Gratuitidade chega a 800 km de autoestradas e pórticos desligam-se à meia-noite. Autarcas aplaudem

  • Alexandre Batista
  • 31 Dezembro 2024

O Parlamento aprovou em junho o fim de portagens que vai ter um impacto em dezenas de municípios do país. Às 00h00 desta quarta-feira, 800 km de auto-estradas tornam-se gratuitos. Autarcas aplaudem.

Quando as 12 badaladas soarem, findo o ano 2024, os pórticos de sete autoestradas serão desligados de norte a sul do país, respeitando uma decisão tomada no Parlamento em junho, após proposta do PS e o apoio do Chega e dos partidos de esquerda – com abstenção da IL –, deixando PSD e CDS sozinhos na oposição à medida que trará custos ao erário público a rondar os 200 milhões de euros anuais.

Ao ECO/Local Online, a Ascendi, concessionária e gestora de cobrança em várias das autoestradas contempladas por esta “borla”, explica o procedimento às 00h00 desta terça-feira: a tarifa passará a 0 e os painéis informativos das tarifas serão removidos; todos os equipamentos associados à cobrança de portagem serão desligados, ainda que os pórticos continuem, de momento, a efetuar a contagem de veículos.

O condutor que tenha Via Verde deixará de ouvir o sinal acústico à passagem pelo pórtico, enquanto os que não dispõem de Via Verde deixam de ter de ir aos CTT pagar. Sobre a compensação a pagar pelo Estado, a Ascendi explica que “o tema não está ainda tratado sendo que a portagem cobrada era receita do Estado Português (IP) e não da concessionária”.

Aquando da aprovação da medida em plenário da Assembleia da República, os socialistas apontaram para um custo de 157 milhões de euros e o Governo de Luís Montenegro subiu a parada para 185 milhões, ordem de grandeza confirmada pelo Orçamento do Estado para 2025. A equipa das Finanças fez de imediato contas até ao fim das concessões, em 2040 (se não depois, mediante o resultado das renegociações a que o Estado se obrigou ao aprovar esta gratuitidade), para chegar a 1.500 milhões de euros.

A partir da meia-noite desta terça-feira, e numa extensão de 800 km, o Estado terá de se substituir aos condutores nacionais e estrangeiros que viajem estrada fora. Os utilizadores da A4 – Transmontana e Túnel do Marão; a A13 e A13-1 – Pinhal Interior; a A22 – Algarve; a A23 – Beira Interior; a A24 – Interior Norte; a A25 – Beiras Litoral e Alta; e a A28 – Litoral Norte (nos troços entre Esposende e Antas, e entre Neiva e Darque) deixam de pagar portagens no momento da passagem.

Maior capacidade de atrair e fixar empresas, mobilidade das populações, verdadeira alternativa a estradas sem capacidade de serviço e até potencial para a comercialização de segundas habitações a cidadãos espanhóis são algumas das vantagens encontradas pelos autarcas ouvidos pelo ECO/Local Online, embora também se encontre quem questione a fonte do financiamento para compensar o que deixa de ser pago no momento da passagem, ou no pagamento a posteriori, altura em que acrescem taxas que chegam a superar o próprio valor da portagem.

O ponto mais comum a vários dos autarcas contactados pelo ECO/Local Online é, contudo, o turismo.

Um dos grandes defensores dos benefícios para o turismo é o presidente da Associação dos Hotéis e Empreendimentos Turísticos do Algarve (AHETA). “Na nossa opinião, enquanto associação empresarial do turismo, é extremamente importante”. Por um lado, diz Hélder Martins, a gratuitidade da A22 “permite descongestionar a EN125”.

Por outro, “é uma porta aberta aos espanhóis, que passavam as passas do Algarve em períodos como a Páscoa e o Verão, ficando horas numa fila para validar um cartão” de pagamento das portagens virtuais desta autoestrada.

Em Alcoutim, Algarve interior, a cerca de 30 km do início da A22 junto ao Guadiana, Paulo Paulino, presidente da câmara, considera que “os impactos da abolição das portagens são enormes para os destinos mais periféricos da região, sendo benéfico sobretudo para o turismo, mas também para a redução de custos das empresas sediadas no território e para a maior mobilidade da população”.

Dando o exemplo da viagem até à capital da região, Faro, a opção do automobilista varia entre “uma eternidade” pela EN125 e um custo “muito dispendioso” pela A22.

Na outra extremidade da autoestrada também designada de Via do Infante, em Portimão, o presidente da autarquia também nota a falta de alternativa dada pela EN125. “Vejo com grande entusiasmo e otimismo o impacto que a gratuitidade da A22, a partir de 1 de janeiro, trará para o Algarve. Esta medida, que há muito era esperada, vem corrigir uma injustiça histórica e promete transformar profundamente a mobilidade na região”, defende Álvaro Bila.

Estou certo de que permitirá deslocações mais rápidas e seguras entre os municípios, aliviando a pressão sobre a EN125, que nunca foi uma alternativa viável”.

Vejo com grande entusiasmo e otimismo o impacto que a gratuitidade da A22, a partir de 1 de janeiro, trará para o Algarve. Esta medida, que há muito era esperada, vem corrigir uma injustiça histórica e promete transformar profundamente a mobilidade na região. Estou certo de que permitirá deslocações mais rápidas e seguras entre os municípios, aliviando a pressão sobre a EN125, que nunca foi uma alternativa viável.

Álvaro Bila

Presidente da Câmara Municipal de Portimão

O autarca portimonense diz ainda que “a eliminação das portagens cria condições favoráveis para fixar populações, atrair empresas e fomentar o desenvolvimento económico”. A gratuitidade constitui, também, “uma oportunidade única de reforçar a ligação com a Andaluzia.

Antes das portagens, muitos espanhóis escolhiam o Algarve não só como destino turístico, mas também para adquirir segundas habitações”. Abordando a possibilidade de voltar a ter condições de atrair este mercado, Álvaro Bila não deixa, contudo, de considerar “essencial garantir que a A22 receba a manutenção e os investimentos necessários para suportar o aumento do tráfego.

Esta é uma vitória para os algarvios e um sinal de que estamos no caminho certo para tornar o Algarve uma região mais dinâmica, acessível e competitiva”.

O potencial para atração de investimento é referido de norte a sul. No centro, o autarca de Vila Nova da Barquinha destaca as ações reivindicativas promovidas ao longo dos últimos anos em vários patamares da administração pública local, desde juntas de freguesia até à Comunidade Intermunicipal (CIM) do Médio Tejo.

Esta entidade, que reúne os municípios de Abrantes, Alcanena, Constância, Entroncamento, Ferreira do Zêzere, Mação, Ourém, Sardoal, Sertã, Tomar, Torres Novas, Vila de Rei e Vila Nova da Barquinha, aprovou por unanimidade, em maio de 2016, uma moção em que recordava o documento “Portugal menos favorecido”. Saído de um Conselho de Ministros de 2004, nele se mencionava como territórios mais frágeis o Médio Tejo, Lezíria do Tejo e Pinhal Interior Sul, todos atravessados pela A23.

Na mesma moção, aponta-se a perda de 14 mil residentes nestes concelhos entre 2001 e 2014 e alude-se a “repercussões sentidas de desistência de instalação das micro, pequenas e médias empresas, face aos encargos associados à mobilidade versus outras regiões”.

Entre os subscritores desta moção esteve o município onde a A22 se interliga com a auto-estrada do Norte, A1. “É com grande expectativa que encaramos a gratuitidade das autoestradas do interior, na qual se inclui a A23, já a partir de dia 1 de janeiro, desde logo do ponto de vista económico e empresarial”, diz o autarca Pedro Ferreira.

“Torres Novas assume-se hoje como um verdadeiro centro logístico de abastecimento de todo o país. Nesse sentido, a redução destes custos, que são muito significativos para todas as empresas já instaladas, permitirá o seu fortalecimento e aumentará a sua capacidade de resposta, a partir do nosso território”.

O fim do pagamento pelo utilizador traduz-se ainda num “forte fator de atratividade para a criação” e “instalação de novas empresas, deste e de outros setores”, diz o edil de Torres Novas. “Não é por acaso que as três principais zonas industriais do nosso concelho se localizam estrategicamente junto à A23”.

Torres Novas assume-se hoje como um verdadeiro centro logístico de abastecimento de todo o país. Nesse sentido, a redução destes custos, que são muito significativos para todas as empresas já instaladas, permitirá o seu fortalecimento e aumentará a sua capacidade de resposta, a partir do nosso território.

Pedro Ferreira

Presidente da Câmara Municipal de Torres Novas

O vizinho de Constância destaca os benefícios para famílias e empresas e considera que a gratuitidade na utilização destas autoestradas, imposta no Parlamento ao Governo pelos partidos da oposição, “pode fazer com que outras unidades se instalem na região, criando riqueza e postos de trabalho”.

Nas conversas com empresários, estes lamentavam-se que ao final do mês o valor da portagem pesava na faturação e nos custos da empresa”, diz Sérgio Oliveira. Questionado sobre a utilização desta nova situação para promoção do seu território, o autarca assume que o fim das portagens se tornará um argumento: “É algo que nos torna mais competitivos”.

Adicionalmente, destaca Sérgio Oliveira, o trânsito de veículos pesados vai reduzir-se nas vilas e aldeias, melhorando a segurança e qualidade de vida, embora com potenciais reflexos negativos em restaurantes e cafés, situação que obrigará a uma atenção da parte dos municípios.

Também no Médio Tejo, Fernando Freire, edil de Vila Nova da Barquinha, refere, baseando-se em dados da Infraestruturas de Portugal (IP), a circulação acrescida de 10 mil veículos por dia dentro da localidade de Atalaia, vila do seu concelho, após ser colocado um pórtico de cinco cêntimos na A13, outra das vias tornada gratuita com as doze badalas da transição de ano.

Além do trânsito, também aumentaram o tempo de deslocação, consumo de combustível e “desgaste emocional”, salienta o autarca, salientando ainda a “injustiça dos preços praticados, muito acima da média nacional” e que “justificaram ações em tribunal, tomadas de posição políticas sempre permanentes e intensivas por impedir o investimento agrícola, comercial e industrial bem como a desertificação do interior do país”.

Fernando Freire destaca o Centro de Negócios em Vila Nova da Barquinha, junto à A13 e A23, considerando que “as empresas aqui sediadas muito vão beneficiar desta medida”.

Ainda a nível da comunidade intermunicipal do Médio Tejo, a moção defendida em 2016 destacava a decisão tomada pela Comissão Interministerial de Coordenação (CIC) dos fundos Portugal 2020, que estabeleceu medidas de discriminação positiva para 164 municípios considerados mais vulneráveis.

Nesse grupo constam dezenas de concelhos presentes no mapa das autoestradas agora tornadas gratuitas para o utilizador, exceção feita à A28.

Mapa com 164 municípios identificados como vulneráveis pela CIC dos fundos Portugal 2020. Apenas a A28 não atravessa este grupo de concelhos.

 

Sobre a A28, que liga o Porto a Viana do Castelo, e que vê dois pequenos troços ficarem isentos de portagem, o presidente da câmara vianense aponta que “as portagens eram um constrangimento de desenvolvimento económico, não só da indústria e turismo, mas também um impacto na mobilidade, no movimento pendular que existe entre a Galiza e Viana do Castelo, e entre Viana do Castelo e o Porto, o aeroporto e o porto de mar de Leixões”.

Justiça e equidade são dois termos usados pelo autarca de Viana do Castelo, que destaca a ausência de alternativa rodoviária e de transporte pesado de passageiros (comboio ou metropolitano) com a frequência necessária para responder às necessidades da população e das empresas.

Não tínhamos alternativa. Com esta alteração legislativa, a alternativa passa a existir, para os vianenses e para todos os agentes económicos terem condições de mobilidade gratuita num princípio de oportunidade e igualdade com outros agentes do território nacional e até da vizinha Galiza”, diz o autarca, considerando que “estão criadas as condições” para i concelho passar a ser “mais atrativo para a fixação de investimento e para atração e fixação de novos residentes”.

Mas as vantagens não abrangem apenas os municípios atravessados por estas autoestradas. Miguel Marques, presidente da câmara de Oleiros, território de um distrito onde se desenvolvem parte dos 207 quilómetros da A23, o de Castelo Branco, defende que “a eliminação do custo de circulação repõe a coesão territorial que o interior ambiciona. O fim das portagens nas ex-SCUT vem favorecer a mobilidade, a economia e o turismo das regiões de baixa densidade”.

A sul, Hélder Martins, presidente da associação de hoteleiros no Algarve, alude ainda a um dos pontos que mereceu críticas ao longo da quase década e meia em que o sistema de cobrança virtual, com uso de pórticos, tem estado em utilização.

Recorde-se que estes pórticos, substitutos da habitual cabina de portagem, foram a solução encontrada para as autoestradas cujo projeto inicial não previa portagem fixa, por terem sido concebidas em modo gratuito (caso da A22, que há 30 anos, ainda antes da introdução das SCUT ocorrida em 1997, já tinha em funcionamento troço entre Guia e a fronteira) ou sob o modelo de SCUT, sem cobrança ao utilizador.

Hélder Martins reforça o constrangimento criado por esta forma de cobrança junto dos condutores de veículos com matrícula estrangeira. Na entrada em Portugal, pela A22, estes eram conduzidos a uma zona de aquisição de um cartão de portagens, ali ficando em longas filas. Para não pagar, a alternativa seria sair da A22 logo no nó Castro Marim, ou no seguinte, em Altura, sobrecarregando a EN125.

Além da existência de cobrança, “o problema era também a forma como se pagava”, destaca o presidente da AHETA, notando ainda que o pagamento na A22 tem deixado o Algarve numa situação única para quem viaje de Espanha, provenha da Andaluzia ou de Barcelona: até às 23h59 deste último dia de 2024, esse condutor que percorra 1.200 km de Barcelona a Faro, apenas pagará portagem em 50 km… no Algarve.

A informação da gratuitidade já está a chegar aos espanhóis, explica Hélder Martins, tanto por via da comunicação social do país vizinho, como pelos operadores turísticos associados dos hotéis portugueses. Apesar do entusiasmo, o líder dos hoteleiros deixa uma questão no ar: “A dúvida é como é que iremos pagar esse valor [da isenção de cobrança ao utilizador]. Não há almoços grátis. Hão-de ir tirar a algum lado”.

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