Se Portugal falhar metade do PRR perde 18% das verbas, alerta Tribunal de Contas Europeu
Em termos relativos, Portugal é o quarto maior beneficiário, com o PRR a equivaler a 7,2% do PIB. Tribunal de Contas Europeu elogia implementação da bazuca, mas alerta para riscos no final do prazo.
Quase metade das metas e marcos que Portugal tem de cumprir no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) estão alocados aos dois últimos pedidos de pagamento, mas só têm implícitos 18% das verbas da bazuca, segundo o Tribunal de Contas Europeu (TCE). O equivalente a quase quatro mil milhões de euros.
O organismo alerta que isto reduz significativamente o incentivo para que as reformas e investimentos sejam concluídos e aumenta o risco de uma parte significativa do financiamento do Mecanismo de Recuperação e Resiliência (MRR) ser pago sem que os Estados-membros tenham concluído as medidas correspondentes. Por isso, num relatório publicado esta segunda-feira, o TCE pede que a Comissão Europeia mude os regulamentos para reaver as verbas já pagas dos investimentos não concluídos.
“Foi inteligente a forma como o Governo português desenhou o programa”, disse, em tom irónico, Ivana Maletic, membro do TCE responsável pela auditoria. Em conferência de imprensa, a responsável sublinhou que, em Portugal, “os dois pagamentos finais correspondem a 45% das metas e marcos acordados”. “Cumprir quase metade do MRR é muito arriscado, mas esta metade só corresponde a 18% dos fundos totais”, sublinhou.
Em situação idêntica está Espanha, que tem os últimos pagamentos pendentes de um quarto das metas e marcos do MRR, mas que correspondem apenas a 11% das verbas, explicou a responsável. “Esta relação é semelhante no caso de outros países, como os Países Baixos (15% do financiamento para 39% dos marcos e das metas), a Eslováquia (6% para 29%), a Roménia (9% para 31%) e a Croácia (17% para 38%)”, lê-se no relatório.
Ivana Maletic garantiu que Portugal tem sido “muito bem-sucedido na implementação” do PRR, já que fez todos os pedidos de pagamento previstos até ao final de 2023, tendo registado apenas um atraso. O país optou por fazer o terceiro e quarto pedidos de pagamento em simultâneo, já depois de a Comissão Europeia ter dado luz verde à reprogramação da bazuca.
Só nove Estados-membros fizeram 100% dos pedidos de pagamento previstos até ao final de 2023. Ou seja, só 70% dos pedidos foram submetidos a tempo. E os atrasos estão a acumular-se, alertou Ivana Maletic. “Até junho os atrasos aumentaram, porque há mais metas e marcos relacionados com os diferentes pedidos de pagamentos”, o que aumenta os riscos de os Estados-membros não terem a totalidade das reformas e investimentos acordados com a Comissão Europeia cumpridos até ao final de agosto de 2026, avisou.
“Quase todos os países se atrasaram a apresentar os pedidos de pagamento à Comissão”, reconhece o relatório, justificando esse facto com “a inflação, falhas no aprovisionamento, incerteza quanto às regras ambientais e falta de capacidade administrativa”.
Consciente do problema, a Comissão e os Estados-membros tomaram medidas, especialmente em 2023, para facilitar a absorção de fundos, “mas é demasiado cedo para avaliar se têm impacto”, diz o documento. “Corre-se o risco de nem todas as medidas previstas estarem terminadas a tempo”, nota o TCE, sublinhando que, “por várias razões, sete países ainda não tinham recebido quaisquer verbas pelo cumprimento satisfatório de marcos e metas”.
“Até ao final do ano passado, os pedidos de pagamento estavam relacionados com menos de 30% dos marcos e das metas, que são mais de 6.000. Ou seja, uma grande parte destes indicadores de progresso (possivelmente, os mais difíceis) ainda está por cumprir”, diz o relatório.
“A maioria dos países dedicou-se às reformas antes de iniciar os investimentos. Mas adiar os investimentos poderá aumentar ainda mais os atrasos e retardar a absorção das verbas”, acrescenta o documento, que aponta o dedo ao facto de não ser possível aferir a quem estão a chegar os 723,8 mil milhões de euros da bazuca. Isto porque não é claro para todos os Estados-membros como identificar os beneficiários finais. Por exemplo, Portugal identifica o Banco de Fomento como um beneficiário final e não as entidades a quem a instituição atribuiu financiamento, a secretaria-geral da Educação ou o Ministério da Defesa. Esta é uma situação que o tribunal considera que deve ser corrigida para se poder, de facto, avaliar o impacto da bazuca na economia real.
Devido à forma como o PRR foi desenhado, Portugal é o segundo país com maior proporção de financiamento desembolsado (48%). Acima só mesmo França (59%). E é também um dos Estados-membros com maior peso da bazuca no PIB. Em termos absolutos, Espanha e Itália são os maiores beneficiários – razão pela qual integram sempre as amostras de auditoria (Portugal não integrou esta) – mas, em termos relativos, Portugal é o quarto maior beneficiário, com o PRR a equivaler a 7,2% do PIB. À frente está a Grécia (9,5%), Bulgária (9,3%) e Croácia (9,9%). Para o TCE, estes países têm um desafio maior e mais “significativo” para implementar as verbas do MRR, tendo em conta que já são beneficiários dos fundos de Coesão.
Para proteger os interesses financeiros da UE, o TCE defende que seja criado um instrumento que permita a possibilidade de se recuperar financiamento associado a marcos e metas já alcançados se as medidas não forem concluídas até 31 de agosto de 2026. O regulamento do MRR não prevê essa possibilidade e a Comissão Europeia não acatou a sugestão do Tribunal precisamente por essa razão.
Criado em fevereiro de 2021, o MRR financia reformas e investimentos nos países da UE iniciados desde o começo da pandemia, em fevereiro de 2020, e com conclusão até ao final de agosto de 2026. Está dividido em seis prioridades, entre as quais a transição ecológica e a transformação digital. Os países recebem o dinheiro com base nos progressos realizados.
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