“Ainda há muito trabalho pela frente” na descentralização, admite ministra da Coesão

Ministra da Coesão Territorial admite que "ainda há muito trabalho pela frente" na descentralização, em 2023, como é caso da transferência de competências das áreas portuárias, estradas ou habitação.

A descentralização foi um dos temas quentes de 2022, com críticas e protestos em várias frentes, sobretudo na área da educação. Alguns autarcas receavam que a transferência de competências pusesse em risco os cofres municipais, mas o Governo acabou por acenar com um envelope financeiro que aplacou alguns receios. Mas, “há ainda muito trabalho pela frente com as outras áreas” como as portuárias, estradas ou da habitação, assegura ao ECO/Local a ministra da Coesão Territorial.

Durante o ano de 2023, “falta concluir o processo em áreas que não se discutem de forma tão pública, como nos portos, nas estradas ou na habitação, onde o processo de descentralização deve ser aprofundado, só para dar alguns exemplos“, avança Ana Abrunhosa, admitindo que “mais do que difícil, o processo de transferência de competências para as autarquias é sobretudo complexo, devido às inúmeras áreas que engloba”, num total de 21.

Ana Abrunhosa lembra-se bem quando lhe chegou às mãos todo o processo. “O momento mais complicado terá sido a primeira semana, quando recebi o dossiê e percebi que ainda havia muito para negociar com a ANMP [Associação Nacional dos Municípios Portugueses] e com os próprios autarcas“.

A presidente da ANMP concorda que “há um longo caminho a percorrer, em 2023, e que é preciso continuar atento a todo o processo”. A autarca socialista da câmara de Matosinhos admite, contudo, que possam surgir alguns obstáculos pelo caminho. “Não ignoramos que haverá dificuldades em muitas das áreas. Há mais 17 domínios, como as áreas portuárias ou as vias de comunicação, que já foram transferidos e é preciso estar atento, [tendo em conta que] ainda há trabalho para fazer, por exemplo, em matéria de estacionamento público, dos portos ou das praias” nos vários concelhos, realça ao ECO/Local, Luísa Salgueiro.

Não ignoramos que haverá dificuldades em muitas das áreas. Há mais 17 domínios, como as áreas portuárias ou as vias de comunicação, que já foram transferidos e é preciso estar atento, [tendo em conta que] ainda há trabalho para fazer, por exemplo, em matéria de estacionamento público, dos portos ou das praias.

Luísa Salgueiro

Presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses

Ao todo, são 21 áreas, tendo sido a educação, a saúde e a ação social as que estiveram mais sob os holofotes do país. Ainda assim, a ministra Ana Abrunhosa considera que esta reforma administrativa já trouxe alterações significativas. “Temos 21 áreas em que já houve mudanças profundas com a descentralização de competências, mas evidentemente que ainda temos muito trabalho pela frente com as outras áreas governativas e com as autarquias”, sustenta. Além das áreas portuárias e vias de comunicação, há ainda cultura, a proteção civil, a habitação ou a Justiça.

Também a presidente da ANMP admite que “ainda há muito por fazer para aperfeiçoar o processo e pôr tudo o que está previsto em marcha”. Em causa está a execução das transferências nos domínios da educação — com as obras nas escolas, por exemplo –, na ação social ou na saúde, sendo que “a mudança do titular da pasta da Saúde e de toda a equipa também atrasou o processo“, diz Luísa Salgueiro.

Neste domínio ainda há muito trabalho a concluir. “O Ministério da Saúde pediu um prazo até 31 de março para terminar os diplomas que são necessários para avançar com o processo da descentralização. São diplomas referentes ao rácio das viaturas, ao número de funcionários a afetar, a intervenções nos equipamentos dos edifícios”, explica Luísa Salgueiro. “Também vai ser feito um mapeamento dos edifícios que precisam de intervenção”, acrescenta.

A ministra da Coesão garante que “as competências já todas foram transferidas. O que existe, como [acontece na área] da saúde, são câmaras que ainda não as exercem. Mas é apenas uma questão de tempo” até estar tudo concluído. Na área da saúde, a transferência de competências exige um auto assinado entre o Ministério da Saúde e a autarquia, e ainda temos muitos autos por concretizar“, avança Ana Abrunhosa. Ou seja, especifica, “de um universo de 201 municípios onde a descentralização é possível, apenas 54 municípios estão atualmente a exercer essas competências”.

Em matéria de saúde, o presidente dos Autarcas Social Democratas (ASD), Hélder Silva, considera que a descentralização “é uma trapalhada” ainda maior do que nas outras áreas. “Enquanto na educação temos assistentes técnicos e operacionais — mas não temos os professores –, na saúde só temos os assistentes operacionais, porque os técnicos e todo o restante pessoal, que diz também respeito aos exames complementares de diagnóstico, médicos e enfermeiros, ficaram de fora do processo de descentralização”, detalha o também presidente do município de Mafra.

“A descentralização é uma trapalhada imposta aos autarcas com prazos bem definidos, como foi o caso da educação, e outros também mal definidos como é acontece na saúde e outros prorrogados como a ação social”, acusa Hélder Silva.

A socialista Luísa Salgueiro está otimista e espera que “se consolide o trabalho que foi feito relativamente às três áreas da educação, saúde e ação social” cujos acordos com o Governo já foram assinados. O acordo mais recente foi no domínio da ação social, assinado a 3 de janeiro deste ano, entre a ANMP e o Governo, e com uma série de alterações resultantes das reivindicações dos autarcas às quais o Governo acabou por ceder. Os domínios da educação e saúde constaram do acordo celebrado a 22 de julho de 2022. E depois de várias rondas de negociação em torno da transferência de competências, que se prolongaram durante meses, com reparos políticos pelo meio.

O Ministério da Saúde pediu um prazo até 31 de março para terminar os diplomas que são necessários para avançar com o processo da descentralização. São diplomas referentes ao rácio das viaturas, ao número de funcionários a afetar, a intervenções nos equipamentos dos edifícios.

Luísa Salgueiro

Presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses

Apologista de que ainda há alguns degraus a subir neste processo, Luísa Salgueiro sublinha que “primeiro é preciso que as autarquias assumam as competências que estão previstas e aquelas que já o fizeram que coloquem os serviços ao dispor das populações no sentido de lhes demonstrar as vantagens das competências deixarem de estar na Administração Central e passarem para a Administração Local”. Como aconteceu em Matosinhos que, em abril de 2022, já assumiu as competências na área social, e “deixou de ser a Segurança social, num processo altamente burocrático, a atender os pedidos dos municípios e passou a ser a câmara com maior celeridade”, descreve a socialista.

Matosinhos também é um exemplo na transferência de competências na educação, uma área que já assumiu há alguns anos. “A par do currículo escolar nacional, este processo permitiu criar um currículo local com matérias específicas de Matosinhos, como as questões do mar e das pescas, o património local e a arquitetura, entre outras”, enumera a autarca.

O presidente da Câmara Municipal de Braga discorda do bom rumo da descentralização em 2023. “Tendo uma discordância alargada com a forma como o processo de descentralização tem sido conduzido, não creio que o próximo ano possa trazer alterações substanciais que me permitam olhar para o mesmo com uma perspetiva mais positiva”, diz Ricardo Rio.

O autarca social-democrata acredita que 2023 “será seguramente o ano em que a descentralização das áreas da saúde e da ação social passarão a ser transferidas coercivamente, o que é sempre um mau princípio”. Até porque, o edil não duvida de “que se vão manter bolsas bastante alargadas de contestação”. Ricardo Rio defende, por isso, que “essa «oposição» deve ser sobretudo dirigida para uma monitorização contínua do processo e a introdução das correções que, em cada área, e em cada momento, se revelem necessárias”.

Será seguramente o ano em que a descentralização das áreas da saúde e da ação social passarão a ser transferidas coercivamente, o que é sempre um mau princípio.

Ricardo Rio

Presidente da Câmara Municipal de Braga

O presidente dos ASD também não está de todo satisfeito com o processo da descentralização. “Nós, os autarcas social-democratas, queríamos muito mais, mas também compreendemos que — dado que o Governo não tem sido capaz de fazer mais nem melhor — é preferível fechar a porta deste nível de descentralização do que estarmos a pedir mais competências, já que o Governo não tem sido capaz de organizar o processo da forma que todos nós desejávamos”, aponta o edil de Mafra.

A descentralização no ano de 2022

Para Luísa Salgueiro, “o ano que terminou foi decisivo, exigente e trabalhoso, mas com excelentes resultados que, neste momento, correspondem à grande maioria das reivindicações que eram colocadas por todos os autarcas nos domínios da educação, saúde e ação social”.

Mais, sustenta a presidente da ANMP: “Avançámos muito, alterámos significativamente quer os valores, quer as regras que regem a educação, saúde e ação social”. Esta situação, reitera, “permite ter, por um lado, um maior equilíbrio do ponto de vista financeiro relativamente às exigências que existiam da parte dos municípios, mas sobretudo um maior reforço das competências e maior capacidade de resposta às populações. É esse o grande balanço do trabalho da descentralização que está feito até ao momento”.

Para Luísa Salgueiro, a educação foi a área “mais trabalhosa“, mas acabou por haver consenso, nomeadamente no que diz respeito, exemplifica, “às verbas para as câmaras realizarem as obras de manutenção dos equipamentos que recebem com a transferência de competências, quer as áreas cobertas quer as áreas descobertas, que ficaram todas muito reforçadas“.

Muita tinta correu durante todo o processo, em 2022, desde a saída do líder do município independente do Porto, Rui Moreira, da ANMP até às subsequentes “ameaças” de outros autarcas de que lhe iriam seguir os passos por discordarem do envelope financeiro que iriam receber do Estado, no âmbito da transferência de competências na área da educação. E com consequências nefastas, garantiam, para a saúde financeira dos municípios.

Resolvida esta questão, Rui Moreira continua fora da ANMP e Luísa Salgueiro, por sua vez, só tem a assegurar que “as regras, que são aplicadas ao município do Porto, são aquelas que resultam do acordo que a associação fez com o Governo para todos os 307 municípios“. Questionada se a autarquia da Invicta sai prejudicada com esta decisão de ter saído da ANMP, a socialista acredita que sim. “A câmara do Porto sai prejudicada, porque fica isolada. Temos sempre mais força quando estamos unidos“, nota a autarca da câmara socialista de Matosinhos.

Para o presidente da Câmara Municipal de Braga, “2022 teve, por um lado, progressos, alguns significativos, materializados nos acordos celebrados pela ANMP, mas teve também o repetir de erros antigos e questões importantes a serem tratadas com alguma ligeireza”. Critica por isso, o “incumprimento de prazos estabelecidos” o que, desde logo, “mina a relação de confiança que deve regular o diálogo institucional”.

O presidente da Câmara Municipal de Lousada, Pedro Machado, defende que “o Governo poderia ir mais além nalgumas áreas, como nas estradas”, adiantando que o município já propôs ficar com a gestão das estradas nacionais, mas continuando a ser a competência e domínio da responsabilidade do Estado.

Admitindo que o processo superou as suas expectativas, o autarca socialista considera que “a única dificuldade residia na questão financeira, porque nalguns casos as verbas propostas aos municípios não eram suficientes para fazer face às competências que eram transferidas”, frisa.

Mas Lousada também foi uma voz crítica. “Ainda não recebemos as competências na ação social, porque entendíamos que a verba proposta não era suficiente. Agora, a nossa posição acabou por ser validada com esta negociação, porque vamos ter um incremento substancial de verbas na ordem dos 500 mil euros e inicialmente estavam a propor-nos 174 mil euros”, conclui Pedro Machado.

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