
A weaponização de memes: entre o humor e a guerra de informação
O que antes era apenas uma piada, hoje pode ser parte de um arsenal simbólico capaz de influenciar eleições, redefinir emoções, incitar conflitos e até transformar perceções coletivas.
Os memes, antes vistos principalmente como peças de humor efémero na internet, evoluíram para se tornarem ferramentas cada vez mais poderosas de comunicação política e ideológica, manipulação de opinião e até, alvo de operações psicológicas. Este fenómeno, conhecido como weaponization of memes (em inglês) ou “weaponização de memes”, descreve o uso estratégico de conteúdos visuais curtos — imagens, GIFs, vídeos ou frases — para influenciar comportamentos, moldar narrativas e, em alguns casos, desestabilizar adversários.
A eficácia dos memes como “armas” está no seu formato. Um meme pode condensar mensagens complexas em elementos visuais simples, fáceis de entender e de partilhar de forma muito veloz, multiplicando essas mensagens em velocidade quase furiosa, apelando diretamente às emoções. Ao contrário de textos longos, os memes exigem pouco esforço cognitivo, e detêm uma elevada capacidade de propagação viral. Nas redes sociais, onde a atenção é fragmentada e a competição por níveis de engagement é intensa e altamente competitiva como bem sabemos, este tipo de conteúdo espalha-se rapidamente, muitas vezes sem que a sua origem seja detetada.
A weaponização de memes manifesta-se em diferentes contextos; na política, grupos organizados produzem e distribuem memes para reforçar ideologias, satirizar oponentes e criar identidades coletivas. Durante as eleições, por exemplo, os memes podem servir tanto para mobilizar apoiantes como para disseminar fake news. Em conflitos geopolíticos, já houve casos documentados em que Estados e grupos paramilitares utilizaram memes como parte de campanhas de desinformação, combinando-os com bots e perfis falsos para maximizar o seu alcance.
Um aspeto crucial é a natureza ambígua dos memes. Isto é, por serem baseados em humor, ironia ou exagero, eles conferem um grau de “plausible deniability”: ou seja, o autor ou disseminador pode alegar que se trata apenas de uma piada, mesmo quando a intenção é claramente política ou propagandística. Essa ambiguidade dificulta a moderação por plataformas digitais e complica ainda mais a questão crítica da responsabilização legal e da monitorização de conteúdos.
Além disso, os memes podem ainda funcionar como “marcadores culturais” dentro de comunidades online, estabelecendo um vocabulário visual que exclui quem não partilha do mesmo repertório. Essa codificação interna fortalece o sentimento de pertença, mas também pode radicalizar grupos, já que é capaz de criar ambientes onde mensagens extremistas circulam facilmente, sem qualquer monitorização ou controlo, e sem serem compreendidas por diversos observadores externos.
O poder da weaponização de memes não incide apenas no conteúdo em si, mas antes, no ecossistema digital que o sustenta: algoritmos que priorizam níveis de engagement, plataformas que recompensam a viralidade e públicos segmentados que partilham afinidades ideológicas. Cada vez que um meme é lançado, ele pode ser replicado, remisturado e adaptado por outros utilizadores, tornando-se um organismo digital vivo, difícil de controlar ou erradicar, altamente complexo, quase impossível de descodificar e plausível de se distinguir o real do fake.
O desafio para a sociedade atual e acima de tudo para os reguladores, é duplo. Por um lado, é necessário preservar a liberdade de expressão e a cultura participativa da internet. Por outro, é fundamental desenvolver mecanismos para identificar quando o humor deixa de ser apenas uma forma de entretenimento e passa a integrar estratégias coordenadas de manipulação e desinformação. As possíveis soluções passam necessariamente pela educação mediática, pela transparência algorítmica e por investigações que rastreiem e detetem essas redes de disseminação.
Em última análise, a weaponização de memes revela como a batalha pela atenção e pela narrativa se deslocou para o terreno da cultura pop digital. O que antes era apenas uma piada, hoje pode ser parte de um arsenal simbólico capaz de influenciar eleições, redefinir emoções, incitar conflitos e até transformar perceções coletivas.
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