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Impresa, a urgência de um negócio para salvar a SIC e o Expresso

António Costa,

A família Balsemão está a negociar a entrada de um novo acionista na Impresa, a dona da SIC. A situação financeira do grupo exige um acordo nos próximos meses. Falta saber quem ficará a mandar.

O que se sabia dos corredores, suportado numa degradação financeira crescente, passou a ser oficial: Depois das perguntas e da notícia do ECO, o Impresa confirmou oficialmente as negociações com o grupo italiano MediaForEurope (MFE), fundado por Sílvio Berlusconi. Mas o que é que explica a urgência do negócio? Uma empresa à beira do precipício: A SIC anda a endividar-se para pagar dividendos à acionista Impresa SGPS, e mesmo assim não chega para a holding pagar os respetivos juros de empréstimos, menos ainda a estrutura. A entrada de dinheiro fresco é urgente para ultrapassar a situação financeira crítica da Impresa, com prejuízos históricos, erosão de capital próprio e liquidez quase inexistente.

Nos últimos meses, sucederam-se informações no mercado, sempre desmentidas, de que havia negociações para a abertura de capital da Impresa a outros acionistas. Mas estavam mesmo a decorrer. António Horta Osório entrou na administração da Impresa com esse objetivo, saiu sem o cumprir, e entrou outra figura central neste processo: Pedro Barreto, que tinha sido administrador do BPI — banco que suportou ao longo de décadas o grupo Impresa –, substitui Horta Osório e inicia um road-show junto de grupos familiares portugueses com um plano para investirem na Impreger, a holding da família Balsemão que controla ligeiramente acima de 50% da Impresa SGPS, sociedade cotada que, por sua vez, controla a SIC e o Expresso. O plano tinha a ambição de permitir uma recapitalização, mas mantendo a atual estrutura de poder, liderada pela família Balsemão.

O objetivo estava definido: Pedro Barreto e Francisco Pedro Balsemão (CEO) tentaram convencer seis a oito ‘family office‘, muitos delas famílias do Norte, a entrarem com cerca de oito milhões de euros cada (em capital e prestações acessórias), mas, perante o risco, e a situação financeira crescentemente apertada, nenhuma aceitou o desafio. Ficou, no final, a família Soares dos Santos, que admitiu entrar sozinha na operação, com um investimento acima dos 50 milhões de euros. Exigia um ‘haircut’ da banca, de pelo menos 30%, e poder de decisão nos destinos do grupo. Ao que o ECO apurou, em determinado momento, houve mesmo a possibilidade de a família Soares dos Santos entrar em parceria com um investidor da indústria, precisamente a Mediaset, grupo italiano que, desde 2021, tem a denominação de MFE – MediaForEurope, através da consolidação da Mediaset Itália e Mediaset España, permitindo sinergias nos dois mercados.

O entendimento com a família que controla a Jerónimo Martins caiu, mas ficaram os italianos, um gigante comparado com a Impresa, que fatura cerca de três mil milhões de euros e tem operações em Itália, Espanha e Alemanha. E caminha para ter agora em Portugal. Financeiramente, a MFE — cotada nas bolsas de Milão e Madrid — mantém resultados sólidos. Em 2024, a receita consolidada atingiu 2,95 mil milhões de euros, com lucros de 137,9 milhões de euros. Já este ano, o grupo liderado por Píer Silvio Berlusconi registou um lucro líquido de 51,4 milhões de euros. A dívida líquida consolidada caiu para 460,9 milhões de euros, uma queda de 33,3% em relação aos 691,5 milhões no final de 2024, enquanto a dívida financeira líquida ajustada caiu para 340,7 milhões.

O que torna, afinal, o negócio uma urgência?

Em junho, Francisco Pedro Balsemão afirmou no congresso da APDC: “Não estamos fechados à entrada de entidades ou pessoas de fora. Se for uma relação win-win, não fechamos essa porta”. Perante o quadro financeiro do final de 2024 — e 2025 ter-se-á agravado –, as portas estão agora escancaradas. Vamos aos números da ‘mãe’ e da ‘filha’ em 2024, últimos números (negros) oficiais e comunicados ao mercado, piores de ano para ano.

A ‘empresa-mãe‘, a Impresa SGPS, é a empresa cotada, mas a sua fonte principal de receitas é a SIC, a ‘empresa-filha‘ operacional, e uma vive basicamente à custa da outra. A SGPS não tem receitas próprias e depende integralmente dos dividendos distribuídos pelas suas subsidiárias, a SIC e, em menor grau, a Impresa Publishing, que tem o Expresso. Em 2024, segundo o relatório e contas, o dividendo recebido pela holding foi de 8,3 milhões de euros, só que os seus encargos financeiros ascenderam a 8,4 milhões de euros. Ou seja, os dividendos já não chegam para pagar sequer os juros, muito menos os restantes custos de estrutura.

O relatório e contas de 2024 deixou claro o estado de fragilidade da Impresa SGPS. O grupo registou perdas líquidas de 56,1 milhões (em termos individuais), e um prejuízo consolidado de mais de 66 milhões, sem paralelo, em grande parte devido a uma imparidade de 53,9 milhões de euros em participações financeiras. Esta decisão contabilística destruiu valor e levou o capital próprio da holding para 93,8 milhões, face a 150 milhões em 2023, uma quebra de 37%. Neste contexto, a erosão patrimonial traduziu-se numa autonomia financeira de apenas 42%, em forte queda face a anos anteriores, e expôs a necessidade de recapitalização. E o negócio com o grupo italiano que está agora em cima da mesa.

A situação de tesouraria, medida a 31 de dezembro de 2024, é ainda mais severa. A liquidez imediata fixou-se em 0,03, um rácio que significa que, para cada euro de obrigações de curto prazo, a Impresa SGPS só tem três cêntimos disponíveis. O fundo de maneio, esse, era negativo em quase 107 milhões de euros e confirmava uma incapacidade estrutural de cobrir responsabilidades correntes com os ativos disponíveis.

O quadro de dificuldades não termina aqui. Uma das rubricas mais relevantes do balanço da Impresa SGPS mostra 85,7 milhões de euros de “Acionistas/sócios” no chamado passivo corrente, isto é, dívidas da empresa aos seus próprios acionistas, classificadas como obrigações de curto prazo. Esse valor é elevado quando comparado ao ativo corrente total, e significa que a Impresa depende hoje de financiamento informal que pode, a qualquer momento, “cobrar juros” ou exigir vencimento.

É aqui que chegámos à chamada ‘empresa-filha‘. A SIC ainda é a máquina de gerar receitas do grupo, mas os dividendos que alimentam a Impresa estão a ser pagos à custa de dívida e de erosão dos capitais próprios. É um castelo financeiro com fundações cada vez mais estreitas. Os resultados operacionais (ainda) são positivos, mas sem capacidade de sustentar dividendos no nível exigido pela holding sem recorrer a endividamento. Dito de outra forma, a empresa-mãe depende da SIC, mas a SIC está a comprometer a sua própria saúde financeira para alimentar a holding.

Em 2024, a SIC faturou 151,2 milhões de euros (-1,3% face a 2023) e obteve um resultado líquido de 4,8 milhões, menos 43% em termos homólogos, EBITDA ajustado (resultado operacional) cresceu 11% para 17,4 milhões, sinal de que a operação revelou margem de resiliência, mas a rentabilidade líquida degradou-se.

Estrutura financeira:

  1. Capital próprio: 17,6 milhões (21,1 milhões em 2023, uma quebra de 17% num só ano).
  2. A autonomia financeira: 8,97% (abaixo do nível de risco, fixado em 10%)
  3. Solvabilidade: 9,86%

Neste contexto, é evidente o nível de alavancagem, isto é, de endividamento da SIC. Para cada euro de capitais próprios, havia no final de 2024 dez euros de dívida. Segundo o relatório e contas, só em passivo não corrente (isto é, dívida de médio e longo prazo), o salto nas contas de 2024 foi de 66,2 milhões para 96,3 milhões, um aumento de 45%. Já o fluxo de caixa operacional foi negativo em 1,25 milhões em 2024, depois de ter sido positivo em 3,7 milhões em 2023. Assim, a sociedade só melhorou a ‘caixa’ através do financiamento (entrada de 35,6 milhões em novos empréstimos) e dividendos recebidos (880 mil euros). Ou seja: para distribuir dividendos à holding, a SIC endividou-se.

Neste contexto, as emissões de obrigações, com o recurso a ‘caras’ da estação em campanhas de publicidade, foram a solução possível, mais cara, para arranjar financiamento que os bancos passaram a cortar. A SIC emitiu em julho de 2024 um novo empréstimo obrigacionista a retalho de 48 milhões de euros, com taxa de juro fixa de 5,95% ao ano e maturidade em julho de 2028. A procura, atraída pelo juro pago, levou a empresa a aumentar a oferta, de um valor inicial de 30 milhões, num sinal da dependência do grupo de financiamento junto dos pequenos investidores.

Esta emissão serviu também para viabilizar a troca parcial das obrigações SIC 2021–2025, que pagavam 3,95% e tinham vencimento previsto para junho de 2025. Os obrigacionistas aceitaram antecipar o reembolso, permitindo alongar prazos e aliviar pressões imediatas de tesouraria, ainda que a custo de um juro mais elevado.

Veja o círculo vicioso:

SIC, a ‘filha’ que paga a conta:

  • Lucro em 2024: 4,8 milhões de euros
  • EBITDA: 17,4 milhões de euros
  • Volume de negócios: 151 milhões de euros
  • Dividendos: 8,3 milhões de euros (quase o dobro do lucro do ano)
  • Fluxo de caixa operacional: ~ 1,25 milhões de euros
  • Capitais próprios: 17,6 milhões de euros
  • Autonomia financeira <10%

Impresa SGPS, a ‘mãe’ endividada

  • Prejuízo consolidado: 66,4 milhões de euros
  • Earning Per Share: -0,394 cêntimos
  • Prejuízo da Impresa (contas individuais): 56,1 milhões de euros
  • Capitais próprios: 93,8 milhões de euros (e a descerem de forma acelerada)

Tendo em conta os resultados da SIC, como é que financia os dividendos que paga à Impresa SGPS?

Há basicamente quatro fontes de financiamento:

  1. Dívida financeira (bancos e afins). Em 2024, a SIC registou entradas de “Financiamentos obtidos” de 35,6 milhões de euros e amortizações de 14,5 milhões. O saldo positivo desta rubrica, cerca de 21 milhões, é a principal fonte líquida de caixa no ano, e foi daqui que saiu a “margem” para pagar dividendos a montante.
  2. Rendimentos financeiros recebidos (juros), muito provavelmente de empréstimos intragrupo. A SIC recebeu 5,7 milhões de euros em “Juros e rendimentos similares” em caixa em 2024. Este encaixe recorrente ajuda a compensar um cash-flow operacional negativo e reforça a almofada de liquidez usada para financiar dividendos.
  3. Existe ainda a rubrica “Accionistas/sócios” de 85 milhões de euros no ativo não corrente. Tipicamente, configura empréstimos concedidos ao acionista (a SGPS), que tende a gerar juros a receber os rendimentos financeiros identificados em cima.
  4. Finalmente, dividendos recebidos de participadas. Em 2024, a SIC recebeu 880 mil euros em dividendos, uma entrada de caixa modesta, mas que também entra na “pool” que ajuda à distribuição daqueles 8,4 milhões de euros à Impresa GGPS.

Sistematizando, de onde veio (e para onde foi) o dinheiro da SIC?

  • Dívida nova: 35,6 milhões.
  • Pagou dividendos: 8,3 milhões de euros.
  • Amortizou dívida antiga: 14,6 milhões de euros.
  • Recebeu Juros: 5,7 milhões
  • Recebeu dividendos: 880 mil euros.
  • Resultado Operacional: -1,3 milhões.

O quadro é simples de perceber, os dividendos para pagar à Impresa SGPS dependem de financiamento, e virtualmente impossível de resolver sem uma entrada de capital fresca (e forte). O balanço da SIC revela 85 milhões de euros a receber do acionista, a Impresa SGPS, mas a holding, como fica claro, tem capitais próprios e resultados sob forte pressão.

A SIC tem assim duas alternativas ‘impossíveis’: Cortar dividendos e ‘secar’ a cotada Impresa SGPS, com consequências imprevisíveis, ou aumentar a dívida, que já está num nível elevado e a pressionar os rácios, e fazer espoletar os chamados ‘covenants’, isto é, as cláusulas que permitem aos credores exigir o reembolso imediato de empréstimos. Dito de outra forma, se a SGPS não reembolsar (ou renegociar?) estes financiamentos, a SIC fica ‘entalada’ entre juros e um dividendo que é superior ao seu próprio lucro, a bomba-relógio que agora está nas mãos da família de Berlusconi.

Nas contas consolidadas da Impresa SGPS entram ainda as da Impresa Publishing, a segunda ‘empresa-filha’ que edita o Expresso. Segundo o relatório e contas daquela sociedade, o volume de negócios em 2024 foi de cerca de 23 milhões de euros (-6% face a 2023), o EBITDA de cerca de 1,83 milhões (+6%) e o resultado líquido foi de 1,5 milhões, uma ligeira descida face ao ano anterior. De resto, as contas mostram um balanço em 2024 ‘arrumado’ por operações de engenharia financeira dentro do universo empresarial. A eliminação do saldo de “acionistas/sócios” a receber (de 6,56 milhões de euros para zero) e a queda dos “Outros instrumentos de capital próprio” de 29 milhões para cerca de 400 mil euros apontam para operações intragrupo, seja perdão, compensação ou eventualmente reclassificação.

Com capitais próprios de 2,9 milhões de euros e uma autonomia financeira da ordem dos 20%, esta subsidiária é a ‘boa-filha’, mas tem uma folga limitada para distribuir dividendos relevantes à holding.

Não estamos fechados à entrada de entidades ou pessoas de fora. Se for uma relação win-win, não fechamos essa porta.

Francisco Pedro Balsemão

Para já, o comunicado da Impresa admite oficialmente que a Impreger, a principal acionista nesta cascata de empresas, está a “desenvolver contactos, em exclusividade, com o grupo MFE com vista à avaliação de potenciais operações societárias para a aquisição de uma participação relevante na Impresa”, mas não se sabem os termos do negócio. A referência a uma “aquisição” pode ser uma força de linguagem, e o caminho poderá vir a ter duas alternativas: A Mediaset compra a empresa operacional, a SIC, deixando de fora a Impresa Publishing, que tem o Expresso, ou avançar para um aumento de capital da Impreger ou da própria Impresa SGPS, que servirá para reforçar os capitais e a estrutura financeira do grupo, diluindo assim todos os outros acionistas.

Sobra, sobre o que vier a ser o negócio com a MFE, uma pergunta, ainda sem resposta: Quem ficará a mandar no ‘novo’ grupo?

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