Oficial e Marketer

  • Nuno Antunes
  • 16 Julho 2024

Sendo o Marketing uma coisa encantadora, não deveríamos ter mais aquela cultura do rigor, como se assuntos de vida ou de morte tratássemos?

Fiz cinquenta. Para fazer pandã, ofereceram-me o livro do economista Tim Harford “50 coisas que mudaram o mundo”. Na modesta opinião deste que vos escreve, até está carregadinho de bons insights, mas ainda assim, é incompleto. Muito ligeiramente, é certo. Vale a pena comprar.

Posto isto, se a vossa curiosidade ainda for a de uma criança, ficam também a conhecer aquela coisa que se soma a todas as outras e, assim, é ultrapassada a lacuna daquela obra.

Então cá vai disto: é o Briefing. Sim, é o Briefing que falta! Vai com maiúscula e tudo. Tem origem no verbo inglês “to brief”, que significa informar de forma resumida. Por sua vez, o termo “brief” deriva do latim “brevis”, que significa curto ou breve.

A primeira utilização do termo Briefing, no sentido moderno, surgiu em contexto militar e popularizou-se durante a Segunda Guerra Mundial. Os Oficiais realizavam sessões, de forma direta, concisa e estruturada, dando instruções aos seus subordinados sobre os planos e detalhes das missões, estratégias e operações. Incluía materiais visuais como mapas, slides, gráficos e também documentos escritos.

Um dos mais famosos e importantes é o do Dia D, a invasão da Normandia, que ocorreu no dia 6 de junho de 1944, também conhecida como Operação Overlord. Dada a sua escala e complexidade, envolveu uma coordenação massiva dos Aliados, incluindo os Estados Unidos da América, Reino Unido, Canadá. As forças combinadas reuniam centenas de milhares de soldados de diferentes ramos, bem como milhares de navios, aviões e meios terrestres. Isso também significava alinhar diferentes comandos sob um plano coeso.

Obrigatoriamente, tinha que ter uma estrutura base que garantia que todas as áreas importantes fossem cobertas, ao mesmo tempo que se preocupava em não incluir informação pouco relevante, que só iria desfocar:

  1. Objetivo: Declarava de forma clara e precisa o propósito e ambição da missão, que pretendia uma mudança no curso da guerra, marcado pelo início da libertação da França. Evidenciava que o seu sucesso era crucial para a derrota da Alemanha nazi, pelo que garantia que toda a hierarquia, designadamente a de topo, compreendesse as suas funções, responsabilidades e o contexto geral da operação;
  2. Enquadramento: Descrevia o contexto atual, baseando-se em dados concretos sobre as defesas alemãs e o terreno, incluindo fortificações, posições de artilharia e unidades de resposta rápida. Tudo isto suportado por informações de inteligência. Também reunia conhecimento sobre as condições climatéricas e de outras forças amigas;
  3. Execução: Muito minuciosa, incluía detalhes sobre como a missão seria conduzida, nomeadamente o desembarque nas praias, codificadas com nomes como Utah, Omaha, Gold, Juno e Sword, a ordem das operações, o papel de cada divisão e a coordenação entre forças, bem como as contingências para lidar com imprevistos. Também não faltaram os pormenores sobre o apoio logístico, suprimentos, evacuação médica e outros aspetos de suporte;
  4. Hierarquia: À boa maneira militar, a cadeia de comando estava bem definida e altamente envolvida no processo de planeamento e implementação da ação. Os métodos de comunicação, códigos e procedimentos estavam perfeitamente estipulados. Para além disso, líderes de alto nível, como o General Dwight D. Eisenhower, o Comandante Supremo das Forças Aliadas na Europa, desempenharam, inclusivamente, papéis cruciais na comunicação da missão e no fortalecimento do moral das tropas.

Chegado aqui, “…depois de tanta letra…” como se diz no Norte, o que é que isto tem a ver com Marketing? Tudo! Quantas vezes já desejei, na minha vida de publicitário, que à minha frente, durante a passagem de um Briefing, em vez de um Marketer, estivesse um Oficial? Vezes sem conta, confesso.

Um Oficial não diria que quer fazer uma incursão no inimigo Bigger, Better and Bolder, Meaningful, com “Wow Effect” e ainda com um não mais acabar de expressões em inglês, vazias de conteúdo, como já vi Marketers fazerem disto o seu Briefing.

Um Oficial não recomendaria aos seus operacionais para lerem os calhamaços com os modelos dos tanques inimigos, como já vi, por exemplo, Marketers da indústria farmacêutica dizerem para estudar o powerpoint da bula do medicamento, com mais de 100 páginas de jargão indecifrável, porque estava lá tudo o que precisava e não era necessário mais nada da parte deles.

Um Oficial não diria que o alvo do ataque é tudo o que mexe, tal como já ouvi vezes sem conta Marketers afirmarem que o seu produto é para todos. É por isso que os militares há muito tempo que se baseiam em informações de inteligência e no Marketing o achómetro ainda faz a sua perninha amiúde.

Um Oficial não se apresentaria numa passagem de Briefing sem o preparar, isto é, sem pensar muito para escrever pouco, explicando-o de forma concisa, como já vi acontecer com muitos Marketers que se sentaram à minha frente e começaram a discorrer de forma improvisada.

Um Oficial não parte do pressuposto que os recetores do seu Briefing estão na sua cabeça. Vai daí, não seria capaz de não dar uma direção e uma inspiração, como já aconteceu, surpreendentemente, com vários Marketers. Aliás, o grande David Ogilvy dizia “Give me the freedom of a tight brief” porque já bem sabia do que precisava para arregaçar as mangas. Não queria navegar na maionese, seguramente.

Um Oficial não tem estados de alma ou gostos pessoais no cumprimento da sua missão, como já vi, mesmo nos dias de hoje, Marketers que não percebem que uma agência responde a Briefings e não ao seu critério pessoal. Se assim for, mais vale contratar um maquetista para lhe fazer um boneco à medida.

Um Oficial não partilha a sua tomada de decisão com quem não esteve envolvido ou teve influência na criação do seu Briefing e, ainda mais, com quem não percebe do “métier”, como muitas vezes o Marketer faz. Isto surge quando não está seguro das suas decisões e decidiu partilhar a ideia com a namorada que tem bom gosto a vestir (isto aconteceu-me numa grande marca, juro!). Ou mesmo quando é obrigado a chamar para a sala de reuniões para decidir o curso de uma campanha, o Diretor Financeiro, o de Compras, o de Vendas, o de Recursos Humanos, o de Logística, o de Manutenção, o de Produção, o Rececionista e o Assistente do Diretor Geral que não pode estar presente. Já para não esquecer o Pastor Alemão que guarda as instalações, mas tem faro para o negócio. O que faz com que toda esta gente sofra de Sofomania, um transtorno mental caracterizado pela necessidade compulsiva de parecer sábio, mesmo quando não se tem conhecimento sobre o assunto.

Acho que para já, chega. Sendo o Marketing uma coisa encantadora, não deveríamos ter mais aquela cultura do rigor, como se assuntos de vida ou de morte tratássemos?

Felizmente que esta gente do Marketing, na qual humildemente me incluo é, em grande parte, Oficial e Marketer.

  • Nuno Antunes
  • business partner da Milford e professor ISCTE Executive Education

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