muito relevante, mas não se esgota na rádio. E eu acho que a grande questão para a frente é exatamente essa. Vamos alargar o nosso espetro, vamos alargar um bocadinho com produtos novos e que vivem muito intimamente ligadas com o rádio, mas que não se esgotam na rádio.

As rádios, as frequências, ainda fazem sentido?

Todo o sentido. Vemos os estudos, quer de audiências quer os mais qualitativos, e percebemos que a rádio tem uma grande relevância na vida das pessoas.

A rádio, o FM?

A rádio, enquanto rádio, o FM é um canal de distribuição. Sabemos que os canais de distribuição digitais começam a ter um peso grande, mas ainda a rádio FM, a tradicional rádio FM, é muito relevante para o mercado e para a nossa operação.

Quanto a possíveis sinergias, que é que podemos esperar? O presidente do grupo, Richard Dawkins, dizia no ano passado, ao Expresso, que não funcionavam num modelo único. “O que vamos fazer é identificar formas de apoiar os nossos negócios individuais através da troca de experiências, criatividade ou apoiando tecnologicamente”, descreveu. Como é que se concretiza?

A Bauer está presente em nove mercados, oito descontando o nosso, e há muita preocupação por parte do presidente do grupo, para a área do áudio, em pôr as pessoas a conversar e tentarmos encontrar lógicas de suporte, de apoio e de troca de experiências. Acho que é a nossa maior riqueza.

O mercado português é diferente do inglês, é diferente do irlandês, do sueco, mas no negócio, e nas diferentes fases pelas quais o negócio vai passando, encontramos sempre uma situação ou outra que possa estar mais relacionado com o momento que vivemos. E dessa troca de experiências, dessa partilha, é que é que nasce esta riqueza.

Temos agora uma forma de disponibilizar todo este inventário de uma forma a que o mercado possa segmentar, acho que é um grande avanço na monetização do áudio digital. E vamos continuar a fazer aquilo que sabemos fazer, que é criar produtos novos.

E essa partilha é efetiva?

Na prática e até fisicamente. E não acontece só ao nível do management team, acontece em todas as estruturas. Dou um exemplo, quando começaram novas diligências no Algarve relacionadas com o caso Maddie McCann, a jornalista Margarida Gonçalves fez uma peça na rádio no Reino Unido. Contou-me no corredor, não passou por mim. Foi a primeira vez, que saiba, mas não deixa de ser relevante.

E o inverso também pode acontecer?

Também pode acontecer. Temos total autonomia de gestão e de desenvolvimento de estratégia, mas temos essa possibilidade, que cada vez queremos que seja mais efetiva, de ir ver mercados. Uns estão em algumas áreas mais à frente, outros já fizeram determinados trajetos. Enfim, tenho a certeza que vamos cometer erros para a frente, aqui o objetivo é não cometer os mesmos. Nisso reside, acho, a maior riqueza da integração desta empresa no universo Bauer.

O que é que impactou, se é que impactou, deixarem de pertencer a um grupo nacional e com televisão? Passámos a ter dois grandes grupos só com rádio, a Bauer e a Renascença Multimedia.

Do ponto de vista de gestão, nada, já tínhamos autonomia. Agora, o facto de termos deixado de pertencer ao grupo não quer dizer que não tenhamos na Media Capital um parceiro e uma parceria que possa ser desenvolvida.

Manteve-se uma parceria, até contratualmente…

Sim, temos alguns contratos. Enfim, nesta fase de transição, mas são questões mais domésticas. Agora há a complementaridade em grupos de media. Com a Media Capital fica – até porque este é um negócio de pessoas – uma parceria especial. É uma casa onde a maior parte das pessoas, que aqui está, também trabalhou durante muito tempo.

Eu pessoalmente trabalhei lá muitíssimos anos, desde o jornal O Independente e, portanto, na criação, na génese, daquilo que foi o grupo. Mas nós olhamos para esta mudança com um olhar de futuro. E o olhar de futuro diz-nos que a estratégia do áudio, naquilo que a Bauer nos pode apoiar, é vencedora.

Agora as contas já não estão no relatório da Media Capital. Como é que acabaram o ano?

Não falamos de números, acho pouco relevante falar sobre o passado e falar sobre números. Mas posso dizer que acabamos com boa cara.

A rádio, de acordo com o cruzamento feito pela BDO, cresceu cerca de 7%. E vocês?

Não querendo falar de números, fechamos o ano muito entusiasmados com o futuro, com grandes perspetivas.

A margem para crescer é por onde? Ou seja, já falamos do digital…

É pela distribuição. Portugal é um país onde o consumo digital ainda não é equivalente ao de outros países europeus, mas está numa fase de crescimento e a margem que há para crescer é aí. A distribuição digital permite-nos segmentações diferentes, porque permite-nos ter acesso a data de uma forma diferente. E é nesse crescimento que estamos a apostar.

Daí a importância de criar produto, de nos mantemos relevantes e de apostarmos na distribuição digital através de apps, dos sites, das grandes plataformas. Estamos a trabalhar também com plataformas internacionais. Plataformas como os smart speaker, as chamadas colunas inteligentes como o Alexa ou o Google Home, têm margem para crescer em Portugal. O consumo ou a utilização dessas plataformas ainda não está massificada, e essas plataformas são territórios naturais para quem produz conteúdos em áudio. Portanto, é também uma aposta.

E aí está quase tudo por fazer.

Está quase tudo por fazer. Portugal não tem níveis de consumo muito grandes nessas plataformas. Temos desafios, como a língua. A nossa língua é muito própria, a diferença com o português do Brasil é mais do que o sotaque.

E os eventos? O que é que representa no vosso negócio e qual é o potencial?

São um território natural para a rádio. É um território que, em termos de gestão de marca e proximidade com os ouvintes, vamos querer abraçar e reforçar. Temos uma tradição grande nestas áreas, não só pelo Christmas in the Night, que eu acho que é o mais emblemático evento da rádio portuguesa nos dias de hoje.

Este ano fizemos dois Altice Arena, são 20 e tal mil bilhetes vendidos. E depois fizemos a seguir dois Porto in The Night, dois Super Bock Arenas. Mas falo de coisas que foram para lá até da marca Rádio Comercial. Tivemos uma ação grande nos Santos Populares, as incontornáveis festas M80 continuarão, e outros formatos que estamos a construir e que vamos querer desenvolver. É um espaço natural de crescimento.

Quanto é que toda essa área pode representar no negócio?

É uma área que tem tendência para crescer. Preferia não pôr um número em cima, porque não é um número objetivo.

Têm cinco marcas, Comercial, M80, Cidade, Smooth e Vodafone FM. Há aqui margem para para mexer?

Há, há margem para mexer apesar de ainda não ser o tempo para revelar essas mexidas. Há, sobretudo, uma vontade grande de crescer com marcas novas no digital. O digital não está confinado a um espaço físico limitado e, portanto, permite-nos criar produto. Quando digo criar produto é criar podcast, mas também criar e desenvolver um outro género de produtos. Em breve teremos algumas novidades nessa matéria.

Achamos que temos margem para crescer em termos de desenvolvimento de produtos de informação, não passa necessariamente por ter uma rádio de informação.

Mesmo nova marcas?

Pode passar por novas marcas, vamos ver.

Voltarem a ter um reforço na informação faria algum sentido?

Estamos muito contentes com a estrutura de informação que temos, com a equipa.

Voltando a citar o presidente do grupo, na altura do negócio: “Damos a maior prioridade ao crescimento de um negócio sustentável, com marcas fortes que fornecem entretenimento, informação e companhia de alta qualidade”. A informação…

Certo. Achamos que temos margem para crescer em termos de desenvolvimento de produtos de informação, não passa necessariamente por ter uma rádio de informação. Passa por dar espaço para que a equipa possa desenvolver produtos de áudio, como já faz hoje em dia. Ou seja, no fundo, não é criar de novo, é desenvolver e fazer crescer.

Temos podcasts que a redação assume bem. Os nossos produtos têm foco musical, mas não se extinguem na música. Gostamos de estar e de ser relevantes naquilo que é o acompanhamento diário do nosso ouvinte e sabemos que o nosso ouvinte, para além de música, para além do entretenimento que disponibilizamos, também quer estar atualizado, também quer ter algum nível de serviço, também quer ter outras rubricas para além da música.

E é isso que vamos continuar a fazer. O digital também nos abre portas aqui, dá-nos espaço – que em programação linear não temos – para desenvolver produtos novos, novos conteúdos, novas áreas. E isso é o que o futuro nos pode trazer.

Os tempos na media em termos gerais, no áudio também, são de desafio. É um setor em grande transformação, e nós estamos muito otimistas com essa transformação que vamos ter que fazer, ou que estamos a operar

Como é que antecipa o grupo no espaço de um ano?

Este ano não parece um ano, parece que foi há mais tempo. Sentimo-nos completamente ‘em casa’, em sintonia, muito bem integrados. O que é diferente de dizer que não temos ainda tarefas longas para fazer. E temos. Os tempos na media em termos gerais, no áudio também, são de desafio. É um setor em grande transformação, e nós estamos muito otimistas com essa transformação que vamos ter que fazer, ou que estamos a operar.

A transformação que é passar de rádios para o foco no áudio?

O driver é a digitalização, mas com a digitalização vem também uma alteração do modelo de negócio. É toda essa transformação.

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