Sinais

  • António Fuzeta da Ponte
  • 10 Outubro 2023

Ficamos sem o Sinais e eu tive um sinal muito óbvio que há grandes marcas que confundem os estágios com trabalho temporário. Se o Fernando Alves ainda tivesse o microfone ligado, acertaria contas.

Na semana passada tive uma notícia que me deixou atónito e chateado. Mesmo. Acabaram os “Sinais”, do Fernando Alves, a rubrica mais antiga da TSF. Há cerca de 30 anos no ar, os Sinais eram, para mim e para muitos, uma referência. A sua assinatura sonora ainda ressoa na minha cabeça, ainda consigo ouvir “Sinais, de Fernando Alves…” Mas agora acabaram, como tudo acaba, acho eu. O Fernando, fiquei a saber, vai aproveitar para preguiçar e ler, mas essencialmente percebi que vai “andar por aí”. Não sei bem o que provocou este final, mas é um mau sinal.

Enfim, life goes on, o fim dos Sinais é um sinal disso, tentei justificar. E a vida, como nos embala, também atropela. Não tive tempo para pensar muito mais nisso. Liga-me um sobrinho meu, 23 anos acabados de fazer: “tio, acha que hoje podemos tomar um café à noite?… era para falar consigo umas coisas”. Claro que lá fui. Bom sinal, ele querer falar e eu querer ouvir.

E o telefonema era um sinal de algo que se vive em muitas famílias com filhos ou sobrinhos com vinte e poucos anos. Este meu sobrinho, licenciado e com um mestrado tirado fora de Portugal está agora cá, já a estagiar. Por acaso, bom sinal, pensei eu, estagia numa grande marca, uma das maiores portuguesas.

Mas a dúvida dele era algo que até me pareceu um pouco precoce: tinha sido desafiado para mudar e fazer estágio noutra empresa, também ela uma grande marca. Bom sinal, de novo, voltei eu a pensar. Está certo que lhe causa desconforto, pela incerteza, mas bom sinal porque é desejado em dois sítios.

Mas depois começou a conversa e percebi muitos maus sinais. Afinal o estágio onde está agora tem tudo menos os bons sinais de que um bom estágio deve ser ou proporcionar. O vínculo que tem não é com a tal grande marca, mas antes com uma empresa de recursos humanos, como trabalhador temporário. E passados alguns meses, ainda só aprendeu uma coisa, que repete todas as semanas. Está totalmente dedicado à execução, à operação. Sim, também se aprende fazendo, eu sei. Mas é um estágio, é suposto ser exposto a várias realidades, a vários desafios. Não é só apreender uma execução e depois repeti-la todas as semanas. Porque isso não é um estágio, é só uma tarefa. E no final da conversa, percebemos que a verdade é mesmo como o enquadraram na folha de pagamentos: é um tarefeiro de trabalho temporário. E assim, foi mesmo temporário, porque ele percebeu que está a perder tempo se não o dedicar agora a aprender mais coisas, e ligou-me no dia seguinte: decisão tomada, venha a mudança! Mesmo que seja um risco, prefere ir para um sítio onde lhe apresentaram um plano a 12 meses passando por várias equipas, do que ficar num sítio onde o único plano era repetir o mesmo, todos os meses, renovando contratos de 6 meses. Boa decisão, boa sorte!

Mas é grave, este sinal. Os jovens que recebemos nas empresas, cheios de ilusões, de medos, de ambições e hesitações, aceitam começar com um estágio. E estão a dar-nos os seus melhores anos, os anos mais verdes em que a experiência está no 0, mas a ilusão está no 100. Não saber aproveitar isso é um sinal gravíssimo. Nós, empresas, temos de saber receber essa entrega e pagar com um plano adequado, com o máximo de experiências que possamos facultar, com o máximo de escuta ativa (a todo o entusiasmo deles e que nós fomos perdendo com os anos) e acima de tudo com o agradecimento por depositarem em nós a confiança que os vamos desafiar e desenvolver. Vamos dar sinais claros de que compreendemos isso, por favor.

No fim disto tudo, ficamos sem o Sinais do Fernando Alves e eu tive um sinal grave e muito óbvio que há grandes marcas e empresas que confundem os estágios com trabalho temporário. Se o Fernando Alves ainda tivesse o microfone ligado, acertaria contas com isso.

  • António Fuzeta da Ponte
  • Diretor de marca e comunicação da Worten

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