“Nem toda a lucidez é velha, nem toda a loucura é genial”
Na juventude da minha geração, no começo da última década do século passado, já havia imberbes a propor a reinvenção da roda. Mas o certo é que continuou redonda, é a melhor maneira de a fazer girar.
A frase do título não é minha, é do Chico Buarque num dia especialmente inspirado. O meu Tio Olavo costuma parafrasear: “Nem toda a juventude é jovem, nem toda a originalidade é criativa”.
Há que se ter cuidado com as palavras. Delas advém conceitos e, por tabela, preconceitos.
Outro dia estava a tomar um café com uma jovem publicitária de 69 anos. Beia Carvalho é o seu nome e mudou de vida e de país recentemente. Escolheu Lisboa para tocar o seu projeto ganhar a vida a falar do que sabe e do que gosta, no caso, sobre o futuro. Intitula-se “futurista”, sabendo que essa é uma daquelas palavras que provocam cócegas no nosso cérebro.
O encontro fez-me pensar sobre a minha geração. Com 57 anos não sou exatamente um garoto. Nem queria ser. Aliás, como fui precoce em muitas coisas, passei boa parte da minha vida a querer parecer mais velho. Vale lembrar que cheguei a vice-presidente de uma grande multinacional publicitária em Portugal aos 26 e reformei-me pela primeira vez aos 37.
Quase sessentão, tenho a certeza de que estou completo, mas não acabado. Ainda tenho muito a fazer, muita história a escrever. Mudei de vida, claro. O álcool tornou-se naquilo que ele é, uma droga recreativa de uso muito limitado. Uma vez por mês está mais do que bom (ou mau, depende do gosto do freguês). Não tenho como ser criativo e gestor a trabalhar de ressaca (aos 30 era possível e era o normal). Em comparação, nunca estive tão fresco do ponto de vista físico. Treino de três a cinco vezes por semana. Parei de fumar há 12 anos. Durmo e desperto cedo.
Aprendi a cortar com relacionamentos tóxicos (pessoais e profissionais). A maturidade traz essas vantagens. Temos urgência nas soluções dos problemas, sabemos que não vale a pena perder tempo com o que não tem conserto. Somos tão ou mais impacientes quanto os jovens, em termos de medida, mas a nossa impaciência é de outra qualidade. Não queremos soluções apenas rápidas, queremos soluções que sejam também definitivas.
Não procuro a receita para a eterna juventude e nem que quero com este texto fazer queixinhas ou lavar a imagem. Mesmo com a medicina do jeito que está, sei que já vivi mais do que irei viver, e está tudo certo. No trabalho, não me contento nem com pouco, nem com menos. Junto à minha equipa, ganhei um Grand Prix de Cannes, o maior prémio da indústria publicitária mundial, ano passado. Sou gestor de uma empresa que agarra com unhas e dentes tudo o que é realmente novo (mesmo que isso nos leve a fazer experiências de risco, colocando em prática coisas que muita gente “moderninha” por aí nem sonha em fazer).
Não sou caso único e isolado. Há por aí muita lucidez que não cheira a bafio. Há muita originalidade que não serve para nada. Mesmo na juventude da minha geração, no começo da última década do século passado, já havia imberbes a propor a reinvenção da roda. Mas o certo é que ela continuou redonda, pois é a melhor maneira de a fazer girar.
Em resumo, adoro jovens e espero continuar a ser um deles até o último dia de vida, independente da minha certidão de nascimento. É essa a lente que uso para ver o mundo. Se quiser, posso emprestar.
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