Quais os impactos da retirada do selo azul no Twitter a quem não pagar por ele?
Esta medida pode acarretar "implicações muito sérias para a qualidade do discurso público na plataforma", avisa Francisco Morgado Véstia, diretor da Samy Alliance.
Desde que Elon Musk comprou o Twitter as mudanças na plataforma têm sido vários. Uma das mais recentes, e porventura das mais polémicas, é a de ter relançado o Twitter Blue, um serviço premium. Mas, para além disso, Musk retirou o selo azul de verificação àqueles que se recusaram a pagar esta subscrição. Que consequências pode ter esta ação no futuro da plataforma e que impactos podem sofrer as marcas, personalidades e influencers?
O Papa, Trump, Justin Bieber, Cristiano Ronaldo, Bill Gates, Lady Gaga ou Beyoncé foram algumas das personalidades que perderam recentemente o ‘selo azul’ no Twitter, depois de Elon Musk ter cumprido a promessa de retirar o crachá aos que se recusassem a pagar pelo Twitter Blue. Previamente, o dono do Twitter também já havia retirado o selo dourado (que indica que se trata de uma conta comercial oficial do Twitter Blue) ao jornal The New York Times.
O selo de verificação servia precisamente para destacar os utilizadores mais importantes ou conhecidos da plataforma, de modo a evitar a propagação ou confusão com contas falsas que se quisessem fazer passar por uma personalidade ou marca. No Twitter, este selo de verificação era conferido gratuitamente às personalidades ou marcas que verificassem efetivamente a sua identidade, de forma gratuita, como aliás ainda acontece nas outras redes sociais, como o Facebook, Instagram ou TikTok.
Mas com esta retirada do selo a quem se recuse a pagar pela versão “premium” da plataforma, “os influenciadores e marcas podem perder a sua credibilidade aos olhos dos utilizadores e dos seus seguidores. E isto pode ter implicações graves, especialmente para aqueles que dependem do Twitter para se conectarem com o seu público-alvo“, avisa Francisco Morgado Véstia, diretor em Portugal da Samy Alliance, em declarações ao +M.
Também questionado pelo +M, João Pedro Bernardes, coordenador da pós-graduação Social Media e Marketing de Conteúdo do IPAM (Instituto Português de Administração de Marketing) alerta que este selo “ajudou na construção de confiança e credibilidade com os seguidores” e que sem ele “a possibilidade de as contas serem confundidas com outras que não são autênticas ou representativas pode aumentar, o que pode levar a uma perda de seguidores e a um possível dano da imagem das personalidades e marcas“.
“Outra implicação poderá passar pela perda de ‘visibilidade’, que tanto marcas como personalidades, poderão sentir na própria rede social, por não optarem pela subscrição do selo azul. Esta menor visibilidade poderá resultar numa dificuldade em atrair novos seguidores. Isto significa que, ao não optar por terem o selo azul ao lado do seu nome, personalidades / marcas verão uma menor distribuição dos seus conteúdos pelo algoritmo do Twitter, que apenas irá entregar conteúdo na timeline do ‘For You’, se a conta tiver o dito selo azul – palavras de Elon Musk”, explica o docente.
As consequências da perda de crachá, no entanto, são maiores para as personalidades do que para as marcas, acredita João Bernardes, na medida em que as personalidades costumam ter uma imagem pública “mais forte e mais facilmente associada ao selo azul”, em comparação com as marcas que “têm outras formas de validação da sua autenticidade e credibilidade, como o registo de marca e a presença online consistente”.
As marcas beneficiam ainda da exceção aberta por Elon Musk, depois de o Twitter ter anunciado que as dez mil organizações com mais seguidores, bem como os 500 maiores anunciantes, que já tenham sido verificados, poderão manter o selo azul de forma gratuita.
Outra exceção recai sobre as empresas que já investem mais de mil dólares mensais (cerca de 911 euros) em publicidade no Twitter, às quais será conferida a verificação, segundo a Bloomberg.
No caso específico de personalidades como Cristiano Ronaldo ou Beyoncé, uma vez que as suas contas são já altamente reconhecidas pelos utilizadores do próprio Twitter, estes poderão sentir menos o efeito da perda do selo azul. Quem poderá ‘sofrer’ mais com a perda do selo azul serão os influenciares digitais/criadores de conteúdo. Isto porque, para quem trabalha e ‘vive das redes sociais’, a perda do selo azul e dos seus benefícios trará implicações diretas para a performance do seu trabalho no digital
No caso das personalidades, a perda do selo azul pode ter um impacto especialmente negativo na reputação daquelas que dependem de uma forte presença nas redes sociais para manter a sua influência, diz João Bernardes, adiantando no entanto que este impacto pode ser “minimizado”, caso a autenticidade da conta seja comprovada de outras formas, como através de um site oficial ou outras contas de redes sociais verificadas.
“No caso específico de personalidades como Cristiano Ronaldo ou Beyoncé, uma vez que as suas contas são já altamente reconhecidas pelos utilizadores do próprio Twitter, estes poderão sentir menos o efeito da perda do selo azul. Quem poderá ‘sofrer’ mais com a perda do selo azul serão os influenciares digitais/criadores de conteúdo. Isto porque, para quem trabalha e ‘vive das redes sociais’, a perda do selo azul e dos seus benefícios trará implicações diretas para a performance do seu trabalho no digital“, acrescenta o professor do IPAM.
E no caso de influenciadores e marcas que trabalhem em áreas sensíveis como a saúde, ciência ou jornalismo, esta questão pode ser “ainda mais importante”, diz Francisco Morgado Véstia, para quem o facto de o Twitter poder estar a transformar-se numa plataforma onde aqueles que têm dinheiro para pagar têm mais visibilidade do que aqueles que não têm é uma “preocupação séria”. Pode acarretar “implicações muito sérias para a qualidade do discurso público na plataforma“, defende.
Embora criticada por muitos, esta imposição de pagamento por parte do Twitter foi no entanto acatada por várias personalidades, como Rihanna ou Ryan Reynolds, para quem o pagamento pelo selo azul “poderá ser encarado como uma nova despesa de publicidade ou até mesmo como um investimento na sua ‘marca pessoal’ no digital”, tendo em conta que a mesma confere autenticidade, credibilidade, visibilidade, benefícios que “podem ser significativos na construção de uma imagem de marca forte e na manutenção da influência”, explica João Pedro Bernardes.
Isso pode tornar cada vez mais difícil para o público distinguir quem são as vozes credíveis e fundamentais na discussão pública, como cientistas, autores e jornalistas, daqueles que têm apenas uma grande base de seguidores. Além disso, acredito que o ruído causado pelo caos da plataforma pode ter implicações graves no desenvolvimento do discurso político atual, principalmente em plataformas de redes sociais e com o histórico que se sabe de forças estrangeiras e tentativas de causar distúrbios nos processos democráticos.
Para os dois profissionais, e tendo em conta que a verificação de contas foi implementada de forma a combater a criação de perfis falsos, esta medida agora em vigor está a desvirtuar essa função. Francisco Morgado Véstia considera difícil não ver esta mudança como uma “medida apenas para gerar receita” e João Pedro Bernardas alerta que esta pode conduzir à criação de uma classe de “influencers de elite“, algo que pode “tornar a validação da autenticidade menos importante para os seguidores e prejudicar a credibilidade do Twitter como plataforma“.
Questionado pelo +M, Francisco Morgado Véstia acredita mesmo que se pode correr o risco de que “qualquer um” poder ser “figura pública”, desde que pague para isso, pelo que “é possível que o número de ‘figuras públicas’ na plataforma aumente dramaticamente”.
“Isso pode tornar cada vez mais difícil para o público distinguir quem são as vozes credíveis e fundamentais na discussão pública, como cientistas, autores e jornalistas, daqueles que têm apenas uma grande base de seguidores. Além disso, acredito que o ruído causado pelo caos da plataforma pode ter implicações graves no desenvolvimento do discurso político atual, principalmente em plataformas de redes sociais e com o histórico que se sabe de forças estrangeiras e tentativas de causar distúrbios nos processos democráticos”, aponta o responsável da Samy Alliance.
Inês Mendes da Silva, CEO da Notable, consultora responsável pela comunicação, agenciamento e gestão publicitária de diversas figuras publicas, defende que “a credibilidade não se paga“, e que esse reconhecimento é um “asset valiosíssimo para qualquer personalidade e empresa, que se conquista com muito trabalho, posicionamento e estratégia”.
“Esse selo é uma ferramenta essencial para todas as partes envolvidas porque é um selo de confiança. Estas alterações representam, por isso, um grande risco que deve ser tido em conta“, diz ao +M.
João Pedro Bernardes acredita na possibilidade de que outras redes sociais sigam o exemplo do Twitter e também comecem a cobrar pelo serviço de verificação de contas, “no entanto, é importante que as redes sociais encontrem um equilíbrio entre a validação de autenticidade e credibilidade e o acesso equitativo a essa validação para todos os utilizadores. O sucesso do modelo de negócio dependerá da aceitação dos utilizadores e da manutenção da integridade da plataforma”.
“Contudo, é difícil prever qual será o impacto desta medida, no longo prazo, e qual será a posição das restantes redes sociais”, acrescenta o docente que, habituado a responder a perguntas, deixa uma questão no ar: “Será o Twitter a norma ou a exceção?“.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.