Sucesso do Chega tem raízes no poder local? Presidentes respondem na Local Summit

Autarcas de Aveiro, Coimbra, Faro e Sintra analisam o potencial do “efeito Chega” nas autárquicas. Ribau Esteves aposta em derrota. Basílio Horta gostaria de se poder recandidatar para ir à luta.

O alegado descontentamento da população vertido no voto no Chega nas legislativas deve ser assacado aos insucessos da República causados pelo Estado central, ou também tem causas em falhas das autarquias? As respostas, dadas na segunda edição da Local Summit por destacados presidentes de câmara presentes no último painel do dia, concentram-se em entropias causadas pelo poder central.

De todos, apenas um, Ribau Esteves, se mostrou convicto de que o partido de André Ventura não liderará qualquer câmara de 2025 a 2029. “Já podem fazer a notícia do ECO para a segunda-feira após eleições: o Chega não ganha nenhuma câmara em Portugal”. A convicção do presidente da câmara de Aveiro não se estende a todo o painel. Em Faro e Sintra, concelhos onde o Chega teve sucesso e conta com duas das figuras com maior notoriedade no partido após Ventura, governam presidentes em limite de mandato.

Na capital algarvia, nas legislativas, entre 36 mil eleitores votantes, o Chega ficou a menos de 300 votos da coligação liderada pelo PSD, partido do atual presidente, Rogério Bacalhau.

Provavelmente, o Chega vai ter câmaras – vereadores vai ter, membros da assembleia municipal isso ninguém discute. Nos números que nós vimos, em particular no Algarve, há municípios onde é estranhíssimo”, discorre Rogério Bacalhau. “O Chega tem um número de votos, a AD tem pouco mais de metade e o PS está atrás, quando a câmara é do PS. Em Silves, onde a câmara é PCP, o PCP fica em quarto lugar e ganha o Chega. Há aqui uma disparidade de votos muito grande e as eleições são daqui a três meses. Se fosse daqui a um ano, eu talvez dissesse ‘isto vai-se dissipar e daqui a um ano já acalmaram e não vão lá’”.

Já no segundo município mais populoso do país, Sintra, onde o autarca Basílio Horta via o PS vencer em todas as legislativas e autárquicas desde 2013, os cheganos foram o partido mais votado no dia 18 de maio. O ainda presidente encerrará o seu ciclo, surgindo como candidata do PS a ex-ministra Ana Mendes Godinho, enquanto no Chega surge Rita Matias, “estrela” das redes sociais do partido.

Basílio Horta, um dos políticos mais longevos da democracia, fundador do CDS, ex-ministro nos anos 80, candidato a Presidente da República em 1991 e autarca em Sintra há 12 anos, ainda gostaria de poder ir à luta, se pudesse ser recandidato neste concelho: “Tenho pena de não ser. Eu, que estava a respirar fundo por não ser, agora, com isto [resultado do Chega nas legislativas], tenho muita pena de não ser!”

Com certeza que falhámos em muita coisa, não há trabalhos perfeitos. Agora, com certeza que não falhámos naquilo que é mais importante, a dedicação e o trabalho que foi feito. As horas de trabalho, a exclusividade no trabalho, o amor ao trabalho, para ver obra realizada.

Basílio Horta

Presidente da Câmara Municipal de Sintra

Na 2.ª edição da Local Summit, a posição dos quatro autarcas do derradeiro painel dividiu-se entre a aposta de que o Chega não elegerá um único presidente de câmara, a convicção de que haverá algumas vitórias ao longo dos 308 municípios e duas certezas: “quando mais dizemos mal do Chega, mais ele cresce”, acredita José Manuel Silva, presidente da Câmara de Coimbra, ao que Basílio Horta responde dizendo que “se não dissermos nada dele, é a melhor maneira” de tal acontecer.

O voto no Chega “merece com certeza uma reflexão”, mas não deriva de potenciais falhas da governação autárquica, considera Basílio Horta. O que acontece, diz, é o surgimento de informações que designa de “mentiras”. Uma delas referente à mesquita existente no concelho e alegadamente construída com fundos do PRR, numa altura em que falta investimento para fazer face à escassez de habitação: “o PRR apenas contribuiu, com a câmara, para o refeitório social e para a creche, que serve toda a comunidade. Não tem nada a ver com a mesquita. E isto é permanente. É muito difícil este tipo de combate”, assume o presidente da câmara, sem pretender fugir a responsabilidades: “com certeza que falhámos em muita coisa, não há trabalhos perfeitos. Agora, com certeza que não falhámos naquilo que é mais importante, a dedicação e o trabalho que foi feito. As horas de trabalho, a exclusividade no trabalho, o amor ao trabalho, para ver obra realizada”, afirma o presidente da Câmara de Sintra.

“Não são os autarcas que falham, é a administração pública”, defende José Manuel Silva. Já Ribau Esteves, concorda que “não tem nada a ver com os autarcas, mas com outros fatores”. Vários dos intervenientes na Local Summit, aliás, defenderam que os extremos ganham por se sentirem esquecidos pelo poder central, algo que é mais difícil acontecer na proximidade autárquica.

Medo, um “fator de paralisia do país e das autarquias”

“Toda a administração pública tem de ser repensada”, defende o autarca de Coimbra. “Se tiver um funcionário que trabalhe abaixo dos mínimos, não posso fazer nada, e se tiver um funcionário que dê dois litros e meio, não o posso recompensar. Isso é extremamente perverso”. Sem repensar a situação, “não vamos conseguir resolver os problemas do país e continuaremos eternamente pobres”, considera o presidente do município de Coimbra, eleito pela primeira vez em 2021.

“A administração local tem medo. As pessoas têm medo de decidir e inibem-se de decidir, e isso é um fator de paralisia do país e das autarquias. O atual funcionamento da administração central e local, excessivamente burocrática e defensiva, é paralisante do país”, entende José Manuel Silva.

Toda a administração pública tem de ser repensada. Se tiver um funcionário que trabalhe abaixo dos mínimos, não posso fazer nada, e se tiver um funcionário que dê dois litros e meio, não o posso recompensar. Isso é extremamente perverso.

José Manuel Silva

Presidente da Câmara Municipal de Coimbra

Numa corrida eleitoral em que já não poderá surgir como candidato a Aveiro, José Ribau Esteves, com um quarto de século de experiência autárquica – somando este concelho ao de Ílhavo, soma sete maiorias absolutas – entende como características capitais para o sucesso dos candidatos a uma câmara municipal a capacidade de criar confiança e ser visto pelos eleitores como alguém passível de ser responsabilizado pela sua gestão.

Face a legislativas, há desde logo a diferença no método de escolha do representante das populações: “Quando escolho o presidente da câmara, estou a escolher um gestor. Quando escolho um deputado, estou a escolher o co-legislador. É uma abordagem radicalmente diferente”, entende. Fruto desta reflexão, conclui pela necessidade de repensar o modelo de escolha dos deputados para a Assembleia da República (AR).

“Em Portugal, estragámos as eleições ao Parlamento, porque ninguém vota em deputados. É triste isto, porque empobrece radicalmente a AR”. Com a despersonalização, o deputado tornou-se “um subproduto de uma eleição”, considera Ribau Esteves, ele próprio um ex-deputado, há 30 anos.

Assim, insta, nas legislativas o eleitor deve poder pensar “quero este tipo, porque este é bom, este conheço, sabe do meu território, não é uma molhada de deputados”.

Rogério Bacalhau concorda que “a eleição para o parlamento é uma coisa estranha, porque ninguém votou em deputado nenhum. Se formos à rua e perguntarmos quem são os deputados do seu distrito, ninguém sabe. No Algarve só conseguem dizer um, o Cristóvão Norte. E, nos dois anos que não foi deputado, também diziam que ele era”.

Confrontado com o nome do cabeça de lista do Chega pelo distrito de Faro nas legislativas, o atual presidente da capital do Algarve admite que Pedro Pinto possa ser outra exceção. “E é candidato à câmara”, destaca.

Para alcançar as mudanças que, alegadamente, são um ponto reclamado pelos eleitores do partido identificado como de extrema-direita, é necessário repensar o sistema de eleição para o Parlamento, defende Rogério Bacalhau.

“As pessoas não estão satisfeitas”, assinala o autarca de Faro, perceção recebida das ruas da sua cidade, onde a abstenção baixou cerca de 15 pontos percentuais, com eleitores farenses que antes se recusavam em votar, a acorrerem agora às urnas. “Desta vez, saíram de casa e foram lá pôr uma cruzinha. Uma grande percentagem destes, mais os outros todos, foram votar no Chega. O que disseram foi ‘nós não estamos satisfeitos com aquilo que andam a fazer’”.

Noutro painel da Local Summit, Ricardo Leão, presidente da câmara de Loures, já tinha feito um diagnóstico ao que alimenta o populismo. Anunciando o despejo de inquilinos de 400 casas da câmara por falta de pagamento de rendas, Leão diz, a propósito das análises que são pedidas aos políticos para entender o voto no partido de Ventura – candidato àquela câmara em 2017, pelo PSD de Pedro Passos Coelho -, já ter essa análise feita há muito. “Sei bem o que a população sente, não preciso agora de nenhuma reflexão. Eu já refleti muito. De há um ano e tal a esta parte comecei a ouvir da população o cansaço que existia, na teoria de que era uns terem de trabalhar para outros. O que é facto é que isso existia. Fui daqueles que jamais enfiei a cabeça na areia e fingir que não existe nada, ou considerar que há assuntos tabus e são propriedade de A, B ou C. Há que enfrentar os problemas e resolvê-los. É assim que se mata o populismo”, assegura.

Basílio Horta, por seu lado, liga o voto no agora segundo maior partido do Parlamento português a dois movimentos: “primeiro, votos de pessoas que não são democratas, que não querem e nunca quiseram a democracia. E depois tem votos de pessoas que estão realmente revoltadas e que entendem que este sistema não serve, e querem mudá-lo. A melhor maneira de o mudar é fazer um golpe de Estado sem sangue e sem grandes custos, é votar no Chega”.

Dos mais de 1,35 milhões de votos nacionais nas legislativas de 18 de maio, Rogério Bacalhau admite que “uma percentagem considerável” voltará ao partido de Ventura nas autárquicas de setembro/outubro, desde logo por ausência de ligação aos candidatos dos atuais partidos autárquicos, em virtude da renovação obrigatória de mais de uma centena de presidentes de câmara, por limite de mandatos, como acontece consigo próprio, com Basílio Horta e Ribau Esteves.

“No caso do José Manuel [Silva], as pessoas conhecem-no, para o bem e para o mal, têm uma referência. No meu caso [em Faro], as pessoas que vão a eleições, [os eleitores] não as conhecem como autarcas ali. Por acaso, tenho lá um que é autarca, mas de outro concelho. No caso do Ribau, nem é isso. Não há uma referência, como há em Coimbra”.

Para as autárquicas, finaliza Rogério Bacalhau, “as pessoas votam muito na pessoa, mas essa ligação, nos casos em que vai haver mudanças, não é efetiva. Estou convencido, gostava de me enganar, que vai haver presidentes de câmara do Chega”.

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