Fundos europeus: A pergunta, o dinheiro, as ideias e os resultados
Adoção de uma visão caracteristicamente instrumental da UE, que é comum a muitos agentes económicos, inverte a ordem dos fatores de um modo que normalmente não augura grande sucesso a prazo.
Uma das perguntas que mais ouvi durante os anos em que trabalhei em Bruxelas começava por «Como é que consigo dinheiro». A maior parte delas tendia a ser completada por «para a minha empresa?» e quase nunca para qualquer coisa de concreto. Quando a minha resposta era uma nova pergunta «Para quê, exactamente?», muitas vezes ouvia «Isso depois logo se vê.»
Sendo óbvio que a União Europeia estabelece e elenca temas e prioridades no momento de estabelecer o modo como pretende ver aplicados os fundos que disponibiliza, é igualmente evidente que a mera busca do dinheiro sem nada ou muito pouco que o justifique não é motivo bastante para que este seja concedido e que são necessários ideias e projectos que sustentem essa procura. Não basta querer dinheiro, há que saber com mais clareza o que se pretende fazer com ele.
É perfeitamente legítimo – ainda para mais na circunstância altamente crítica em que nos encontramos – que as empresas procurem apoio europeu para manter a sua actividade: o próprio Estado fê-lo massivamente por via do PRR, tornado parcialmente um substituto do Orçamento.
A adopção de uma visão caracteristicamente instrumental da União Europeia, que é comum a muitos agentes económicos, inverte a ordem dos factores de um modo que normalmente não augura grande sucesso a médio e longo prazo. Sem ideias e projectos (e resultados) consistentes dificilmente haverá dinheiro ou consequências positivas da sua utilização mesmo quando o haja.
A esse propósito, o Relatório especial sobre o apoio do FEDER à competitividade das PME no período 2014-2020 do Tribunal de Contas Europeu, divulgado no passado dia 1 de Junho, que incluiu empresas portuguesas na sua amostra, apontou insuficiências na eliminação dos obstáculos, sublinhando que, em muitos casos, o Fundo se limitou a co-financiar investimentos produtivos específicos, como a aquisição de novos equipamentos, que não resultaram «em melhorias demonstráveis da situação concorrencial das PME no que diz respeito às suas operações e posição no mercado, internacionalização, situação financeira ou capacidade de inovação».
Em sentido inverso, o Tribunal indicou como um bom exemplo o regime financeiro híbrido português, usado até 2018, para apoio da inovação produtiva. Neste, as empresas receptoras de ajuda reembolsável podiam convertê-la em não-reembolsável caso excedessem os objectivos previamente estabelecidos.
A esse título, o Tribunal recomenda a limitação da «utilização de subvenções aos casos de necessidade clara (como a resposta a falhas do mercado) ou aos casos em que é necessária para alcançar objectivos específicos da política (por exemplo, melhores normas para uma economia circular, verde e mais justa)», julgando que «Sempre que possível, as subvenções devem ser concedidas em conjugação com instrumentos financeiros.»
A promoção do fim desejado dos silos quase estanques em que empresas, universidades, laboratórios do Estado e outras instituições produtoras de conhecimento viveram contribuirá para uma maior porosidade entre todos e para o aumento da capacidade de inovação e de proposta que seja consequente e se repercuta positivamente na economia.
A pergunta inicial sobre o dinheiro não basta. São precisas ideias, articulação de saberes e de estruturas, construção de projectos e estabelecimento de metas. Sem eles nunca passaremos da idade dos porquês.
Nota: Por opção própria, o autor não escreve segundo o novo acordo ortográfico.
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