“Já estive em marcas com mais orçamento de marketing e nem por isso fui mais feliz”, diz Aira de Mello, da Volvo
Aira de Mello, diretora de consumer experience e marketing da Volvo, tem como grande desafio mostrar a diferenciação da marca. O fim do diesel, a 15 dias dos 97 anos, é o motivo para a conversa.
Se ligar para Aira de Mello, por WhatsApp, vai ver a diretora de consumer experience e marketing da Volvo a fazer festinhas a uma chita. A fotografia foi tirada na Tanzânia, em 2016. Ao avançar seis anos, a imagem podia ser a beijar um elefante, num santuário na Tailândia. A 10 de junho, provavelmente a foto será junto a um cavalo islandês.
Juntam-se assim duas das paixões da profissional que lidera o marketing e comunicação da marca sueca há 12 anos anos e, desde 2021, também a área de consumer experience: viajar e animais. “Sou apaixonada por animais, todo o tipo de animais: cobras, aranhas, chitas, elefantes, macacos”, enumera em conversa com o +M. Outra das paixões é viajar. Conhece 49 países e o 10 de junho é aproveitado normalmente para viajar: é assim que festejam o aniversário de casamento, que este ano completa 20 anos. No inverno escolhem, por regra, um sítio quentinho. “Casei-me no 10 de junho e nasci no 1 de maio”, comenta.
Para viver, o casal escolheu a Praia Grande, em Sintra, uma casa construída pelos pais de Aira de Mello. “Tivemos algum receio de nos sentir perdidos no meio do nada, mas parece que estamos sempre de férias. Olha-se para o mar e o tempo para”.
O marketing e a publicidade fazem desde sempre parte da vida de Aira de Mello. O pai, Rui de Mello, foi um dos fundadores, em 1976, da agência de publicidade DC3, depois comprada pela Ogilvy. Antes, em Moçambique – onde a profissional nasceu – foi diretor de marketing da Shell e também da Laurentina ou da Coca-Cola. “O meu pai sabia tudo sobre marcas, tratava-as como se fossem pessoas”, recorda. A infância, já em Portugal, foi passada na agência. “A publicidade era uma arte, perdeu-se um bocadinho essa magia”, comenta.
Hoje, dá-se a coincidência de ser com a VML e com a Mindshare, agências também do grupo WPP, com que a marca, por alinhamento internacional, trabalha.
No dia 26 de março, a Volvo Cars produziu o último modelo movido a gasóleo da história da empresa. Trata-se de um Volvo XC90 que saiu da linha de produção da fábrica da Volvo Cars em Torslanda, na Suécia, e que seguiu diretamente para o museu da marca em Gotemburgo, assinalando assim o fim de uma era. O caminho foi percorrido com o primeiro diesel produzido, conta.
“Há pessoas que continuam a querer carro a diesel, temos pena, mas paciência. As contas que estamos a fazer, com esta decisão, são as do que acreditamos ser melhor para o planeta“, diz. Aira de Mello admite que com a decisão a marca possa perder, no imediato, clientes. “Também tivemos pessoas a reagir mal quando limitámos a velocidade aos 180 km ou quando acabámos com os estofos feitos em pele”, recorda a responsável, que aponta também a novos públicos, idealmente que se identifiquem com os valores da marca: Pessoas, segurança e planeta. “Na verdade tudo tem a ver com as pessoas, tanto a segurança como o planeta”, resume, e “um carro é como a roupa, acompanha-nos para todo o lado, diz muito sobre nós”.
No último ano, a marca premium vendeu em Portugal 5.118 unidades, número que traduz um crescimento de 42% em relação ao ano anterior e é segundo melhor resultado de sempre a nível nacional.
A pressão das vendas é um dos temas mais delicados na gestão do dia a dia. “Há uma pressão muito grande do departamento comercial. Olham sempre para o marketing como salvadores da pátria. Temos que ter muito cuidado e com uma marca premium ainda é mais delicado. O premium é suposto ser mais exclusivo e, quando as marcas fazem grandes descontos, parece que estão desesperadas por vender. Nós também queremos que a empresa tenha sucesso, como é evidente, mas temos uma marca para desenvolver”, reforça.
Com comunicação, sobretudo digital, constante – “não nos podemos dar ao luxo de deixar de comunicar” -, a Volvo faz televisão três a quatro vezes por ano, normalmente uma vez por trimestre. A próxima campanha arranca em abril, mês em que a marca celebra 97 anos, e vai coincidir com um road show, o Volvo Electric Tour, que passará por Braga, Coimbra, Porto, Lisboa e Faro.
Em simultâneo, Kika Nazareth, António Raminhos, Tiago Bettencourt e Tripeirinha são ‘criadores de conteúdos’, como gosta de lhes chamar, a quem foi entregue o modelo EX30. A estes, na segunda metade do ano, vão juntar-se mais quatro nomes a quem, garante, não é pedido conteúdo especifico. “Não queremos fotografias ao volante com o logo plasmado”, assegura.
“A Volvo já mudou e agora tenta consolidar esta nova forma de fazer comunicação. Até aos anos 2010 era uma marca cristalizada, o carro familiar. Agora somos uma marca mais moderna, jovem e atraente“, que pretende atrair outro tipo de consumidor, explica a profissional, que tem como maior desafio fazer com que a Volvo “seja percebida pelas pessoas como uma marca diferente”. “A diferenciação é muito importante, é o que faz com que as pessoas optem pela marca A ou B”.
“O meu pai costumava dizer para nunca ficar mais de três anos numa empresa, se me sentir a estagnar. Andei a saltitar de papoila em papoila, até que cheguei à Volvo e apaixonei-me. Tenho muita sorte“, constata.
Aira de Mello em discurso direto
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1 – Que campanhas gostava de ter feito/aprovado? Porquê?
Gostava de ter feito/aprovado muitas… destaco estas duas campanhas porque aprendi com David Ogilvy a acreditar nas “grandes ideias” e em publicidade com causas.
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a) Campanha Nacional – Quando a Vodafone nos pediu um Volvo para a sua campanha de Natal de 2021 nem imaginávamos que o resultado ia ser tão “nosso”. “Começar de Novo” fala de coragem, de liberdade, da ousadia de uma mulher, vítima de violência doméstica, de deixar tudo para trás – o bom, mas sobretudo o mau – e levar consigo, para a sua nova vida o que mais importa: a filha, o seu peixinho dourado e a sua dignidade. Grande mensagem inspiradora para todas as mulheres por esse país fora que muitas vezes só precisam de um abrir de olhos para ver que a vida lhes escapa.
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b) Campanha Internacional
Estávamos nos anos 80 e 90 do século XX, o mundo mudava depressa, a guerra fria acabava e uma certa marca de roupa lançava campanhas polémicas, disruptivas e singulares. É quando a Benetton lança uma verdadeira pedrada no charco. O produto nem sempre estava lá (na maioria das vezes nem estava) e, quando estava, não era o cerne da mensagem. Pelo contrário, a mensagem era de solidariedade, de mudança de mindset, de apelo à paz, à inclusão, à igualdade entre credos ou ideologias. Estes anúncios foram talvez pioneiros na utilização de métodos não convencionais como forma de sensibilização social e de apelo. Muito à frente no seu tempo, numa sociedade ainda tradicional (foi há 40 anos!) a polémica foi imensa, mas o seu principal objetivo foi alcançado – ninguém ficou indiferente, o debate aconteceu e a Marca brilhou! … hoje vemos muitas outras marcas a seguirem os seus passos, mas foram os anúncios da Benetton os pioneiros deste fenómeno moderno de “ativismo de Marca” e a conseguirem manter este posicionamento até hoje.
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2 – Qual é a decisão mais difícil para um marketeer?
Ter de prejudicar a marca para cumprir os números, pensar a curto prazo, em suma, “vender” a qualquer preço. É claro que as marcas são empresas, é suposto darem lucro, mas a “boa” publicidade, vende, pode até demorar um pouco mais… mas vende.
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3 – No (seu) top of mind está sempre?
A marca. A responsabilidade de trabalhar uma Marca única – e quase centenária – é enorme. A Volvo já salvou mais de um milhão de vidas, que com um altruísmo ímpar partilha com toda a concorrência o seu gigante investimento de décadas em segurança. Fazer perigar todo este legado seria quase criminoso. Digo sempre que não trabalho para a minha diretora nem para a Volvo Car Portugal, trabalho para o sonho de dois homens – Gustav Larson e Assar Gabrielsson – o sonho de um mundo em que os automóveis são sinónimo de liberdade e alegria e nunca de sofrimento e morte, um mundo sem acidentes na estrada. É por isto que os fundadores da Volvo quiseram que todas as outras marcas beneficiassem da segurança de um Volvo, e é por isso que dizemos que há um pouco da Volvo em todos os automóveis, para que qualquer pessoa esteja segura, independentemente da marca que escolheu.
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4 – O briefing ideal deve…
Ser conciso, preciso, direto ao ponto. Uma folha A4 no máximo. Para além dos temas fundamentais que precisam ser respondidos: “O Problema”; “A Solução”; “O Target”; “O Media Mix”; “O Budget”; “A Promessa Básica”… Mas, acima de tudo, deve ser alegre e motivador para a equipa criativa. Não há coisa pior que um briefing cinzento e aborrecido que não dê vontade de transformar numa campanha memorável.
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5 – E a agência ideal é aquela que…
Conhece a marca tão bem, ou idealmente melhor, que o próprio cliente apresentando, proactivamente, soluções inteligentes e pertinentes, que ajudam a marca a evoluir.
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6 – Em publicidade é mais importante jogar pelo seguro ou arriscar?
Creio que ficou claro com as escolhas acima que acredito em arriscar. Sempre com a segurança de não colocar a marca em perigo, mas arriscar. A ousadia é fundamental quando temos budgets limitados e precisamos fazer ouvir a nossa voz ou quando os nossos concorrentes falam bem mais alto. Ir à frente, abrir caminho, sermos os primeiros a lançar uma inovação, uma tendência, um statement, ajuda a criar buzz e sair do anonimato.
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7 – O que faria se tivesse um orçamento ilimitado?
Não me seduz ter um orçamento ilimitado. Gostaria de ter, talvez, o dobro para não ter de fazer cedências nem contas de cabeça. A saturação é um tema que devemos evitar e que é um risco enorme quando temos budgets demasiado generosos. Mais, quando há menos para investir, somos tendencialmente muito mais criativos, o desafio é muito maior, tiramos o melhor partido possível daquilo que temos. Já estive em marcas com mais orçamento de marketing e nem por isso fui mais feliz.
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8 – A publicidade em Portugal, numa frase?
Muito talento. Pouco investimento. Trocando por miúdos, temos profissionais incríveis que quando têm a oportunidade de criar concretizam campanhas memoráveis. Infelizmente a maioria das multinacionais não têm liberdade criativa ou orçamento para criar localmente limitando-se a adaptar conceitos e campanhas internacionais.
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9 – Construção de marca é?
Um longo, frágil e árduo processo. Construir uma marca leva anos de consistência – em comunicação, em serviço e em produto. Uma marca, tal como uma pessoa, deverá ter o seu ADN, a sua personalidade, a sua identidade, a sua voz e um papel na sociedade. Tudo isso se constrói… com muito trabalho, muito investimento e o beneplácito dos consumidores. Mas como tão bem sabemos, tudo isso também se destrói muito rapidamente.
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10 – Que profissão teria, se não trabalhasse em marketing?
Seria infeliz se não trabalhasse em marketing, e evidentemente depressiva se embarcasse num emprego demasiado convencional. Talvez vocalista de uma banda de rock alternativo pudesse ter funcionado para mim.
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