Há o risco de mais câmaras seguirem pisadas do Porto e deixar a ANMP, diz presidente da CCDR Norte

"O Estado todos os dias perde oportunidades no tempo de resposta que tem do ponto económico, social e ambiental", diz o presidente da CCDR Norte, que apela à urgente reforma do Estado.

O Presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte (CCDR) antecipa, em entrevista ao ECO, que a próxima fase das negociações de descentralização de competências do Estado central para as autarquias vai ser “muito difícil e exigente”. Para setembro está prevista a segunda ronda de negociações para obter um acordo setorial da Ação Social, que o Governo gostaria de ver fechado até outubro para entrar em vigor em janeiro de 2023.

Mas como este é “o pacote de discussão mais difícil”, a “exigência vai ser mais elevada, tal como o potencial nível de conflitualidade”. Por isso António Cunha admite que “há o risco” de outras câmaras seguirem as pisadas de Rui Moreira e optarem por sair da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) que é a interlocutora do Governo nesta negociação.

António Cunha defende a necessidade de reforma do Estado através da regionalização. “A reforma do Estado é algo que tem de acontecer. Temos um certo Estado central que já deu provas de falência em termos de capacidade de resposta”, diz o responsável. E para o Orçamento do Estado de 2023 (OE2023) gostaria de ver já inscritas verbas que permitam a integração de vários serviços regionalizados do Estado nas CCDR, algo que está previsto no programa de Governo e que não representa qualquer acréscimo de despesa garante.

Antecipa que a negociação da descentralização de competências ao nível da ação social seja igualmente dura, como foram os capítulos da educação?

Será sempre um processo muito difícil e exigente para todos os parceiros. É indiscutível a determinação do primeiro-ministro em querer avançar neste processo. É certamente um dos pontos-chave e enquadradores desta evolução. Há também uma vontade inquestionável das autarquias em quererem evoluir neste sentido e estamos a falar, devido ao que aconteceu nos últimos meses, da descentralização para os municípios (embora pudesse ter um espetro mais alargado).

As autarquias são sempre muito exigentes, porque o nível de exigência e escrutínio que os cidadãos vão pôr quando uma escola, centro de saúde ou social está numa autarquia é muito maior do que quando estão dependentes do Governo central. Isto é positivo. Os autarcas naturalmente tentam garantir ter as condições para fazer aquilo que os seus cidadãos vão exigir.

Este é um processo difícil para além de todas as questões que estiveram por trás deste processo ao início, de equívocos da qualidade da informação que é feita de suporte a este processo, porque nos primeiros momentos não terá sido a mais adequada, mas depois melhorou muito nesta fase mais recente. Devemos perceber que vai ser um processo naturalmente exigente e por isso todas as partes vão ser exigentes. Mas há determinação e vontade quer do Governo quer das autarquias em evoluir nesse sentido. Estou certo que o desfecho será positivo.

Teme que haja situações idênticas à da Câmara Municipal do Porto? Por via dessa exigência, não satisfeitas com o resultado da negociação optem por sair da ANMP?

É certo que estamos talvez no pacote de discussão mais difícil, que é o pacote social. A exigência vai ser mais elevada, tal como o potencial nível de conflitualidade. Há esse risco. Foram dados passos muito importantes no nível de articulação e diálogo entre o Governo e a ANMP foi robustecido.

Estamos hoje numa situação de negociação muito mais evoluída e avançada do que há uns meses – a própria estrutura do atual Governo, a forma como a ministra Ana Abrunhosa tem enfrentado este desafio e a experiência que tem neste particular. Não querendo relativizar a dificuldade que o assunto vai ter, as partes iniciam esta negociação num nível mais aprofundado, que permite antever que haverá um desfecho positivo.

A maioria absoluta do Governo ajuda ou prejudica a negociação?

Face ao que aconteceu na negociação anterior o Governo poderia ter imposto uma determinada solução e foi claro da parte do primeiro-ministro a vontade de negociar e conseguir uma aproximação entre as partes e um resultado que deixasse todos mais confortáveis.

No caso da saúde, o processo já teve início, mas a nível nacional o SNS está envolto em problemas e críticas. Isso vai prejudicar o processo de descentralização de competências nesta área.

Estamos num processo reconhecidamente difícil, por tudo aquilo que envolve pelo facto de estarmos na ressaca de um processo que foi altamente violento para todo o sistema que foi a crise pandémica. Há um reconhecimento generalizado de todas as forças políticas e do próprio Governo de que há necessidade de fazer mudanças. O próprio Governo tem um novo diploma legal de enquadramento sobre o SNS. Há o reconhecimento de que há mudanças que têm de ser feitas. Vamos ver o que vai acontecer.

Dada a forma como está a decorrer o processo de descentralização, a regionalização vai ser possível?

A regionalização não é um fim em si mesmo. É algo importante, mas o desafio com que estamos confrontados é de uma profunda reforma do Estado. É algo que tem de acontecer. Temos um certo Estado central que já deu provas de falência em termos de capacidade de resposta e há um modelo que foi ficando incrustado e que se já era mau há 20 anos, hoje as suas patologias foram-se agravando.

Além disso, o mundo mudou, exige respostas mais rápidas, integradas e multissetoriais. Dificilmente hoje temos um assunto setorial: um assunto de urbanismo é também social e ambiental, um assunto de desenvolvimento económico tem componentes sociais de diversas naturezas, etc. Isso exige uma concertação de atores das entidades do Estado ligadas a esses setores que traz muito à ideia de concertação. Ela tem de se fazer numa dimensão regional.

A nossa questão é como vamos reformar o Estado. Poderíamos fazê-lo de outra maneira, fazendo um reforço muito mais significativo das competências dos municípios, mas todos sabemos que há dimensões que não podem ser feitas à escala municipal, mas a uma escala que envolve articulação de serviços, de estruturas de diversa natureza.

O que temos de fazer é pensar como reformar o Estado. Para pessoas com a minha linha de pensamento, achamos que a maneira mais adequada é este processo de regionalização. Mas neste momento estou disponível para este debate da reforma do Estado. Sendo que um Estado de proximidade é que reponde aos desafios de hoje. O Estado todos os dias perde oportunidades no tempo de resposta que tem do ponto económico, social e ambiental.

O que gostaria de ver inscrito no OE2023?

Tem sido anunciado pelo Governo e está no seu programa a vontade de uma evolução significativa ao nível da integração de vários serviços regionalizados do Estado de várias estruturas nas Comissões de Coordenação. Esse será um dos passos da reforma do Estado. Para isso ser efetivo é preciso que comece a ser previsto no próximo Orçamento do Estado. Isso não significa mais despesa, de modo nenhum, apenas que terá de estar prevista essa mudança e operacionalização nomeadamente nos orçamentos das entidades que vão receber essa estruturas e com a consequente desafetação dessas verbas das entidades ou ministérios onde elas estão.

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