Criar hiper super redes… Será esta realmente a solução para os media?

  • Tony Gonçalves
  • 12:11

A empresa que desestabilizou os media e fragmentou modelos históricos poderá vir a ser a proprietária do estúdio mais emblemático do mundo. O disruptor torna-se o herdeiro da tradição.

A consolidação no setor dos media está claramente a acelerar e, neste momento, estamos a assistir a um momento histórico. Três anos após a fusão entre a Warner Bros e a Discovery, as peças voltam a mover-se. Desta vez, com um desfecho que muitos consideravam improvável. A Netflix venceu (para já) a corrida para adquirir a Warner Brothers Discovery (WBD). Que não a totalidade da empresa. Apenas os ativos que mais pesam na definição do futuro deste setor: o estúdio Warner Bros e a plataforma de streaming HBO Max. Só que, e com reação da Paramount, através de uma oferta hostil junto dos acionistas da WBD, muito acontecerá até todo este processo terminar.

Partindo do pressuposto que será realmente a Netflix a levar o Grande Prémio, para compreender o significado de tudo isto precisamos de perceber como chegámos até aqui.

Durante décadas, as empresas de media tradicionais em todo o mundo viveram um período de expansão que parecia interminável. Nos Estados Unidos, onde vivo desde o final dos anos 70, assisti ao setor passar de quatro canais generalistas para centenas de canais de cabo. Depois, chegou a revolução do streaming, e as audiências migraram numa escala que ninguém tinha antecipado. Os incumbentes ficaram sem capital, sem escala e sem capacidade de inovar.

A solução parecia óbvia. Consolidar. Reunir todos os conteúdos que um grupo detinha sob o mesmo teto. Vimos isso com a Peacock e a NBC, a Paramount Plus e a CBS. Parecia lógico. Parecia inevitável.

Mas seria suficiente para inverter o declínio? A resposta hoje é clara. Não foi. Nunca seria. Não é assim que os consumidores pensam.

A possibilidade de a Netflix adquirir parte da Warner Bros Discovery já era um choque. A confirmar-se o negócio, estamos perante um ponto de viragem. Muitos títulos noticiosos sugerem que a Netflix comprou toda a empresa. Importa fazer uma pausa. O interesse da Netflix sempre esteve nos dois ativos que definem a próxima era da concorrência. A fábrica de conteúdos que moldou Hollywood ao longo de mais de cem anos e a plataforma que simbolizou o movimento mais ousado deste setor, a HBO Max.

Por que razão estes dois ativos são tão importantes?

A Netflix traz escala global, uma mentalidade tecnológica e centrada no consumidor, e um modelo de distribuição direta amplamente comprovado. A Warner traz património criativo, prestígio e uma máquina de produção industrial que sustenta o setor há um século. A HBO Max acrescenta algo igualmente relevante. Foi criada, não por cortes de custos, mas graças a uma estratégia clara, foco disciplinado e uma equipa talentosa que executou com precisão. Esse feito continua a destacar-se nesta história em evolução. Sem esquecer que o prestígio e a qualidade das produções HBO transformaram a marca num destino de referência para o consumidor durante décadas.

E aqui reside uma das grandes ironias deste negócio. A HBO Max chegou a ser considerada demasiado cara e demasiado arriscada para a AT&T manter. A sua estratégia foi constantemente questionada. A indústria e a imprensa desvalorizaram-na. Hoje, esse mesmo movimento é o eixo central desta aquisição. Tornou-se o ativo determinante para a próxima evolução do setor.

Há mais uma ironia. A empresa que desestabilizou os media e fragmentou modelos históricos poderá vir a ser a proprietária do estúdio mais emblemático do mundo. O disruptor torna-se o herdeiro da tradição. Esta mudança é profunda.

Mas antes de alguém declarar vitória, e para além do movimento de xadrez da Paramount, há outra realidade a considerar. A aprovação regulatória é um obstáculo enorme. Já vimos este filme antes. A mesma pressão que atrasou a viragem da AT&T para o streaming com a Warner, e que acabou por reforçar a sua estratégia a longo prazo, regressa agora como um dos principais desafios. Se estes obstáculos forem ultrapassados, começa a etapa seguinte. Integração. Execução. Cultura. São estes fatores que determinam se um negócio desta escala tem sucesso ou colapsa sob a sua própria ambição.

Caso devidamente concluída, esta aquisição marca o início da era das Hiper Super Redes. Um ecossistema onde escala tecnológica, excelência criativa e produção industrial funcionam como um único organismo. O ADN de distribuição da Netflix, combinado com o valor de marca da HBO e o motor criativo da Warner Bros, cria uma força que a indústria nunca enfrentou.

Mas existe um custo. Há sempre um custo. As pessoas que construíram estas empresas, que criaram os produtos que definiram épocas, serão novamente quem carregará o peso da transformação. Este impacto humano é sempre a parte mais difícil de observar.

A Netflix fez a sua aposta para vencer. Embora bem encaminhado, ainda não venceu. Os capítulos mais importantes ainda estão por escrever, com várias batalhas pela frente, junto de Governos, criadores, produtores, concorrentes… Na verdade, este thriller apenas agora começou.

  • Tony Gonçalves
  • CEO do Evrose Group

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