PRR está sem auditorias ao controlo interno desde abril de 2023

Transmissão de informação entre entidades para verificar riscos de duplo financiamento com fundos europeus ainda é feito "através de ficheiros em Excel”, critica o Ministério Público.

O Ministério Público volta a apontar o dedo à Inspeção Geral de Finanças (IGF) por não ter “concluído qualquer auditoria” aos sistemas de controlo interno do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) desde abril de 2023. A procuradora-geral-adjunta, Ana Carla Mendes de Almeida, alerta ainda para os riscos de duplo financiamento.

No relatório de acompanhamento do Ministério Público (MP) na Comissão de Auditoria e Controlo (CAC) do PRR, relativo ao sexto pedido de pagamento, divulgado esta quarta-feira, o MP diz que “entre a apresentação do 3.º e 4.º pedidos de pagamento, em 4.10.2023, e a apresentação do 6.º pedido de pagamento, em 14.11.2024, não foi concluída qualquer auditoria por parte da IGF ou da DG ECFIN, sobre o sistema de controlo interno do PRR”.

Uma crítica que já tinha sido feita em relatórios anteriores porque daqui resulta que os “pedidos de pagamento têm sido apresentados e sido objeto de pareceres favoráveis da CAC, sem o suporte” destas auditorias, o instrumento que oferece “garantias de que, de facto, os sistemas e procedimentos implementados estão a funcionar e a ser efetivamente implementados”.

A gravidade da situação resulta do alerta que consta da última auditoria da IGF (abril de 2023): “O risco associado à execução física e financeira dos contratos celebrados com os beneficiários intermediários assume, em nosso parecer, um nível significativamente alto”. Estas auditorias visam garantir a proteção dos interesses financeiros da União Europeia e fazem parte do sistema de controlo interno do PRR.

“Não obstante a definição e aprovação pela Estrutura de Missão Recuperar Portugal de novos procedimentos relativos ao sistema de controlo interno do PRR, que abrangem uma multiplicidade de minutas, formulários, declarações, checklists e fichas, assim como de comunicações desta estrutura de missão dirigidas aos diferentes beneficiários sobre matérias relacionadas com a prevenção do duplo financiamento, do conflito de interesses, da fraude e da corrupção, a inexistência de relatórios de auditoria sobre o sistema de controlo interno do PRR, não permite concluir sobre a efetiva aplicação de tais procedimentos por parte da estrutura de missão, beneficiário intermediários, diretos ou finais”, lê-se no relatório do Ministério Público.

“Inexistindo outras auditorias concluídas pela IGF” desde abril de 2023, “que tenham por objetivo a verificação do efetivo funcionamento dos sistemas de controlo interno do PRR, desconhecem-se os resultados dos procedimentos e verificações eventualmente realizados por aquela entidade desde então, no que respeita ao cumprimento das medidas e procedimentos de controlo definidos e destinados à prevenção, deteção e correção da fraude, da corrupção, do conflito de interesses e do duplo financiamento”, sublinha o relatório que foi concluído a 13 de março, mas publicado apenas esta quarta-feira. O sexto pedido de pagamento foi solicitado por Portugal à Comissão Europeia em novembro de 2024 e pago a 30 de junho.

Por isso, o “Ministério Público continua a considerar que não há garantia de que todas as situações detetadas que possam consubstanciar uma irregularidade e ou fraude, pelos beneficiários intermediários, sejam sujeitos a tratamento adequado e encaminhadas às entidades competentes”.

A própria Comissão de Auditoria e Controlo (CAC) do PRR, no parecer positivo ao sexto pedido de pagamento reconhece que os sistemas de controlo interno do PRR evoluíram “de forma positiva”, no entanto, ainda são necessárias “melhorias nos procedimentos instituídos, designadamente nas matérias relacionadas com as recomendações pendentes, tendo em vista assegurar a sua integral conformidade com os requisitos regulamentares aplicáveis”.

Riscos de duplo financiamento

A Agência para o Desenvolvimento & Coesão (AD&C) realiza semestralmente uma análise sistemática de avaliação do risco de duplo financiamento, na qual concluiu que existem 11 sub-investimentos sinalizados como passíveis de envolver um risco elevado de sobreposição de ajudas. Mas em termos acumulados, o PRR apresenta 23 sub-investimentos com risco elevado de duplo financiamento.

Esta análise, concluída em outubro do ano passado, envolveu 4.797 projetos enquadrados em 52 sub-investimentos, e teve por base o cruzamento da informação registada no Balcão dos Fundos Europeus relativa aos apoios concedidos no âmbito do Portugal 2020 e Portugal 2030 (pela primeira vez), com os investimentos e reformas financiadas pelo PRR comunicados pela Recuperar Portugal, liderada por Fernando Alfaiate.

A agência liderada por Cláudia Joaquim deixa um alerta a Fernando Alfaiate: “A informação reportada pela Estrutura de Missão Recuperar Portugal necessita de melhoria de qualidade no que diz respeito à caracterização técnica das atividades da componente direta”. Isto para permitir um melhor entendimento sobre o âmbito das atividades apoiadas pelo PRR e diferenciação com os demais apoios comunitários.

“A AD&C caracteriza a qualidade da informação técnica caracterizadora dos projetos como sendo insuficiente e a análise sobre o duplo financiamento por si realizada foi concretizada de forma manual, sem que tenham ainda sido instituídos procedimentos automatizados, que permitam diagnosticar de forma mais efetiva e com menor risco, as eventuais duplicações de ajudas existentes”, lê-se no relatório.

Por isso, o Ministério Público, tendo em conta que o trabalho desenvolvido pela AD&C assentou em dados que “aparentam não ser os mais fiáveis”, questiona “a correspondente avaliação positiva feita, com um grau elevado de segurança”. E aponta o dedo ao facto de, no controlo ao duplo financiamento, não ser tido em conta outros apoios comunitários, como o Fundo Europeu Agrícola de Garantia (FEAGA), o Fundo para a Segurança Interna (FSI), o FAMI e o ERAMUS+, bem como as ajudas diretas.

A procuradora-geral-adjunta, Ana Carla Almeida, critica alerta ainda para o facto de “a transmissão de informação entre entidades, no âmbito dos procedimentos de verificação do risco do duplo financiamento, ainda ser feita através de ficheiros em Excel” o que “é demonstrativo da inoperância da interoperabilidade dos sistemas de informação”.

A IGF adjudicou uma auditoria à PwC que incidiu sobre os sistemas de informação da Recuperar Portugal, do Banco de Fomento e do IAPMEI, que foi concluída em outubro do ano passado e teve como objetivo “avaliar a adequação dos processos e dos sistemas de informação do PRR”.

Mas, “dos relatórios produzidos não consta qualquer conclusão relativa à interoperabilidade dos sistemas de informação daquelas entidades”, sendo que “foram identificadas um total de 45 deficiências” – 23 classificadas como de risco alto – e mais de metade (57%) na entidade liderada por Alfaiate, “suscitando a urgente necessidade de adoção de procedimentos de correção e conclusão da conceção dos sistemas informáticos”.

No relatório anterior, o Ministério Público acusava a IGF e a Comissão de Auditoria e Controlo (CAC), onde está também a presidente da AD&C, Cláudia Joaquim, de “obstaculizar” o seu trabalho de prevenção criminal, por não ter tido acesso a toda a documentação solicitada. Agora, a procuradora-geral-adjunta, Ana Carla Almeida, reconhece que houve “uma melhoria na forma como a CAC passou a responder aos pedidos de documentos por ocasião do 6.º pedido de pagamento”.

No entanto, “a documentação relacionada com matérias relevantes à prossecução das competências do Ministério Público, continua a não ser remetida por iniciativa da própria CAC, mas apenas a solicitação do mesmo Ministério Público”, lamenta a procuradora.

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