Tecnologia como suporte à indústria do entretenimento, não como um adversário

  • Tony Gonçalves
  • 12:12

A indústria está a abordar este momento como se fosse uma questão de sobrevivência. Talvez não o devesse fazer. Estamos, acima de tudo, a falar de evolução.

Em conversa no meu podcast Heart and Hustle of Portugal com a correspondente portuguesa nos EUA, Ana Rita Guerra, atualmente radicada em Los Angeles, esta partilhou a sua visão e confidenciou-me que a indústria do entretenimento parece estar a lutar pela sua alma. Aliás, um pouco ao encontro daquilo que se verifica um pouco por toda a América. E, pelo que tem vivenciado, considera que este estado de alma se sente desde a pandemia.

Por certo que os pacotes de subsídios do governador Newson, que já ultrapassam os 750 milhões de dólares, ajudarão o negócio a recuperar. Mas o dinheiro por si só não resolverá tudo.

Não é por acaso que a maioria das produções está a fugir de Hollywood, em busca de locais mais económicos onde possam desenvolver o seu trabalho (e Portugal está no mapa de muitos dos produtores norte-americanos, e não apenas pelas vantagens financeiras associadas). Também a animação partiu para outros territórios. E os maiores talentos parecem, também, predispostos a deixar a Califórnia.

Na verdade, este é também o resultado dos trágicos incêndios em Palisades, os quais afetaram duramente esta comunidade, com impactos nos modelos tradicionais de trabalho e negócio, os quais, em grande parte, estão destruídos. Mas é, também, a dificuldade de responder ao admirável mundo novo que vivenciamos. Não poucas vezes, o incumbente é aquele que mais dificuldades têm em ajustar-se às transformações.

É aqui que o tema não se cinge à América, passa a dizer respeito a todo o mundo. Tudo o que está acima descrito tem, na verdade, uma origem. Mais uma vez, a tecnologia veio perturbar o setor. Lembra-se do streaming e daquilo que foi falado, quando este conceito veio criar disrupção e romper com ideias pré-concebidas e receios, que depois se revelaram infundados? Voltamos a reviver esses tempos.

Cresce o receio que a IA, através dos cada vez mais falados prompt, ganhe valências que lhe permita escrever guiões, músicas, desenvolver vídeos, fotos e pinturas. Um desafio que se coloca aos profissionais dos setores considerados criativos. Como lidar com uma realidade que, muitos temem, os possa tornar dispensáveis?

A indústria está a abordar este momento como se fosse uma questão de sobrevivência. Talvez não o devesse fazer. Estamos, acima de tudo, a falar de evolução. A tecnologia e a IA não são inimigas, tal como o streaming não era do entretenimento. São ferramentas. A questão não é se devemos abraçá-las, mas sim como o fazer. Como usá-las para tornar o conteúdo melhor, mais rápido e mais barato. Sem que tal signifique substituir os criativos, pelo contrário, o objetivo é capacitá-los para responder aos desafios, ir mais além, com o toque humano que apenas nós poderemos dar.

O verdadeiro trabalho é cultural. É a capacidade de olharmos para a tecnologia como um facilitador de grandes narrativas, não como uma ameaça. Não podemos ficar presos a ideias pré-concebidas do passado, a era que vivemos — como tantas outras — mudará radicalmente o paradigma das indústrias criativas. Não é uma opinião, antes um facto, uma realidade que já se verifica.

Veja-se o nosso caso. Portugal pode ainda não ter o volume de produção do Reino Unido ou Espanha, mas está a deixar a sua marca a nível internacional. E acredito que a tecnologia só vai reforçar essa capacidade. E, a outro nível, a aldeia de Monsanto deu vida a Dragonstone em House of the Dragon, enquanto Lisboa, Vila Real, Viseu e a autoestrada A24 serviram de cenário para Fast X.. Sem esquecer Rabo de Peixe, que entrou no Top 10 global da Netflix em mais de 33 países, graças à visão do realizador Augusto Fraga e ao talento emergente de José Condessa.

Isto é mais do que eficiência de custos ou incentivos fiscais. É credibilidade criativa, e Portugal está a provar que sabe contar histórias que chegam longe. Agora imagine o que acontece quando juntamos essa criatividade à tecnologia.

  • Tony Gonçalves
  • CEO do Evrose Group

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