Beira Interior vai ter modelo inédito de mobilidade em 2025
Ação promovida pela Autoridade da Mobilidade e dos Transportes, e abraçada por cinco municípios da Beira Interior, vai criar uma rede integrada com comboio, autocarro, táxis e até bicicletas.
Uma viagem de comboio entre Lisboa e a Covilhã, realizada em outubro de 2023, lançou as bases para o projeto piloto de mobilidade integrada da Beira Interior, a cuja apresentação o ECO/Local Online assistiu, nesta terça-feira. Ana Paula Vitorino, presidente da Autoridade da Mobilidade e Transportes (AMT), alguns governantes e o autarca de Vila Franca de Xira iniciaram a viagem em Lisboa, e pelo caminho foram-se juntando os presidentes de cada município percorrido. Quando chegaram à Covilhã, para um congresso da AMT, a ideia para este projeto entre cinco municípios da Beira Interior estava estabelecida, conta agora a ex-governante socialista.
“Ficou decidido que faríamos um projeto piloto num eixo com todos os modos e nós [AMT] iríamos coordenar e fazer uma plataforma, utilizando inteligência artificial, que permitisse coordenar os horários de tudo. Naquele eixo, existem muitas deslocações de estudantes universitários, de trabalhadores que trabalham num concelho e vivem noutro”, realça, ao ECO/Local Online. A estratégia definida passa por soluções como a utilização de slots da Linha da Beira Baixa para serviços ferroviários urbanos e interurbanos, mas também pela utilização dos atuais autocarros, do transporte escolar, dos táxis e até de bicicletas partilhadas e outros meios de mobilidade suave.
“Se juntarmos tudo isto, as pessoas passarão a ter oportunidade de ir a qualquer lado utilizando transporte público”, assegura a engenheira com quatro décadas de experiência em transportes. Para tal, o baixo custo para os utilizadores tem de ser acautelado.
A partir da assinatura do protocolo, nesta terça-feira, a AMT e os municípios de Belmonte, Castelo Brano, Covilhã, Fundão e Guarda vão “fazer um projeto piloto, ver se funciona, ajustar e fazer as alterações” necessárias, diz.
O primeiro passo é o lançamento do concurso para a construção da plataforma eletrónica em que assentará este novo modelo de transporte intermunicipal. A AMT dispõe de 600 mil euros para o efeito, diz Ana Paula Vitorino.
“Estamos a desenhar a rede e a fazer o levantamento do território. Em que municípios há cartografia digital. A segunda parte é fazer desenho de rede e depois ver o que não existe e o que é necessário criar”, explica. Na sua previsão, dentro de um ano, o projeto estará no terreno.
Na apresentação do projeto, Paulo Fernandes, presidente da Câmara Municipal do Fundão, apontou que, apesar de nestes municípios da Beira Interior o PIB per capita ser muito inferior ao da região de Lisboa, o custo por quilómetro nos transportes é “o triplo ou o quádruplo. Alguma coisa não está bem”, notou.
O papel das autarquias é por vezes ingrato. “Não vamos pôr um autocarro a ir buscar alguém a uma quinta, mas temos muitas quintas onde temos de ir buscar alunos. Estamos a falar de um direito fundamental, a escola pública”, realça.
Apontando aos seus colegas autarcas também aderentes a este projeto, diz que, juntos, têm um gasto direto de 13 milhões de euros no serviço público de transportes, incluindo contratação direta, designadamente transportes escolares, e subvenção. Neste capítulo, o período pós-pandemia trouxe gastos anuais em torno dos cinco milhões de euros, dos quais o Estado central comparticipa com cerca de dois milhões e o restante fica a cargo dos municípios.
Aumentar uso do transporte não particular
Com o novo modelo articulado de mobilidade, em fase de lançamento, a AMT e os municípios esperam chamar a população e os empresários para a utilização de transporte não particular.
Referindo-se a estas zonas do país afastadas de Lisboa e do Porto, Hugo Oliveira, diretor de Regulação da AMT, assinala que “estes territórios é onde se utiliza menos transporte público e onde mais se utiliza viatura privada. Muitas vezes, as pessoas até poderiam querer [usar transporte público], mas não têm essa opção”.
A fase de estudos dos percursos e distribuição geográfica de meios de transporte irá ter em conta a localização dos polos industriais, universidades, hospitais e empresas, pontos de confluência de milhares de pessoas nas suas deslocações diárias. A integração de tarifários — “um instrumento poderosíssimo, com impactos sociais muito fortes”, defende o responsável da AMT –, os planeadores de viagens, aplicações móveis e a disponibilização dos dados dos utilizadores para estudos de melhoria do modelo são fundamentais, considera a AMT.
Quando se fala em custos, o autarca de Belmonte, Paulo Borralhinho, questiona como é possível atrair passageiros para um serviço como o ferroviário efetuado entre Belmonte e Covilhã, que implica um passe mensal de 150 euros para “cerca de 15 minutos de viagem, com apenas dois serviços por dia”, frisa.
Nesta região, há dificuldades que vêm da própria natureza do território, como destaca, por sua vez, o presidente da câmara da Covilhã, Vítor Pereira.
“Há uma grande entropia em qualquer solução de transportes. A Covilhã é uma cidade de montanha, o concelho tem mais de metade da área declivosa. Apenas cerca de 19,5% do território é amigo da circulação pedonal e da mobilidade suave”, assegura.
No projeto piloto de mobilidade promovido pela AMT e pelos municípios, será também trabalhada a literacia de empresários, funcionários, comunidade académica e cidadãos em geral. “Nada disto faz sentido se as pessoas não perceberem os objetivos de sustentabilidade. Não adianta ter uma boa rede de transportes se não for bem comunicada”, nem “ter um autocarro à porta se eu não souber que existe, ou se não servir as minhas necessidades”. Assim, assegura Hugo Oliveira, o “envolvimento de profissionais e cidadãos é essencial.
Leopoldo Rodrigues, presidente do município de Castelo Branco, considera que o projeto de mobilidade “agrega população, cria novas oportunidades no ensino superior, serviços públicos, indústria e no turismo”. É necessário, apela, reforço de verbas, designadamente por via do fundo ambiental.
A questão financeira é comum às reivindicações dos intervenientes neste projeto. É o caso do recurso ao serviço de táxi para transporte onde o autocarro não é viável. Mas para lá desta solução de transporte a pedido, são necessários, defende o autarca do Fundão, modelos colaborativos entre os cidadãos, para, entre si, fazerem um uso partilhado dos táxis. Do ponto de vista financeiro, só uma média de 2,3 pessoas por táxi permite à câmara não ter encargos com a operação, assegura.
Do ponto de vista dos novos modelos que têm de ser equacionados na mobilidade nos territórios de baixa densidade, o presidente da câmara do Fundão dá o exemplo de uma experiência de transporte feita em Castelo Novo, em que a câmara colocou automóveis citadinos a circular entre a estação ferroviária e a aldeia histórica. “A ideia era turística”, assegura, mas acabou num modelo colaborativo. “Percebemos que 80% dos utilizadores eram da comunidade local, e que a própria comunidade local se organizava para utilizar aqueles transportes. É muito interessante o que ali aconteceu. Olhando para o que custa, é muito mais barato, por pessoa, do que ter transportes convencionais naquela região”, explica. “A transformação do modelo da mobilidade vai acontecer”, assegura.
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