Marketing

Há espaço para influenciadores virtuais no marketing em Portugal?

Rafael Ascensão,

Num mundo cada vez mais moldado por algoritmos, os influenciadores virtuais conquistam espaço no marketing global. Mas estarão as marcas em Portugal preparadas para abraçar estas figuras digitais?

Lil Miquela, a influenciadora virtual com mais de dois milhões de seguidores no Instagram, já protagonizou campanhas para marcas como Prada ou Calvin Klein. Shudu, considerada a primeira supermodelo digital do mundo, desfilou (virtualmente) para a Balmain. Apesar de não existirem fisicamente, estas figuras virtuais e alimentadas através de inteligência artificial (IA) geram milhões de euros em receitas e seguidores.

Em Portugal, embora o fenómeno esteja ainda numa fase “embrionária” e “emergente”, já são dados alguns passos tímidos, impulsionados pelo “apelo visual e o potencial de controlo total sobre a imagem e discurso” destes avatares de IA, que os tornam particularmente atrativos para setores como tecnologia, turismo, moda ou sustentabilidade, aponta Ricardo Torres Assunção, secretário-geral da Associação Portuguesa de Anunciantes (APAN).

E tendo em conta a “crescente digitalização da comunicação de marca, dificilmente esta tendência será apenas passageira“. Em vez disso, “perfila-se como uma nova dimensão estratégica dentro do ecossistema de marketing de influência, sobretudo se bem integrada no contexto cultural e nas expectativas do consumidor português”, diz.

O movimento dos influenciadores virtuais em Portugal “ainda é emergente, mas mostra sinais de crescimento concreto“, diz Francisco Ascensão, exemplificando com o surgimento das primeiras influenciadoras virtuais nacionais como a Olívia C., uma “viajante artificial” criada em 2024 e que conta com mais de 13,5 mil seguidores.

“A rápida adesão do público a estas personagens sugere que não se trata apenas de uma moda passageira importada do estrangeiro. Ou seja, há um potencial de crescimento real no mercado português, impulsionado pela curiosidade dos consumidores e pelo interesse das marcas em inovar“, entende.

A Omertà, agência de PR do Falamusa (estúdio português criador da Olívia C.), diz inclusive ter vindo a assistir a um “crescente interesse por parte de marcas de diferentes setores e dimensões” em colaborar com a Olívia. “A união da tecnologia com as redes sociais tem permitido uma série de caminhos a serem explorados e acreditamos que ainda há muito a ser feito dentro deste universo dos IA influenciadores, tanto em Portugal como no estrangeiro”, diz.

Mas qual a reação do público português aos influenciadores virtuais? “É mista”, entende Ricardo Torres Assunção. Se por um lado “existe curiosidade e até fascínio por figuras inovadoras e tecnologicamente avançadas“, por outro lado”persiste uma forte valorização da autenticidade, da empatia e da proximidade humana — traços que os influenciadores reais conseguem transmitir com maior facilidade”.

A recetividade é também maior junto do público jovem (nomeadamente as gerações gerações Z e Alpha), havendo uma “barreira de entrada com as gerações mais velhas, que tendem a ver estas figuras com desconfiança ou pouco interesse”, sublinha Tiago Froufe, fundador e CEO das agências Luvin e Public.

No caso da portuguesa Olívia C, é sentido que “com o passar do tempo, o público português está cada vez mais recetivo e, sobretudo, curioso em relação aos conteúdos da Olívia, também pelo interesse crescente a nível mundial”, indica fonte oficial do Falamusa.

“Os comentários e o feedback são os normais para tudo o que é novo. Mas diríamos que genericamente as reações têm sido positivas, no sentido em que de uma forma ou de outra as pessoas mostram curiosidade e procuram saber mais sobre o assunto. Temos mesmo vindo a fazer parte de cada vez mais conversas sobre inteligência artificial, em todo o tipo de meios e a ter cada vez mais parceiros a querer colaborar connosco”, acrescenta a mesma fonte.

Para Ricardo Torres Assunção o sucesso das apostas nesta estratégia “dependerá da forma como estas personagens digitais são contextualizadas e apresentadas — não como substitutos das relações humanas, mas como extensões criativas da identidade de marca. O enquadramento certo pode transformar a curiosidade em confiança”.

Por outro lado, Rui Nunes, elemento da Direção da Associação Portuguesa dos Profissionais de Marketing (APPM) e fundador da Sendxmail, entende que não há muito espaço para este tipo de influenciadores num mercado “relativamente pequeno” como é o português, onde até os influenciadores existentes enfrentam uma “luta hercúlea” para atingir a “pouca audiência possível, num mercado que está cada vez mais renhido na luta pela atenção”.

O que tem “imenso potencial”, e isso “seja em que região for”, é a utilização de influenciadores virtuais para representar uma marca de forma contínua, como seja através da criação de uma mascote ou ícone virtual. “Em mercados com a dimensão do português ou nichos de mercado, apenas fará mais sentido se for algo conscientemente ligado à marca e que seja como um ícone virtual com o qual nos podemos relacionar, tornando a marca mais ‘humana’ através deste avatar que a representa“, diz Rui Nunes.

Marcas começam a investir, mas com cautela

Este território dos influenciadores virtuais tem vindo a começar a ser explorado por algumas marcas mais inovadoras e ligadas ao digital, embora a maioria ainda adote uma “postura cautelosa, preferindo testar antes de apostar”, refere Tiago Froufe.

A predisposição das marcas portuguesas para investir neste tipo de estratégia é assim “crescente, embora ainda com alguma prudência“, numa altura em que o marketing de influência em Portugal se tem vindo a consolidar como um “canal eficaz, especialmente entre o público mais jovem” e com as marcas a mostrarem “abertura para experimentar novos formatos, desde que exista clareza quanto ao retorno esperado”, diz Ricardo Torres Assunção.

A chave está na criação de casos de sucesso locais, que demonstrem que esta estratégia não só é viável, como gera resultados em notoriedade, engagement e até conversão“, diz Tiago Froufe.

Até ao momento, e embora poucos, os casos portugueses de aposta nesta estratégia são “significativos”, aponta Francisco Ascensão, exemplificando com a parceria entre Olívia C. e a Xpeng, através da qual a influenciadora virtual se tornou este ano embaixadora da marca automóvel.

Outra das parcerias “mais recentes e marcantes” da Olívia C. foi com a Nos Portugal, no âmbito do Nos Alive 2025. “A verdade é que a Olívia já é naturalmente uma grande apoiante de negócios portugueses, sendo que tem vindo a dar mais visibilidade a outro tipo de organizações ligadas à área da educação, cultura e até cerâmica. Isto permite que todo o storytelling da influenciadora se torne mais coeso, natural e orgânico, fazendo sentido para marcas nacionais apostar neste perfil e criar uma narrativa conjunta”, adianta a Omertà.

Embora atualmente a fatia dedicada a influenciadores virtuais seja pequena, espera-se que aumente nos próximos anos”, diz Francisco Ascensão. “Considero que os virtuais oferecem oportunidades para marcas que desejam inovar, sem necessariamente substituir os influenciadores humanos, mas complementando as estratégias digitais com algo único. Em suma, as marcas portuguesas mais inovadoras mostram-se recetivas — ainda cautelosas, mas atentas ao fenómeno — e algumas já dão os primeiros passos concretos para integrar avatares nas suas campanhas”, diz ainda o CEO da SocialTalk.

Para isto contribui também o facto de não haver grande diferença em termos de investimento entre os influenciadores virtuais e os de carne e osso. “Não vemos diferença, mas a base também não é muito grande. Os valores que estão a ser praticados estão mais ou menos em linha entre influenciadores reais e virtuais“, aponta Francisco Ascensão.

No entanto, a verdade é que a maioria das marcas “não está obviamente disposta” a investir neste tipo de marketing, “não por se opor, mas por Portugal ser um mercado tradicionalmente muito conservador na forma como aplica tudo o que são novas tendências mundiais neste âmbito“, refere Rui Nunes.

“Contudo, nas marcas em que pelo seu posicionamento, valores e audiência fizer sentido, claro que irão apostar como elemento diferenciador e para testar impacto. É tudo uma questão de estratégia que deve ser considerada em conjunto com todos os stakeholders. Dependendo do posicionamento da marca, penso que pode ser algo a testar para compreender se vale a pena ter continuidade na estratégia geral da mesma no mercado português. Contudo, há que delinear quais são os KPI’s que irão reger o sucesso ou não deste investimento”, acrescenta.

As marcas têm também de gerir uma certa contradição, pois ao mesmo tempo que cresce a apetência por influenciadores virtuais também é pedida “humanização, através de conteúdos mais orgânicos”. “É difícil definir uma estratégia com base nisto — no final do dia, o que mais importa é a gestão de cada comunidade e da expectativa que têm para os conteúdos de uma marca”, sublinha Inês Mendes da Silva, da Notable.

Apesar da tendência e embora já tendo recebido algumas propostas para trabalhar neste campo, a CEO avança que a agência que lidera se prefere manter fiel às pessoas “de carne e osso”, pelo menos “enquanto tal for possível”. “Criar uma pessoa que não existe e que, de alguma forma, foi concebida para influenciar as decisões dos utilizadores, parece-me que vai no sentido inverso àquele que a sociedade procura neste momento — a verdade“, defende.

As vantagens são várias, mas os desafios diversos

Mas, já havendo marcas a investir neste tipo de figuras, o que as leva a alocar parte dos seus orçamentos em influenciadores virtuais? O “controlo criativo absoluto” por parte das marcas é, desde logo, a principal vantagem na aposta em influenciadores virtuais, uma vez que, ao contrário dos influenciadores humanos, estes avatares digitais “transmitem exatamente a mensagem desejada, com total consistência estética, tonal e editorial“, diz Ricardo Torres Assunção.

Estão sempre disponíveis, podem operar globalmente sem limitações de tempo ou geografia e não enfrentam riscos reputacionais pessoais. Estas características fazem deles ferramentas especialmente úteis em campanhas de longa duração, reposicionamento de marca ou ativações em múltiplos mercados”, aponta o responsável da APAN.

Além do trabalho com influenciadores virtuais se traduzir em “mensagens totalmente controladas pelas marcas e nenhum risco de comportamentos imprevisíveis, tal como polémicas ou crises de reputação”, estes também não enfrentam barreiras físicas ou linguísticas, aponta também Inês Mendes da Silva, enquanto Tiago Froufe evidencia a curiosidade que estes avatares suscitam, abrindo portas para “experiências digitais interativas, como no metaverso ou realidade aumentada“.

Além disso, os influenciadores virtuais permitem uma “personalização em massa e eventualmente a possibilidade de criar vários perfis de acordo com a região/target que se pretende alcançar“, diz Rui Nunes.

Os resultados e engagement proporcionados por estes avatares são também elevados, com a novidade destes personagens a gerar frequentemente “curiosidade e buzz nas redes”, aponta Francisco Ascensão, indicando que dados da SocialTalk “mostram que vários destes influenciadores virtuais têm quase três vezes mais engagement que os reais em média“.

Mas nem tudo são rosas, pelo que o uso deste tipo de influenciadores também acarreta desafios. O principal passa desde logo pela autenticidade. “Sem experiência vivida ou ligação emocional real, os influenciadores virtuais podem ser percecionados como artificiais ou pouco credíveis, o que compromete o envolvimento, especialmente junto de públicos mais atentos à transparência”, diz Ricardo Torres Assunção.

O facto de gerarem menor empatia e conexão emocional, “que é valiosíssima na construção de comunidade” e não terem “vivências autênticas, experiências partilhadas e presença em eventos reais” são outros reveses.

Além disso, esta aposta envolve ainda um custo elevado associado com a criação e manutenção destas figuras, que exigem competências em áreas como modelação 3D, inteligência artificial, storytelling e gestão de reputação digital.

Em causa estão também desafios legais e éticos que permanecem em evolução, tornando fundamental uma abordagem cautelosa e informada por parte das marcas.

Os desafios éticos e legais em cima da mesa

Apesar do seu potencial, os avatares digitais levantam questões éticas e legais importantes. De quem é a responsabilidade pelo que publicam? Como se garante que o conteúdo não é enganoso? Como se protege o consumidor?

Não existindo em Portugal leis específicas direcionadas para influenciadores virtuais — que são abrangidos pelas mesmas normas da publicidade e marketing de influência tradicional — Francisco Ascensão recorda que se aplicam na mesma todas as regras do Código da Publicidade e defesa do consumidor, como seja o da necessidade de identificação de todos os conteúdos patrocinados por marcas como publicidade.

Já quanto à obrigação por lei de que os testemunhos pessoais em publicidade sejam genuínos e baseados em experiência real de quem os dá, surge uma “questão peculiar”. Não tendo um influenciador virtual, obviamente, experiências reais, como pode “opinar” sinceramente sobre um produto?

“Para contornar isto, as marcas devem ter cautela na forma como usam a voz do avatar. É aconselhável que a personagem não faça afirmações do género ‘Eu usei/experimentei este produto e resultou’, pois tal declaração literal poderia ser considerada enganosa. Em vez disso, pode apresentar o produto de forma descritiva ou inserir a opinião dos seus criadores (humanos) por detrás da personagem. É crucial não induzir o consumidor em erro quanto a experiências pessoais que o influenciador virtual não pode ter — respeitando o princípio da comunicação comercial leal”, diz Francisco Ascensão.

No plano legal e ético as empresas “devem tratar o influenciador virtual como tratariam um humano, seguindo as mesmas regras de publicidade responsável. Devem garantir autorização para usar a criação, identificar os conteúdos patrocinados e não lhe atribuir falsos testemunhos. Ser francas com o público, com inovação mas dentro dos limites da transparência e do respeito pelos valores do consumidor. Cumprindo isso, a utilização destes avatares pode prosperar sem atritos legais ou reações negativas significativas“, resume o CEO da SocialTalk.

Embora legalmente se apliquem, portanto, os mesmos princípios da publicidade tradicional, os influenciadores virtuais trazem novas questões, entende no entanto Tiago Froufe, como seja ao nível da transparência (é obrigatório indicar que se trata de um influenciador virtual?), da representação (que tipo de imagem corporal, identidade ou ideologia está a ser promovida?) e do consentimento e responsabilidade (quem responde por uma eventual violação ética ou cultural?).

Já Rui Nunes, que considera que os limites em termos legais “estão bem patentes” em regulamentos como o Digital Services Act, entende no entanto que, do ponto de vista jurídico, “é de suma importância que a todo o momento fique claro de que se trata de uma representação virtual e não de um ser humano verdadeiro”, assim como “deve ser claro quem é a entidade que produz e está na sua génese ou criação”.

Por outro lado, do ponto de vista ético “existe um terreno ainda mais pantanoso”, diz o membro da direção da APPM, apontando desafios relacionados com um eventual “reforço de padrões de beleza irreais ou hábitos menos saudáveis“, “apropriação cultural” ou “falta de diversidade“. “Temos ainda as implicações de modelos, atores e influenciadores humanos perderem espaço para IA’s mais baratas e controláveis, o que levanta questões do ponto de vista de precariedade e invisibilização de trabalho criativo“, diz.

“Encontramo-nos num plano não completamente coberto do ponto de vista legal ou ético, porque se trata de algo em que apenas mais recentemente se democratizou o acesso a ferramentas que qualquer marca pode utilizar para ter representações virtuais dos seres humanos de forma consistente. O sistema jurídico não está a conseguir acompanhar a velocidade de evolução destas tecnologias e o que as mesmas conseguem produzir. Daí que seja extremamente importante que as marcas tenham a responsabilidade de efetuar estas ações com transparência e ética, se não quiserem ser penalizadas na sua imagem e, eventualmente, do ponto de vista jurídico quando novas atualizações às normativas forem emitidas“, acrescenta Rui Nunes.

Para Inês Mendes da Silva, a legislação “está a seguir o seu caminho, no sentido de trazer para os conteúdos nas redes sociais o cumprimento de regras comuns”, com a líder da Notable a apontar como solução a existência de “profissionais competentes, que atestem os manuais de normas“.

Neste campo, a APAN recomenda a “rotulagem explícita de conteúdos patrocinados, sinalização clara de imagens digitais ou manipuladas, adoção de contratos formais e avaliação contínua dos impactos sociais, éticos e legais destas estratégias“. “Com enquadramento legal adequado, transparência comunicacional e respeito pela inteligência do consumidor, estas figuras digitais podem oferecer novas possibilidades criativas ao serviço da reputação, da notoriedade e da diferenciação das marcas”, diz Ricardo Torres Assunção.

No seu caso e exemplo concreto, o estúdio Falamusa diz que, para garantir que a sua atuação é “legalmente e eticamente correta”, procura “ser o mais transparente e honesto em todo o processo”, sendo que relativamente aos direitos de autor e imagem é também “bastante claro no que toca a todo o processo de criação da Olívia”.

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